Director: João Ruivo    Publicação Mensal    Ano VII    Nº80    Outubro 2004

Entrevista

AUGUSTO SANTOS SILVA, EX-MINISTRO DA EDUCAÇÃO EM ENTREVISTA

"Universidades Politécnicas"
é uma designação ambígua

Augusto Santos Silva considera «vagas e confusas» algumas das propostas apresentadas pela ministra Graça Carvalho, nomeadamente no que diz respeito à transformação dos institutos politécnicos em universidades politécnicas. O porta-voz do PS para o Ensino Superior e Ciência defende o pagamento de propinas, mas entende que deve ser o Estado a assumir a maior fatia dos custos. O sociólogo diz que o País vive uma «crise moral e intelectual», quando o programa televisivo de maior audiência «mistura um presidente de câmara em exercício e um actor de filmes pornográficos».

Um estudo recente adverte que o nosso País tem 20 anos para vencer 2 décadas de atraso educativo. Pensa que estamos a responder a esse desafio cabalmente e, caso falhemos esse desiderato, que riscos existem para a nação?
Penso que podemos atingir esse objectivo, mas para já estou convicto que precisamos de 22 anos e meio, porque os dois últimos dois anos e meio foram claramente desperdiçados. Mas é preciso manter o optimismo que a meta traçada se vai cumprir, e para tal é preciso cumprir três objectivos fundamentais: melhorar a qualidade e as aprendizagens no ensino básico, trazer mais gente para o ensino secundário e aumentar ainda mais as acções de educação e formação dos adultos da população activa — na minha opinião são os três pontos mais críticos do sistema educativo português.

Se o objectivo de recuperar o atraso acumulado fracassar o futuro da nação pode estar em risco?
Pode acontecer. «Nação em risco» é o título do relatório dos Estados Unidos que identificou preocupantes níveis de iliteracia naquele País. É sempre bom ter essa referência e desenvolver a pedagogia pública da necessidade de investimento e educação, sob pena de mesmo os alicerces do desenvolvimento estarem em risco.

Uma investigação do Instituto da Inteligência alerta para as taxas de insucesso escolar e que um terço dos portugueses têm dificuldades de aprendizagem. É preocupante...
De facto, mas eu prefiro olhar para os dois lados da realidade. O que se constata é que ao longo dos últimos dez/quinze anos conseguimos introduzir a educação pré-escolar como primeira etapa da educação básica para todos e praticamente universalizou-se a frequência dos nove primeiros anos de escolaridade. Ao mesmo tempo multiplicámos o número de alunos que frequentam o Ensino Superior. No que diz respeito às questões de acesso ao sistema educativo Portugal está hoje muito melhor. Agora o que foi feito em matéria de acesso, tem de ser feito em matéria de sucesso das aprendizagens efectuadas na escola. 

O Orçamento do Estado para a Educação perde verbas relativamente ao ano transacto. Quando é que o sector passa para a primeira linha das prioridades políticas?
Ao longo da segunda metade dos anos 90 conseguimos subir um patamar na proporção do Produto Interno Bruto gasto em Educação, colocando-nos na média dos países da OCDE. O que acontece é que desde o Governo de Durão Barroso se tem procedido a cortes no Orçamento destinado à Educação que, caso se mantiverem, nos fará, outra vez, descer um patamar, o que seria um retrocesso incompreensível.

«Educação é um desígnio de interesse nacional»

Portugal é dos países que mais investe no sector, mas também o que menos frutos recolhe. O que é que falha?
Penso que podemos ser mais eficientes. Se não for possível melhorar o nível de investimento público em Educação, deve optar-se por tentar ser mais eficiente na forma como esse investimento é utilizado. 

A «fuga de cérebros» para o estrangeiro é um dos problemas com que Portugal se debate. A investigação e o desenvolvimento podiam ser áreas nucleares para canalizar o investimento?
Necessariamente. Mas não gostaria de descurar o elemento essencial que é a educação básica - o chão sobre o qual têm que assentar todos os percursos de formação.

