Director: João Ruivo    Publicação Mensal    Ano VII    Nº73    Março 2004

Cultura

GENTE & LIVROS

Lars Gustafsson

«Quando um enxame morre, parece que é como se morresse um animal. É uma personalidade de que sentimos a falta, quase como um cão, ou pelo menos um gato.

Mas ficamos totalmente indiferentes perante uma abelha morta - deitamo-la para o lixo.
O que é estranho é que as abelhas têm precisamente a mesma atitude. (...)

E se elas próprias tivessem a mesma sensação que eu: de que é no enxame que reside a individualidade, a inteligência?

Há enxames com uma personalidade fabulosamente definida. Há enxames preguiçosos e activos, agressivos e calmos. Até há os que são levianos e boémios, e sabe-se lá se não os haverá também com sentido de humor e sem ele?

Por exemplo, a febre do cortiço! É precisamente como uma pessoa nervosa, instável, impaciente. Um mau amante - sem paciência.»

In “A Morte de um Apicultor”

 

Lars Gustafsson nasceu em Västeras, na Suécia, em 1936. Aos 21 anos publica o seu primeiro romance, mas será com o segundo, “ Os últimos Dias e a Morte do Poeta Brumberg” (1959) que começa o entusiasmo do público pelo trabalho de Gustafsson.

Escreve romances, ensaios, livros de poesia e descrições de viagens em paralelo com uma actividade de crítica literária no diário Expressen e na Revista Bonniers Litterära Magasin (BLM). 

A partir de 1962 Gustafsson passa a ser um dos dois co-redactores da revista BLM, e de 1966 a 1972 o seu redactor principal.

À frente de uma das mais significativas revistas literárias, Lars Gustafsson, participa activamente nas discussões filosóficas, estéticas e literárias da Suécia ocupando um papel de relevo na vida intelectual.

Os livros de poesia “Os Viajantes em Balão” (1962), “Os Irmãos Wright Rendem-se a Kitty Hawk” (1968) e “Uma Manhã na Suécia” (1963) são bem aceites pelo público e crítica. Os dois primeiros livros reclamam o elemento ar como pedra de toque, em “Uma Manhã na Suécia” o enfoque é para a nostalgia, um regresso e elogio à infância.

A sua antologia de contos “Preparativos de Fuga” é publicada em 1967 e a prosa “A Arte de Lançar Papagaios” em 1969.

A actividade literária de Gustafsson não impede a sua carreira universitária.

Com um curso de filosofia já há muito concluído, em 1978, faz o doutoramento com a tese “Linguagem e Mentira. Ensaio sobre as teorias extremas na filosofia da linguagem no século XIX.” Exerce a carreira de professor em Universidades americanas e alemãs e é membro da Akademie der Künste de Berlim.

“O Senhor Gustafsson em Pessoa” (1971) surge no panorama literário. Um auto-retrato romanceado que inicia um ciclo de cinco romances subordinados ao tema “Fendas na Parede”. Segue-se “A Lã” (1973), “Festa de Família” (1975) e “Segismundo” (1976). “A Morte de um Apicultor” (1978) termina o ciclo, ou melhor o sistema, como preferiu chamar-lhe o próprio actor. Influenciado pelos acontecimentos do Maio de 68, e as suas palavras de ordem «Continuemos o combate», Lars Gustafsson adopta a uma máxima transversal para os cinco romances: «Não nos rendemos. Recomeçamos».

«A Morte de Um Apicultor» - Início da Primavera do ano de 1975, no Norte de Västmanland. Lars Lennart Westin tem cerca de 40 anos, mas aparenta ter mais, deram-lhe a reforma antecipada quando a escola primária fechou. Está divorciado, vive sozinho e sustenta-se fazendo um pouco de tudo, principalmente vendendo o mel das suas colmeias. Como apicultor, conhece bem as abelhas, como homem, as relações humanas. Sabe também que se encontra gravemente doente. A sua história fica registada em três cadernos referentes a períodos distintos da sua vida: o caderno amarelo, o azul e o caderno rasgado.

