Director: João Ruivo    Publicação Mensal    Ano VII    Nº76    Junho 2004

Opinião

Ensaio (breve) sobre a estupidez

Você é um idiota, disse Bertolt Brecht.

1. O Repórter

O cenário não podia ser mais desolador. Depois de consumida pelo fogo, a barraca a que chamavam casa não era mais que um amontoado de pedras e tábuas cobertas por miseráveis utensílios carbonizados.

Ficou a saber-se que para além de doente e desempregado, o casal ali residente consumia álcool e, provavelmente, droga.

As crianças, seriam duas, três ou mesmo quatro, brincavam seminuas numa espécie de estrumeira junto dos escombros.

O Repórter quis que ficássemos a par das coisas mais importantes e por isso perguntou a uma das crianças, talvez a mais nova:

- O que sentes ao ver tudo isto que vos aconteceu?

A menina limpou o nariz à manga da camisola e fez um gesto enigmático com a cabeça. Então o Repórter concluiu;

- Ainda estão incrédulos. Não querem falar.


2. O Ministro

Verão de 2003 (a descalçar a bota)

O que posso garantir aos portugueses é que estas verdadeiras catástrofes que são os incêndios florestais, um pouco por todo o país, não terão lugar no próximo ano. Posso garanti-lo.

Finais de 2003 (a sacudir a água do capote)

Todas as forças (bombeiros, protecção civil, etc.) estão apetrechadas e treinadas para prevenir e combater a praga de incêndios que todos os anos consome as nossas florestas e deixa na miséria as famílias cujas habitações são devoradas pelas chamas.

Primavera de 2004 (a apalpar terreno)

Se em 2004 se verificarem incêndios florestais com a gravidade dos que ocorreram em 2003, não teremos capacidade para os enfrentar.

Pouco tempo após (voltando à superfície)

O que disse foi retirado do contexto. Não disse nada disso.

- Afinal o que é que ele disse?


3. O Político

www.falemcomele.gaita.

João de Sousa Teixeira

 

 

 

MEDICINA DAS LETRAS

Tentem, que não custa nada

Desde que escrevi a minha última crónica deixei de fumar. Atitude sensata dirão uns, mas como é que conseguiu, perguntarão outros.

Vou escrever sobre este tema, mas no meu caso ainda a procissão vai no adro, sendo que os foguetes não se podem nem devem deitar.

Existem várias maneiras que ajudam o fumador a parar o vício. Consultas especializadas com ajuda de pastilhas, discos, ansiolíticos, técnicas especiais de acupunctura, hipnose, etc. Poderíamos também utilizar o velho esquema da cassete. Primeiro ouvem-se os malefícios do tabagismo como as doenças cardiovasculares gravíssimas, o cancro pulmonar, a impotência etc., etc., depois e enquanto se fuma tem de se ouvir sons irritativos na esperança que este desconforto leve o fumador a abandonar o vício.

Outra boa razão é aliviar a carga para melhor poder pagar à Dra. Manuela Ferreira Leite no final do ano.

Motivos mais imperativos para a paragem são as doenças. O tabagismo leva a internamentos hospitalares com frequência, sobretudo em enfermarias de cardiologia e pneumologia.

Até os mais inveterados fumadores param nessas ocasiões e param sem ajuda medicamentosa ou de substituição. Porque não continuam então na mesma após alta hospitalar? A dependência é elevada sobretudo na vertente psicológica já que a fisiológica me parece fácil de ultrapassar, contrariamente a outras dependências como a dos fármacos, álcool e droga.

Mesmo sem doença os grandes fumadores conseguem longos períodos sem fumar, as viagens intercontinentais de avião chegam a demorar mais de 12h sendo por isso um bom exemplo.

O exemplo do Pai deveria ser uma referência para qualquer filho.

Enfim, todas e mais algumas razões, todos e mais alguns motivos são bons pretextos para deixar de fumar.

O que conta é a força de vontade, a motivação, o querer.

Não concordo com atitudes antitabágicas primárias, como a intolerância, mas deve haver salas para não fumadores e no local de trabalho o não fumar deve ser respeitado.

Se fumar é um prazer, então esse acto deveria guardar-se para ocasiões especiais e não ser banalizado. O fumador a maior parte das vezes acende um cigarro não porque lhe apetece, mas porque o seu inconsciente lho dita.

Para o ex-fumador tudo se torna mais difícil. Deixou de fumar quando gostava e como tal não poderá pecar por mais uma única vez que seja, pelo motivo que seja e com o que quer que seja (cigarro, cigarrilha, charuto ou cachimbo) pois no fundo tudo voltará ao mesmo. A recaída está sempre à espreita e é muito mais forte que aquilo que se julga.

De uma coisa estou certo, o tratamento não passa pela redução, o corte tem que ser radical.


Miguel Resende
Miguel Resende é médico
e assina esta coluna mensalmente

 


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