É possível definir um sector do sistema educativo que careça de uma reforma mais profunda?
A educação é um sector demasiado vasto para se falar de uma parte do mesmo, mas escolheria, provavelmente, o ensino secundário. O ponto nevrálgico que tem repercussões a montante e a jusante está hoje no ensino secundário, onde os problemas são bastantes, distribuídos pelas variantes que o compõem: o ensino dito geral, o ensino tecnológico e o ensino profissional. 

Fala-se muito em desígnios estratégicos e pactos de regime. Seria desejável um consenso alargado entre os principais partidos sobre Educação?
A Educação é um desígnio estratégico e de interesse nacional. Agora tudo depende das consequências práticas. É absolutamente desejável que os grandes princípios orientadores e os grandes objectivos sejam definidos por consenso social e político. Logo, é desejável que a Lei de Bases da Educação resulte de um consenso social e de uma maioria política alargada. A partir daí as políticas educativas dos governos não podem ser objecto de pactos de regime. Na política educativa, como em relação a outras políticas, o Governo tem a sua orientação, a oposição contesta o Governo e os portugueses escolhem. 

O que é que defende em termos de financiamento do Ensino Superior?
O Governo de Durão Barroso forçou uma alteração da Lei de Financiamento do Ensino Superior cujo «explosivo» objectivo era aumentar as propinas, começando, portanto, o edifício pelo tecto. Chegou-se ao absurdo de que antes de a lei de bases fosse alterada já a Lei do Financiamento tinha sido aprovada pelo Ministro Pedro Lynce, o que foi um erro crasso. 

Deve haver pagamento de propinas?
O PS é favorável à existência de propinas no Ensino Superior, mas também defendemos que a maior parte dos custos deve ser assumida pelo Estado. A participação das famílias e dos estudantes deve, pois, ser residual. 

Presidentes das faculdades «nomeados»

Que opinião tem da medida proposta pela ministra do Ensino Superior, Graça Carvalho, de transformar os institutos politécnicos em universidades politécnicas?
É muito prematuro discutir, visto que a senhora ministra apresentou um estudo cujos autores propõem essa transformação, mas até à data, o Governo nada disse.

O ex-ministro Marçal Grilo fala em «erro estrutural grave». Em abstracto como caracterizaria um cenário desta natureza?
Em abstracto resisto a aceitar tudo o que possa trazer confusões e ambiguidades. E a designação de universidades politécnicas é ambígua. Mas vamos ver qual é a substância.

Veiga Simão apresentou uma proposta de reorganização do Ensino Superior. Que lhe parece a nomeação de presidentes para as universidades? 
Não faz grande sentido. O PS é contrário a que os reitores ou os presidentes sejam nomeados e não eleitos. Continuo sem perceber como é que o Governo, ao mesmo tempo, encomenda e divulga estudos sucessivos e tem parado há quase um ano no Parlamento a aprovação da lei da autonomia que, entre outros aspectos, define o regime de Governo das universidades. Em Novembro do ano passado foram aprovadas na generalidade a proposta de lei do Governo e o projecto de lei do PS sobre a autonomia das universidades e desde então aguardamos que o Executivo aceite discutir na especialidade os dois projectos que estão aprovados. Há uma agenda política que tem que ser prosseguida e, por isso, não faz sentido vir com mais estudos....

Porque que é que houve um atraso tão grande na institucionalização do ensino universitário público em Viseu?
Aprovámos, já o Governo do PS estava em gestão, o instituto universitário de Viseu que o Governo de Durão Barroso não promulgou. O Presidente da República fez, naturalmente, depender a promulgação dos decretos aprovados quando o Governo PS estava em gestão do acordo do novo Executivo, mas este não deu o seu acordo. Logo aí perderam-se mais dois anos sem instituição universitária pública em Viseu. 