Eugénia Sousa
Florinda Baptista

 

 

 

Livros

EUROPA-AMÉRICA. A Editora publica “O Choque do Islão - Séculos XVIII-XXI” de Marc Ferro. «Será este choque um desafio que o Islamismo lança ao Ocidente ou, de modo mais abrangente, o regresso de um Islão que nunca imaginámos ou conhecemos?

Esta é a questão a que Marc Ferro se propõe responder num ensaio esclarecedor e muito actual que dialoga com diversas vozes do islão e as confronta».

Integrado na colecção Biblioteca das Ideias, “O Choque do Islão”, surge como um estudo histórico fundamental. Só a História permite entender o presente e preparar o futuro. 

PIAGET. Se está a pensar em oferecer um livro «à criança da sua vida» pode, e muito bem optar por “O Patinho Barnabé e o Ambiente”. O Patinho Barnabé é um ambientalista convicto que nos ensina de forma simples e simpática as preocupações que devemos ter com a natureza. Com texto de Maria Teresa Ramos e ilustrações de Dorindo de Carvalho este livro aparece como um importante primeiro contacto das crianças com o ambiente. As questões ambientais são de todas as gerações e devemos começar na infância.

ASA. “Amores em Fuga” de Bernhard Schlink. O mesmo autor de “O Leitor” oferece-nos agora sete histórias de amor e de ausência de amor. Um estudante alemão em Nova Iorque que de forma pouco convencional demonstra o que sente a uma judia americana; um ex-progressista burguês que se equilibra como pode entre um casamento liberal e os seus amores ocasionais; um casal de Berlim Oriental, que se apoia na traição mútua com a finalidade de salvar o casamento, são algumas personagens deste livro. Personagens urbanas em rota de colisão, vítimas de uma geração que procura sem encontrar a salvação pelo amor.

 

 

 

BOCAS DO GALINHEIRO

Tarantino: vingança parte II

A segunda parte de “Kill Bill” estreia este ano. A continuação da vingança de Uma Thurman vai animar o ano cinematográfico. Porque é sempre uma boa notícia a estreia de um filme de Quentin Tarantino, mesmo tratando-se da segunda parte de um filme que era para ser único. Coisas.

Para quem viu o primeiro volume lembra-se que Black Mamba, ou “A Noiva”, no caso Uma Thurman, escapou a um massacre perpetrado no dia do seu casamento, gravidíssima, pelo Deadly Viper Assassination Squad a mando de Bill. Quatro anos depois sai do coma e promete vingar-se dos matadores, um a um. A saber: Vernita Green, também conhecida como Copperhead (Vivica A. Fox), mais uma homenagem ao blaxplotation; O-Ren Ishii, ou Cottonmouth (Lucy Liu), madrinha das mafias japonesas; Ella Driver, a California Mountain Snake (Daryl Hannah) e Budd (Michael Madsen). De Bill só lhe ouvimos a voz, a de David Carradine. Nesta primeira parte Uma já aviou Vivica, num duelo muito caseiro, com facas de cozinha muito à mão e uma caixa de corn flakes especial, e Lucy Liu, ao melhor estilo samurai. Depois de dar cabo da pandilha de yakuzas, reservou-se para um derradeiro e intenso duelo na neve com Cottonmouth. Uma clara homenagem do realizador aos filmes de artes marciais, encenada ao estilo dos melhores do género.

