Director: João Ruivo    Publicação Mensal    Ano VII    Nº79    Setembro 2004

Opinião

Olímpica tristeza

O desporto, pois. O recorrente e inevitável desporto que alegra e traz suspenso este país, que um dia quis ser espiral e nunca passou de um repetitivo círculo, por lhe faltar a ponta, neste emaranhado novelo de hábeis manipuladores, fantoches, figurões mediáticos e outras aves de linhagem comprovada, mas sem ponta por onde se lhes pegue. Não há dúvida que o desempenho desportivo dos portugueses é um remédio, tipo óleo de fígado de bacalhau, capaz de revigorar o ânimo de quem aplaude as vitórias alcançadas em 2º, em 3º e até em décimo-sexto.

Se esta poção tivesse sido ministrada há mais tempo, talvez não houvesse hoje alguns desmancha prazeres que insistem que o rei vai nu.

Com efeito, foi o Euro 2004, os Jogos Olímpicos e estão na calha o Mundial de Futebol e os Paralímpicos - cuja meta anunciada é à partida a conquista de bem perto duma camioneta de medalhas - para não falar dos campeonatos nacionais de futebol que já aí estão nos estádios e nas televisões. Todos estes eventos juntos são a receita julgada uma autêntica bênção por putativos tecelões imperiais, até que uma outra, genérica ou de marca se sobreponha por mais conveniente.

Somos assim um povo em estado de graça permanente, isto é, perdoado o mal que nos fazem pelo bem que nos sabe, restam-nos as lágrimas estrangeiras, as catástrofes na China, os atentados na Rússia, no Iraque ou onde quer que sejam, desde que longe da porta, para testar a tia solidariedade.

No momento em que escrevo, as férias para quem as tem, aproximam-se do fim. O folclore oficial aumenta de tom. Diz-se que há empresas que não vão abrir quando os trabalhadores regressarem. Há ministérios descentralizados e promessas de para-o-ano-logo-se-vê. Os fogos devastaram o que tinham para devastar, porque são uma calamidade incontornável e incontrolável, no dizer de que os deveria se não erradicar, pelo menos minimizar, planeando e pondo em prática o que os bombeiros sabem por experiência própria e sem necessidade de recurso a especialistas americanos que nos ensinam o óbvio. E ardeu também a esperança de vida de muita gente.

Há projectos adiados e um futuro de que apenas sabemos que começa por efe.

O grande investimento está portanto nos nossos atletas, inconscientes da missão subjacente à competição a que aparentemente concorrem.

Venham por isso mais vitórias, em segundo, terceiro ou décimo-sexto, dos nossos bravos e tudo aceitaremos. Desportivamente.

João de Sousa Teixeira

 


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