Director: João Ruivo    Publicação Mensal    Ano VII    Nº79    Setembro 2004

Entrevista

VASCO GRAÇA MOURA EM ENTREVISTA AO ENSINO MAGAZINE

"As crises de valores não se combatem na bruxa"


Vasco Graça Moura não tem dúvidas quando afirma que «a crise muito grande» que atravessamos reside na escola e na formação. O poeta, romancista e eurodeputado, acrescenta que as lacunas na educação e na cultura contribuem para um «défice democrático» na sociedade portuguesa e critica as televisões por serem «agentes de imbecilização colectiva» Em entrevista ao «Ensino Magazine», Graça Moura traça um quadro negro do estado da nação, salientando que os portugueses pouco ou nada sabem da sua História, da Língua e do património cultural.

Poeta, cronista, romancista, tradutor, político e advogado. Com qual destas facetas melhor se identifica?

Fundamentalmente sou um escritor. Isso não me impede uma intervenção cívica que se exprime também na participação política. E deixei de advogar há perto de 20 anos..

Disse recentemente, aquando da aprovação do seu relatório sobre o papel da aprendizagem escolar no acesso do maior número de cidadãos à cultura, que «educação e cultura são essenciais à democracia». Porquê?

Entendo que a cultura é uma dimensão essencial, quer para o pleno e harmonioso desenvolvimento da pessoa humana, quer para a vida dos homens em sociedade. É a cultura que permite conhecer o mundo e encontrar soluções para os problemas que ele coloca sucessivamente à existência dos seres humanos. Por isso a cultura é uma dimensão essencial da democracia e todos devemos ter condições de igualdade de acesso a ela. Já a Igreja dizia que «nem só de pão vive o homem». A educação é uma via para a cultura.

Olhando para a realidade portuguesa são evidentes as lacunas culturais e educativas. Pensa que de alguma forma há um défice democrático devido a essas debilidades estruturantes?

É evidente que sim. O défice que fala gera graves desigualdades e permite a acumulação de privilégios para alguns em desfavorecimento de muitos outros. 

Como avalia a política cultural e educativa seguida pelos sucessivos governos nas últimas décadas?

As políticas culturais dos governos do PSD têm sido realistas, atacando os problemas concretos e procurando dar-lhes solução. As dos governos PS caracterizaram-se pela megalomania, pelo divórcio em relação à realidade, pela demagogia e pela falta de meios ou pela gestão desastrosa deles. Da gestão socialista não ficou praticamente nada, a não ser chavões. E até o Plano Operacional da Cultura, que o Governo PS teve o mérito de negociar em Bruxelas, estava com uma taxa de execução de cerca de 11 por cento, em Março de 2002.

Foi a coligação que fez essa taxa ultrapassar a barreira dos 40 por cento. Em qualquer dos dois casos, no entanto, é evidente que teria sido preferível que os orçamentos para a cultura fossem mais bem dotados...

Está a iniciar-se mais um ano lectivo e os crónicos problemas do sistema de ensino emergem. Há alguma receita mágica para que a educação em Portugal entre, definitivamente, nos carris?

Não há receitas mágicas para nada. Há necessidade de bom senso, de programas minimamente satisfatórios, de empenhamento sério de professores e alunos, de disciplina e de um grande esforço da parte de todos.

Em que níveis de ensino crê que se localizam as maiores deficiências do sistema?

Não sou especialista dessas matérias mas, a avaliar pelo que se passa com o ensino da Língua Portuguesa, que é um escândalo gritante, as deficiências localizam-se em todos os níveis.

Pelo que tenho lido dos seus artigos no DN, sei que é um critico da «futebolização» da política e de uma certa cultura nacional. Em que medida é que esse crescente recurso às metáforas do futebol tem contribuído para desvirtuar a política, a cultura e outras vertentes da sociedade?

O recurso às metáforas do futebol tem dois aspectos: o crítico e o «adesivo». Tornou-se um código facilmente utilizável pelos que discordam do que se passa e pelos que se sentem muito satisfeitos com essa concentração dos espíritos e das energias naquilo a que chamam o «desporto-rei».

Foi Comissário-Geral das comemorações dos «Descobrimentos». Acha que os portugueses conhecem e valorizam suficientemente o seu passado histórico?

Infelizmente, não. Os portugueses estão cada vez mais esquecidos da sua História, da sua Língua e do seu património cultural.

Alguns intelectuais proeminentes têm afirmado que o País vive uma das suas maiores crises de sempre. Pergunto-lhe se está de acordo e, já agora, que me diga em que pontos-chave se centra a depressão colectiva que, dizem, Portugal atravessa?

Não sei se a crise é uma das maiores de sempre. Mas sem dúvida é muito grande. E tudo vai dar à escola e à formação. As crises de valores não se combatem indo à bruxa. A depressão tem causas várias, umas ligadas a questões de bem estar e qualidade de vida e que dão pelos nomes de défice, desemprego, quebra de produtividade, baixa competitividade, etc. Outras que decorrem da educação, a nível familiar e escolar, e vão do culto dos valores cívicos à importância da aquisição de conhecimentos num mundo em que cada um necessita cada vez mais de qualificações.

Escreve assiduamente nos jornais e ocupou um cargo de direcção da RTP durante algum tempo. Os órgãos de comunicação social, nomeadamente a TV, cumprem devidamente o papel formador da opinião publica que lhes compete?

Só fui director da RTP durante oito meses e já lá vai muito tempo. De um modo geral, as televisões são agentes de imbecilização colectiva em vez de serem instrumentos úteis de formação, o que seria possível mesmo na função de entretenimento.

Como eurodeputado e profundo conhecedor da realidade do «velho continente», como é que prevê a evolução do projecto europeu?

Só se poderá prever a evolução do projecto europeu depois de se ver o que é que acontece em matéria de referendos nacionais quanto à nova Constituição Europeia. Mas o ideal é que a Europa continue a ser construída por pequenos passos, tanto quanto possível da base para o topo.

As últimas eleições para o Parlamento Europeu demonstraram à sociedade o desinteresse dos cidadãos pelas questões europeias. Que motivos encontra para este comportamento?

O cidadão comum europeu ainda não desenvolveu uma consciência de pertença à Europa como dimensão fundamental do seu estatuto próprio. E em muitos países há também crises de vária ordem, embora menos graves do que a nossa, e que contribuem para o alheamento dos cidadãos em relação a uma problemática que é, a todos os títulos fundamental. 

Os Estados Unidos da Europa poderão vir a ser uma realidade?

Não sou futurólogo. O sistema actual tem traços federalistas e traços próprios da união de Estados. Mas, em minha opinião, uma estrutura semelhante à dos Estados Unidos da América tardará muito a verificar-se.

Nuno Dias da Silva


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