Director: João Ruivo    Publicação Mensal    Ano VII    Nº81    Novembro 2004

Cultura

GENTE & LIVROS

Elfriede Jalinek

«Quando está a dar aulas a Walter Klemmer, Erika Kohut, que já não se entende mais a si própria, pois um sentimento começa a dominá-la, tem um acesso absurdo de fúria. Ela ainda mal lhe tocou e já o aluno descurou visivelmente os exercícios. Klemmer erra agora na peça que toca de memória, hesita na execução, a não-amada ali mesmo colada à nuca. Nem sequer sabe o tom!»

In A Pianista


Prémio Nobel da Literatura de 2004, Elfriede Jelinek é a décima mulher a receber este galardão em mais de 100 anos. Feminista convicta, reagiu à notícia do Nobel, com a seguinte declaração, a uma rádio austríaca :«Quando uma mulher ganha um prémio, recebe-o também pelo facto de ser mulher e não se pode alegrar ilimitadamente. Se Peter Handke, que o merecia mais do que eu, o tivesse recebido então seria como Peter Handke». Por seu lado, o Comité do Nobel justificou a sua escolha referindo-se à obra de Jelinek como «fluxo musical de vozes e contra-vozes em livros e peças que, com extraordinário zelo linguístico, revelam o absurdo dos clichés da sociedade e a sua força de subjugação».

Poetisa, dramaturga e romancista, autora dos romances: Os Amantes (1975), Os Excluídos (1980), A Pianista (1983) - obra autobiográfica - e Desejo (1989), Elfriede Jelinek nasceu a 20 de Outubro de 1946 na cidade de Mürzzuschlag, na Áustria. Filha de um químico judeu de origem Checa, que haveria de enlouquecer, e de uma senhora da alta burguesia de Viena, Jelinek começa por estudar música e composição musical no Conservatório de Música de Viena. 

Após terminar o liceu em 1964 ingressa na Universidade de Viena onde estuda Teatro e História da Arte, a par dos estudos musicais. 

No início dos anos 70 vive alguns anos entre Berlin e Roma e em 1974 casa com Gottfried Hunsberg, passando a residir entre Viena e Munique. 

A violência contra as mulheres, a manipulação da sociedade e a sexualidade são temas recorrentes na sua obra. Mal-amada e por vezes até maldita no seu próprio país Elfriede Jelinek disse à comunicação social, que o Prémio Nobel não a transformaria numa «Flor na lapela da Áustria» 

A Pianista - Erika Kohut estudou e dá aulas de piano no Conservatório de Viena. Tem mais de trinta anos e continua a viver e a dormir com a mãe. Há luz do dia não se lhe conhece qualquer vício, mas à noite, sempre que foge ao apertado controle da mãe, frequenta “peep shows” e “veste” o papel de voyeur no parque da cidade.

Quando um dos seus alunos, Walter Klemmer, se interessa pela pianista, ela só lhe pode oferecer o lado errado do prazer, apostando tudo numa relação sadomasoquista.

Eugénia Sousa

 

 

 

BOCAS DO GALINHEIRO

O regresso thriller político

Quando em 1962, em plena “Guerra Fria”, John Frankenheimer, adaptou a obra “The Manchurian Candidate”, de Richard Condon, era previsível um êxito estrondoso, sabendo-se da ambição do realizador e da sua simpatia por temas difíceis. A alienação do indivíduo no mundo moderno é um dos seus cenários recorrentes. Porém a história deste complot comunista para assassinar um candidato à presidência dos Estados Unidos e substituí-lo por um fantoche reaccionário, alusão directa ao tão tristemente célebre senador McCarthy, foi um falhanço comercial. Frank Sinatra, o protagonista, acusou a United Artists de uma má escolha das salas com a intenção de prejudicar a exibição da película. Verdade ou mentira, o facto é que Sinatra adquiriu os direitos do filme, o que resultou na sua saída do circuito comercial por um longo período a que, diz-se, não terá sido alheio o atentado final de “O Enviado da Manchúria”, não muito diferente daquele que no ano seguinte culminou no assassínio de Kennedy. Filme polémico, obviamente proibido nos países do bloco comunista, mas não só, gravita à volta da lavagem ao cérebro de foi alvo uma patrulha americana na guerra da Coreia em 1952, fazendo dos soldados verdadeiras máquinas de matar manipuladas pelos comunistas. Curiosamente, tendo em conta a paranóica divisão do mundo e do escaldante ambiente da “Guerra Fria”, o filme acaba também por não ter aceitação nos sectores mais conservadores da sociedade americana, que se sentiram retratados nesta sátira política. 

