Director: João Ruivo    Publicação Mensal    Ano VII    Nº73    Março 2004

Opinião

A grande trapaça

Ninguém sonha e a estrada 
Não ressurge habitável
Muito cuidado!
Está aqui a verdade.

Jorge Guillén


Um dia apareceram os epígonos e o mundo nunca mais foi o que era. O Necas dizia-me há dias que esta estirpe tem grandes semelhanças com os cogumelos e tem a sua razão, apesar de me deixar ainda mais preocupado. Dizia o que amigo que, tal como os cogumelos, os epígonos, para além de serem de geração espontânea, pouco distam uns dos outros, com a agravante de muitos, aparentemente iguais, serem venenosos.

Prefiro no entanto a expressão “aprendiz de feiticeiro”. É um conceito mais batido mas faz mais o meu género.

Entretanto, Portugal e o meu mundo estão cheios desta linhagem de filhos, afilhados e outros parentes próximos.

Conhecemo-los por que se posicionam quase sempre em bicos de pés, falam como já ouvimos falar noutros carnavais e querem-nos convencer da respectiva originalidade, quando está à vista quão vetusto é o seu verbo.

A viragem espanhola trouxe-nos bastos exemplos de como, segundo a filiação, se pode interpretar um fenómeno simples, de consequências trágicas, é verdade, ao sabor dos interesses instalados e à luz dos ensinamentos do mestre.

A família nunca admitiu a mentira que lhe provocou a acção de despejo. A família mentiu, ocultou, desviou a atenção, sonegou, de forma consciente, com a intenção clara de se manter no poder até às últimas consequências. A família foi despejada por que os epígonos falaram a voz do dono.

E no rescaldo o que dizem?

Que é a alternância democrática; que é o terrorismo; que são as virtudes de uma democracia sólida, que afinal de contas os tramou.

Há muito tempo que a família mente do lado de cá. Sobre o terrorismo e as alianças para o combater, sobre a democracia e as formas de a exercer, sobre si própria e a maneira de se perpetuar.

Até agora estava relativamente tranquilo por conhecer o fenómeno do ponto de vista histórico. A partir deste momento fico apoquentado com a hipótese sempre possível do próximo ser venenoso.

João de Sousa Teixeira

 

 

 

MEDICINA DAS LETRAS

Politicamente desculpável

Hoje rabisco para contestar a ideia “pseudo esquerdista” do Sr. Prof. Freitas do Amaral sobre a Interrupção Voluntária da Gravidez (IVG) ou aborto.

Defende o Sr. Prof. mais ou menos o seguinte:

Caberia ao Ministério Público (MP) avançar com a queixa mediante a maior ou menor culpa, a maior ou menor desculpa apresentada pela mulher que aborta, ou seja, o MP observaria e estudaria o processo nos aspectos social, cultural, económico, etc etc e depois decidiria se avançaria com a queixa crime. 

No campo do desculpável é evidente que as mulheres apologistas do slogan barrigal “Aqui mando eu” ou “já fiz 6...” nunca poderiam deixar de ser indiciadas. Por outro lado e conforme dizia o Dr. Álvaro Cunhal “ a pobreza conduz a abortos angustiados” e “ a riqueza a abortos caprichosos” já seria mais coerente a desculpabilização no 1º caso.

O problema haveria sempre de subsistir pois os casos são julgados por homens.

Quem seguiu o processo de Aveiro ficou com a sensação de que o Meritíssimo Juíz e o MP se encontravam em situação incómoda com tanto espalhafato à entrada do Tribunal e a pressão feita nos órgãos de poder.

Antes de tudo o mais, e para mim, a questão da IVG é uma questão de consciência.

Costuma-se dizer que a nossa liberdade acaba onde começa a dos outros. A IVG é praticada “clandestinamente” na pessoa saudável, com direitos adquiridos por estar grávida e por vontade expressa da Mãe.

É evidente que nenhum aborto colidirá com a liberdade de outrem desde que o Pai dê o seu consentimento.

A corda já esticou até onde era possível para os defensores da vida e do não! A Lei permite a IVG nos casos de saúde delicados para a Mãe e para o Feto bem como nos casos de violação. Falta a estes exigir ao Governo que acabem as listas de espera nas consultas de Ginecologia dos Hospitais e do Planeamento Familiar nos Centros de Saúde.

Os moderados pensam em coimas julgando que a questão é como ter um bom automóvel e dar 200Km/hora na auto-estrada.

Os a favor do sim, querem o referendo para o aborto livre, na convicção que vão ganhar. A sua consciência não fica beliscada e exigem ao governo IVG gratuitas nos Hospitais.

Concordo com o referendo e aceito o que ele ditar, contudo não posso deixar de pensar, que o mesmo só deve ser feito quando quem o propuser eleitoralmente, ganhe!

Escrevi esta crónica, pois o Sr. Prof. pareceu-me querer fazer legislar para o Sim, correndo depois o risco de apregoar o Não, caso se comprometa eleitoralmente com a direita “pouco inteligente”
.

Miguel Resende
Miguel Resende é médico
e assina esta coluna mensalmente

 


Visualização 800x600 - Internet Explorer 5.0 ou superior

©2002 RVJ Editores, Lda.  -  webmaster@rvj.pt