Pa-pa-ra-pa-pa

Por princípio, reajo mal quando me querem vender gato por lebre, alegando com insistência inusitada que, na hipótese de ser gato, é com certeza certificado.
A densa mediatização da morte do Papa - e vale a pena falar já do assunto, apesar de muita tinta estar ainda guardada nos aparos - foi quase tão sufocante como a agonia do chefe da Igreja Católica. Só por si, este massacre, principalmente televisivo, e especialmente da televisão pública, merece algumas considerações breves dum cidadão do mundo com direito a opinião.
É evidente que os meios de comunicação já nos habituaram a este tipo de programação em doses industriais, mas não é por isso que estas são menos abusivas e menos pacóvias.
Informar dezenas de vezes onde nasceu, por onde passou, com quem esteve, de que doenças sofreu, em que matérias foi recordista e, por fim, o afogo e estiolamento do seu estado de saúde a cada instante de fonte oficial ou especulativa, arrisco em dizer que nenhum ser humano merece na hora do seu último suspiro.
Com efeito, as perguntas de mau gosto, as afirmações estultas de maior ou menor grau de consciência e responsabilidade, consoante o comentador, leigo, oficial ou oficioso, e a repetição exaustiva de factos já relatados anteriormente, evidenciam a falta de respeito por um auditório necessariamente heterogéneo e a ganância da maior audiência a todo o custo.
Ficou no entanto por dizer, mas irá certamente ser dito em doses suaves de colher de chá, que o homem de Cracóvia foi, para o ocidente, o instrumento mais precioso na sua cruzada anti-comunista, à boleia de um anti-nazismo tão aparentemente consensual desde o Concílio Vaticano II. E de forma consciente. Não deixa por isso de ser curioso que o Bispo Auxiliar de Lisboa, interrogado sobre qual a sua preferência para o sucessor de João Paulo II, não hesitasse, mais papista que o Papa, em detrimento de D. José Policarpo, e respondesse, em pose de mal disfarçado ecumenismo: agora um asiático.
No alvo!
Não tenho interesse especial em saber por quem subirá o fumo branco no céu de Roma. Escrevo esta crónica no princípio do mês de Abril e ainda agora a procissão vai no adro. O que me move é a indignação por estas cíclicas super reportagens que não compro e que me enchem a casa e a paciência, mas sei que será preciso um milagre para as evitar.

João de Sousa Teixeira
(João de Sousa Teixeira é escritor
e assina esta coluna mensalmente)
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