Ensaio (breve) sobre a
estupidez

Você é um idiota, disse Bertolt Brecht.
1. O Repórter
O cenário não podia ser mais desolador. Depois de consumida pelo fogo, a barraca a que chamavam casa não era mais que um amontoado de pedras e tábuas cobertas por miseráveis utensílios carbonizados.
Ficou a saber-se que para além de doente e desempregado, o casal ali residente consumia álcool e, provavelmente, droga.
As crianças, seriam duas, três ou mesmo quatro, brincavam seminuas numa espécie de estrumeira junto dos escombros.
O Repórter quis que ficássemos a par das coisas mais importantes e por isso perguntou a uma das crianças, talvez a mais nova:
- O que sentes ao ver tudo isto que vos aconteceu?
A menina limpou o nariz à manga da camisola e fez um gesto enigmático com a cabeça. Então o Repórter concluiu;
- Ainda estão incrédulos. Não querem falar.
2. O Ministro
Verão de 2003 (a descalçar a bota)
O que posso garantir aos portugueses é que estas verdadeiras catástrofes que são os incêndios florestais, um pouco por todo o país, não terão lugar no próximo ano. Posso garanti-lo.
Finais de 2003 (a sacudir a água do capote)
Todas as forças (bombeiros, protecção civil, etc.) estão apetrechadas e treinadas para prevenir e combater a praga de incêndios que todos os anos consome as nossas florestas e deixa na miséria as famílias cujas habitações são devoradas pelas chamas.
Primavera de 2004 (a apalpar terreno)
Se em 2004 se verificarem incêndios florestais com a gravidade dos que ocorreram em 2003, não teremos capacidade para os enfrentar.
Pouco tempo após (voltando à superfície)
O que disse foi retirado do contexto. Não disse nada disso.
- Afinal o que é que ele disse?
3. O Político
www.falemcomele.gaita.

João de Sousa Teixeira
MEDICINA DAS LETRAS
Tentem, que não custa
nada

Desde que escrevi a minha última crónica deixei de fumar. Atitude sensata dirão uns, mas como é que conseguiu, perguntarão outros.
Vou escrever sobre este tema, mas no meu caso ainda a procissão vai no adro, sendo que os foguetes não se podem nem devem deitar.
Existem várias maneiras que ajudam o fumador a parar o vício. Consultas especializadas com ajuda de pastilhas, discos, ansiolíticos, técnicas especiais de
acupunctura, hipnose, etc. Poderíamos também utilizar o velho esquema da cassete. Primeiro ouvem-se os malefícios do tabagismo como as doenças cardiovasculares gravíssimas, o cancro pulmonar, a impotência
etc., etc., depois e enquanto se fuma tem de se ouvir sons irritativos na esperança que este desconforto leve o fumador a abandonar o vício.
Outra boa razão é aliviar a carga para melhor poder pagar à Dra. Manuela Ferreira Leite no final do ano.
Motivos mais imperativos para a paragem são as doenças. O tabagismo leva a internamentos hospitalares com frequência, sobretudo em enfermarias de cardiologia e pneumologia.
Até os mais inveterados fumadores param nessas ocasiões e param sem ajuda medicamentosa ou de substituição. Porque não continuam então na mesma após alta hospitalar? A dependência é elevada sobretudo na vertente psicológica já que a fisiológica me parece fácil de ultrapassar, contrariamente a outras dependências como a dos fármacos, álcool e droga.
Mesmo sem doença os grandes fumadores conseguem longos períodos sem fumar, as viagens intercontinentais de avião chegam a demorar mais de 12h sendo por isso um bom exemplo.
O exemplo do Pai deveria ser uma referência para qualquer filho.
Enfim, todas e mais algumas razões, todos e mais alguns motivos são bons pretextos para deixar de fumar.
O que conta é a força de vontade, a motivação, o querer.
Não concordo com atitudes antitabágicas primárias, como a intolerância, mas deve haver salas para não fumadores e no local de trabalho o não fumar deve ser respeitado.
Se fumar é um prazer, então esse acto deveria guardar-se para ocasiões especiais e não ser banalizado. O fumador a maior parte das vezes acende um cigarro não porque lhe apetece, mas porque o seu inconsciente lho dita.
Para o ex-fumador tudo se torna mais difícil. Deixou de fumar quando gostava e como tal não poderá pecar por mais uma única vez que seja, pelo motivo que seja e com o que quer que seja (cigarro, cigarrilha, charuto ou cachimbo) pois no fundo tudo voltará ao mesmo. A recaída está sempre à espreita e é muito mais forte que aquilo que se julga.
De uma coisa estou certo, o tratamento não passa pela redução, o corte tem que ser radical. 
Miguel Resende
Miguel Resende é médico
e assina esta coluna mensalmente
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