Quentin Tarantino nasceu em Knoxville, no Tenessee, a 27 de Março de 1963. Muito novo foi viver com a mãe para Los Angeles, cidade onde cresceu, sempre com o seu fascínio pelo cinema presente. Não estranha pois que o seu primeiro emprego seja num clube de video, o Video Archives, onde forjou a sua formação cinéfila vendo avidamente todas as películas que podia. Ele e o seu futuro compincha nestas andanças, Roger Avary. Howard Hawks, Alfred Hitchcock, Brian de Palma, Stanley Kubrick mas também Godard, Sergio Leone ou Bruce Lee , não escaparam ao olhar atento dos dois amigos. Não admira pois que nos seus filmes perpassem claras citações de velhos clássicos e de géneros apelidados de menores, como filmes de Série B, ou Z, como alguns são conhecidos, ou de artes marciais e de gangsters made in Hong Kong ou Taiwan. Por outro lado, a sua admiração por alguns destes géneros leva a que a sua companhia de distribuição seja responsável pela divulgação nos Estados Unidos de nomes como Takeshi Kitano ou Wong Kar-Wai. 

Depois do nunca terminado “My Best Friend’s Birthday (1987), Tarantino inicia-se na realização com “Cães Danados – Reservoir Dogs”, de 1992, estrela do ano no festival de cinema independente, Sundance, uma clara homenagem aos filmes de gangsters, quer de Jean-Pierre Melville, quer dos feitos em Hong Kong, mas também ao western spaguetti. O filme tem como pano de fundo o assalto a uma ourivesaria que não corre nada bem, e acaba, depois de muito sangue, num tiroteio, tido como uma citação de “O Bom, o Mau e o Feio”, de Leone. Uma estrutura muito trabalhada, nada linear, com flashbacks bem urdidos. O certo é que a receita resultou e dois anos depois aparece o aclamado “Pulp Fiction”. Em colaboração com Roger Avary no argumento, Tarantino elabora uma teia ainda mais sinuosa que a de “Reservoir Dogs”, intercalando as várias estórias que compõe o filme, para no fim, baralhar e tornar a dar. Juntamente com “Reservoir Dogs”, este segundo filme serviu para criar uma áurea de cineasta de culto a Tarantino, qual Orson Welles dos anos 90. Os prémios não se fizeram esperar: Palma de Ouro em Cannes, Globo de Ouro e nomeações para vários Oscar, incluindo o de melhor filme e realizador, tendo ganho o de melhor argumento original.

Em 1995 faz um episódio de “Four Rooms” chamado The Man From Hollywood, um filme absolutamente não conseguido, onde tem como companheiros Allison Anders, no episódio Strange Brew, Alexandre Rockwell, com Two Sides to a Plate e Robert Rodruiguez que dirige The Misbehavers.

Tarantino volta a um filme seu em 1997 em “Jackie Brown”, com argumento baseado num romance de Elmore Leonard, um senhor do livro negro, uma claríssima homenagem aos blaxplotation movies, indo buscar uma esquecida estrela do género, Pam Grier, aqui uma hospedeira que contrabandeia divisas para um traficante, no caso meio milhão de dólares, por todos cobiçado, pois guardado está o bocado para quem o apanhar. E é nesse jogo em que ninguém confia em ninguém que Tarantino giza mais uma das suas histórias em novela. Um regresso em cheio. Mais uma vez uma fita de citações.

Criador multifacetado, para além de se mostrar em vários filmes como actor, normalmente aparições curtas, casos de Sleep With Me, de Rory Kelly (1994), Desperado, de Robert Rodruiguez, (1995) e Girl 6, de Spike Lee (1996), são dele os argumentos de “True Romance”, 1993, de Tony Scott, “Natural Born Killers”, de Oliver Stone, 1994, tão alterado pelo realizador que Tarantino não se revê no filme, bem como “From Dusk Till Dawn” (Aberto até amanhecer), de que é também produtor executivo, faceta que repete nas duas sequelas, e que havia experimentado, entre outros em “Full Tilt Boogie”, de Sarah Kelly.

Resta-nos pois esperar por este forçado segundo volume de “Kill Bill” e fazer figas para que esteja ao nível do primeiro ou, se possível, melhor. Não sabemos, mas calculamos, o que nos reserva. Ficamos à espera. De Quentin Tarantino queremos sempre mais. E ainda bem.

Luís Dinis da Rosa

 

 

 

EDUCAÇÃO ÁS TIRAS

Desenho: Bruno Janeca
Argumento: Dinis Gardete

 


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