Director: João Ruivo    Publicação Mensal    Ano VII    Nº81    Novembro 2004

Opinião

Da avaliação à acreditação

A avaliação no ensino superior justifica-se por dois motivos fundamentais: prestação de contas e melhoria da qualidade das instituições.

A prestação de contas é uma obrigação que decorre da autonomia. Ao receberem maioritariamente fundos do Estado, as instituições devem provar que são merecedoras desse apoio face aos “stakeholders” da educação (alunos, pais, empregadores, ex-alunos, pagadores de impostos...). Estes têm obrigação de saber qual a qualidade dos cursos oferecidos e se o dinheiro que é gasto na educação é um investimento ou um consumo. A melhoria da qualidade nas instituições é um acto elementar de adaptação à dinâmica de mudança a nível internacional. 

O modelo que tem existido até agora pode ser classificado como de 1ªfase a nível europeu ou seja, é essencialmente descritivo e tem uma conclusão baseada em pontos fortes/fracos. A evolução no espaço europeu aponta para acreditação ou seja, são definidos critérios e os cursos/instituições são avaliados face aos mesmos. Trata-se de clarificar o resultado final tornando-o perceptível quer para a tutela quer para os utilizadores dos produtos das instituições. A acreditação pode ser definida por padrões mínimos (cumpre as necessidades elementares para aceder a financiamento) ou máximos apontando para os que representam a excelência. 

Após vários anos acompanhando o processo de avaliação, permitimo-nos defender o modelo de acreditação, com o seguinte enquadramento:

1. Todas as instituições teriam um gabinete de controlo de qualidade interno;

2. Definição de indicadores de desempenho por áreas a nível nacional. O gabinete de qualidade tem que dispor todos os anos desses indicadores e coordenar a realização da auto avaliação dos cursos;

3. Auditorias regulares ao funcionamento do gabinete de qualidade pela agência de coordenação do processo a nível nacional. Se os procedimentos forem considerados correctos, os resultados serão válidos para a aceitação de relatórios de auto avaliação e posterior acreditação dos mesmos. Caso contrário, os relatórios não serão aceites e entra-se em processo de averiguações, com possíveis efeitos suspensivos de financiamento. Os cursos acreditados com excelência devem ter um bónus de financiamento através do acesso a programas especiais; os não acreditados, terão um prazo para se regenerarem. Caso contrário devem encerrar;

4. Todos os cursos têm que empreender um processo de aprendizagem comparativa com um curso homólogo na área a nível nacional e um no exterior. O processo de benchmarking é de apresentação obrigatória com o relatório de follow up, dois anos após a auto avaliação;

5. No final do ciclo de avaliação de cursos (5 anos) deve a instituição realizar um relatório global de auto avaliação institucional, havendo neste caso lugar á visita de comissão externa, composta nomeadamente por peritos estrangeiros e outros destinatários dos outcomes;

6. Publicação de resultados: devem ser definidos indicadores (ênfase nos de competências) com interesse para o público que precisa tomar decisões a este nível. Ou seja, evitar relatórios redondos e cifrados, estendíveis apenas por peritos e especialistas na matéria.

Vantagens desta proposta:

- Passa para as instituições a responsabilidade de manter internamente uma cultura de qualidade e de melhoria permanente. Esta postura é essencial para a captação de alunos e devia também sê-lo na disputa de docentes de qualidade;

- É mais barato, pois, prescinde das comissões externas dos cursos de forma regular;

- Clarificação do processo face ao Estado e aos Stakeholders. Para a tutela resultados claros e para os restantes stakeholders informação clara e concisa;

- Aprendizagem interna, pois o exercício de comparações factuais em busca das melhores práticas no benchmarking combateriam a estagnação à volta de programas e processos, por vezes com mais de uma década.

Enfim, pretende-se agilizar o modelo, tornando-o menos burocrático e de maior valor acrescentado. Concluindo, pensamos que no sistema de autonomia de funcionamento das instituições, a avaliação é uma componente fundamental do New Public Management.

Helder Carrasqueira
(Coordenador da Avaliação – Ensino Politécnico
da Universidade do Algarve)

 

 

 

 

CRÓNICA

O Leão da Metro

Desde que o actual Presidente da República, Jorge Sampaio, se tornou uma figura pública e, por consequência, reconhecido pelos meus sentidos, sempre me sugeriu a imagem do carismático leão da Metro. Não terá explicação tal associação de ideias, mas tornou-se incontornável para mim. Em casa costumávamos glosar o mais extrovertido, o mais intempestivo ou o mais exuberante com esse epíteto, mas nenhum desses atributos são, a meu ver, características do Presidente e a comparação permanece até hoje um mistério por decifrar.

Já me ocorreu poder tratar-se da farta juba ruiva que o leão ostenta a causadora desta analogia tão disparatada. Não o será com certeza. Nesse caso só poderia comparar-se com uma leonina decisão de afastar de vez todos os que o aconselharam, em nome da estabilidade, a não convocar eleições antecipadas. Foi por isso que, num momento de fraqueza, avaliei a hipótese da semelhança poder ter a ver com o clube desportivo dos seus afectos, mas isso era inverosímil; não passava duma coincidência bacoca.

Pensei igualmente no rugido inquebrantável do cinéfilo animal e optei também pela negativa. Afinal um homem de consensos não ruge assim. Um homem mais atreito à esponja que à pedra-pomes não deseja conflitos, não barafusta, não manifesta o que tem na alma de forma tão rude, mesmo na saudação ao eleito presidente americano, de quem diz acalentar a expectativa de dias melhores.

Ainda com algumas possibilidades em carteira, viajei com ele à distância com a esperança de lhe apanhar um tique, uma palavra-chave, um soluço, uma lágrima ou o raio duma ponta qualquer capaz de me dar uma pista, uma luz por mais ténue que fosse e nada. Na verdade tive alguma dificuldade no entendimento dos discursos, talvez demasiado burilados do género: não sei o que disse mas falou bem.

Agora que, se ainda não visitou todos os concelhos do país, está em vias de tal feito, lembrei-me que também o leão percorre um território imenso para o marcar com a sua indelével marca pessoal e isso poderia ser a luz que procurei durante todo este tempo. Mas foi um erro pensar assim. O leão de que se fala é, por assim dizer, uma ficção praticamente estática e, embora comum a muitas fitas, é sempre uma carta fora do baralho.

Pode esta reflexão não dar em nada e eu continuar intrigado o resto da vida sem saber o motivo deste tão peculiar cotejo, mas por exclusão de partes ainda tentarei averiguar se existe relação entre o actual Presidente da República e um leão de juba ruiva e soberba, que ruge por efeitos especiais e ali aparece no ecrã sem ser protagonista ou tenha qualquer papel no filme.

João de Sousa Teixeira
(João de Sousa Teixeira é escritor
e assina esta coluna mensalmente)

 


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