Nascido a 9 de Fevereiro de 1930 em Nova Iorque, John Frankenheimer começou a sua actividade na televisão, onde na altura despontavam outros nomes que também vieram a ter um lugar de honra no cinema, como Sidney Lumet e Arthur Penn para a partir de 1961 se dedicar exclusivamente à realização cinematográfica. Filmes como “The Young Stranger”, centrado no adolescente rebelde num bairro pobre de Nova Iorque, “Birdman of Alcatraz”, sobre um presidiário, Burt Lancaster que se torna uma sumidade em ornitologia, “Seven Days in May”, de 1964, o seu regresso ao “thriller” político, ou a teoria da conspiração, aqui militar, nos states dos anos 60, “Grand Prix”, situado no mundo das corridas de Fórmula 1, são alguns dos filmes em que o estilo Frankenheimer se alicerça. Os anos 70 não foram muito favoráveis ao realizador. De destacar aqui “The French Connection II, uma excepção no desastre que foi a sua carreira nos anos 80, onde apesar de tudo conseguia ir dando um cunho pessoal às suas fitas. Nos últimos anos da sua carreira conseguiu fazer do pior, o inenarrável “A Ilha do Dr. Moreau”, uma inglória adaptação do clássico de H. G. Wells, com um Marlon Brando em auto gestão no papel de um extravagante patriarca de uma ilha. “Jogo de Traições”, de 2000 não foi melhor. Para termos um rasgo do realizador nos últimos anos da sua carreira, morreu em 2002, temos que recuar a 1998 e a “Ronin”, com Robert de Niro.

Quarenta anos depois, Jonathan Demme agarra no romance de Condon e transpõe-o para os tempos actuais, uma campanha eleitoral para presidente dos Estados Unidos. Como vão longe os tempos da “Guerra Fria” e do perigo vermelho, venha ele da União Soviética, China ou Coreia, o protagonista, agora Denzel Washington não luta contra os comunistas que lhe haviam feito a lavagem ao cérebro, Frank Sinatra, mas agora contra uma sinistra organização, a Manchurian Global, responsável pela implantação de microchips destinados a comandar os heróis que agora vêm da Guerra do Golfo. O filme agora chama-se “O Candidato da Verdade”, apesar de o título original se ter mantido. Mas não só. Estamos claramente perante uma fábula política, curiosamente lançado quando nos Estados Unidos era ano de eleições presidenciais.

Para Demme tratou-se de fazer um filme perturbador e emocionalmente complexo na linha de “O Silêncio dos Inocentes”, um dos seus grandes êxitos, com Jodie Foster no papel da agente do FBI encarregada de investigar um serial killer, no que é “ajudada” pelo canibal Hannibal Lecter, uma inesquecível interpretação de Anthony Hopkins. Mas Demme, que começou no cinema pela mão de Roger Corman, já havia dado nas vistas em “Melvin and Howard”, de 1980, uma incursão no célebre processo do testamento de Howard Hughes, ou em “Stop Making Sense”, um documentário à volta de um concerto dos Talking Heads, ou ainda em “Something Wild”, uma incursão no filme noir, com Melanie Griffith e Jeff Daniels, para atingir o cume com “Filadélfia”, o primeiro filme de Hollywood a abordar o tema da Sida, com Tom Hanks no papel de um advogado homossexual, em litígio com a firma de advogados que o despediu quando se soube que era seropositivo. Marcos de uma brilhante carreira abrilhantada agora com este inesperado remake de um filme de culto. A não perder.

 

 

 

EDUCAÇÃO ÀS TIRAS

Desenho: Bruno Janeca
Argumento: Dinis Gardete

 


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