O projecto que pretende ser um pólo de excelência de tecnologias e investigação, uma espécie de Silicon Valley, não tem virtualidades?
É tudo muito vago. Não há nenhuma ideia clara sobre o que será a universidade de Viseu. A ideia recentemente apresentada pela ministra Graça Carvalho é absolutamente nebulosa. Não se sabe se é uma universidade pública, se uma parceria com uma empresa privada estrangeira, se uma parceria com universidades estrangeiras.

«Ano lectivo está muito perturbado»

Que lhe parece o sistema de cursos com três anos?
O processo de Bolonha obriga a uma duração do primeiro e do segundo ciclo de estudos de «x» mais «y». É prematuro definir uma transição brusca, igual para todos, para uma duração standardizada. Somos favoráveis a que se caminhe na generalização do primeiro ciclo de estudos e que isso implique alguma compactação dos cursos de licenciatura em Portugal — que na sua maioria têm uma duração de 5 anos, que é excessiva, se se comparar com a média europeia —, aproximando gradualmente até ao horizonte de 2010 uma maior harmonia entre a organização do Ensino Superior nos vários países que subscrevem o processo de Bolonha.

O presente ano lectivo ficou marcado pela polémica e pelo atabalhoado processo de colocação de professores. Servem de consolo as palavras da ministra Maria do Carmo Seabra quando esta disse que para o ano os erros não se irão repetir?
Não, de todo. O que aconteceu foi um caos absoluto. Importa salientar que o próximo concurso começará já no mês de Janeiro e nada parece estar corrigido, nem sequer está identificado o que é que do ponto de vista técnico terá corrido mal no processo de colocação de professores para o ano lectivo de 2004/2005. Estamos muito apertados de tempo e não se vislumbra nenhuma iniciativa do Governo para introduzir as alterações que a prática mostra precisam de ser mudadas.

Com este início o ano lectivo 2004/2005 está condenado ao fracasso?
Está muito perturbado, mas não é só por causa da colocação de professores. É preciso ter em consideração que neste ano lectivo começa a ser aplicado um novo curriculum no ensino secundário e que não há nenhuma espécie de acompanhamento desse lançamento. O Ministério da Educação está virado de pernas para o ar e não dá qualquer tipo de apoio às escolas.

Santana e Portas: «o capital vem da “Kapital”»

Fazendo apelo da sua formação de sociólogo, como é que observa o Portugal de hoje, em 2004?
Vivemos uma crise conjuntural que tem na base um problema de natureza financeira que foi transformado num problema económico, e uma crise económica e social que temos vivido sem interrupções desde há dois anos. Crise essa que tem sido agravada, do ponto de vista psicológico, pelo famoso «discurso da tanga». Em vez de termos dirigentes mobilizadores, tivemos dirigentes com palavras miserabilistas, que acabaram por contagiar a atitude moral e intelectual dos portugueses. 

A crise é assim tão profunda? 
Portugal um país que assiste estupefacto à inversão de tábuas de valores. O programa televisivo de maior audiência na actualidade tem protagonistas com as as proveniências mais diversas, que mistura um presidente de câmara em exercício e um actor de filmes pornográficos, só pode pôr um País inteiro com problemas existenciais gravíssimos. 

Num País que julgava ter uma democracia consolidada e vê um ministro declarar que se ponha ordem num comentador e dois dias depois ele abandona o cargo, isso deixa os portugueses muito apreensivos. Há a sensação que vivemos 15 anos em que gente responsável se alternou na governação do País, uns mais à direita, outros mais à esquerda. Agora parece que posições muito importantes do comando do País estão entregues a gente sem sentido de responsabilidade. Pessoas cujas carreiras se fazem mais nas «revistas do coração» do que propriamente na carreira pública.

Refere-se em particular ao Primeiro-Ministro?
Estou a falar especificamente do par Santana Lopes-Paulo Portas, cujo capital vem da «Kapital»....

Nuno Dias da Silva


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