Director: João Ruivo    Publicação Mensal    Ano VII    Nº76    Junho 2004

Cultura

GENTE & LIVROS

Truman Capote

«Mas o ferro em brasa é horrível. Temos medo e suamos como tudo, mas não sabemos do que é que temos medo, a não ser que é uma coisa má que nos vai acontecer, mas não sabemos o que é. Nunca sentiste isso?

- Várias vezes. Há quem lhe chame ansiedade.

- (...) Descobri que o que me faz melhor é apanhar um táxi e ir ao Tiffany‘s. Fico logo mais calma com a serenidade e o ar digno que aquilo tem. Não há nada de realmente terrível que nos possa acontecer ali, com aqueles homens de fatos janotas, e o cheiro fantástico da prata e das carteiras de crocodilo. Se eu encontrasse um sítio da vida real que me fizesse sentir como o Tiffany‘s, não hesitava em comprar mobília e dar um nome ao gato».

In Boneca de Luxo


Truman Streckfus Persons nasceu em Nova Orleães a 30 de Setembro de 1924. Filho de um vendedor e de uma adolescente de 16 anos, quando os país se divorciam passa a viver com a mãe, adopta o sobrenome do padrasto, Joseph Garcia Capote - descendente de portugueses - passando a chamar-se Truman Capote.

Aos 17 anos desiste de estudar e arranja trabalho como office-boy na revista de arte The New Yorker.

As primeiras publicações de Truman, dois contos publicados nas revistas Mademoiselle e Harper‘s Bazaar tem data de 1945. O primeiro romance Outras Vozes, Outros Quartos (1948) - obra de carácter gótico, centrada numa relação homossexual - consegue um sucesso imediato, permitindo a Truman Capote trabalhar no cinema como argumentista.

The Muses Have Hard (1957), publicado como ensaio é no fundo um trabalho de reportagem inicialmente publicado no The New Yorker. The Muses Have Hard relata os dias na companhia da produção do famoso musical de George Gershwin, Porgy and Bess, até à União Soviética.

Breakfast at Tiffany‘s (1958) - Boneca de Luxo - vende mais do que alguma vez o autor poderia esperar. Três anos depois Breakfast at Tiffany‘s transformava-se no filme que haveria de imortalizar a actriz Audrey Hepburn e a banda sonora do filme. Afinal recordar Breakfast at Tiffany‘s é evocar a beleza de Audrey Hepburn, sentada na janela a tocar guitarra, a cantar a extraordinária canção de Henry Mancini, Moonriver. 

Quando Truman toma conhecimento de um crime ocorrido no estado do Kansas - uma família tinha sido brutalmente assassinada - partiu com a sua amiga e escritora Harper Lee para o Kansas. O crime tinha-lhe suscitado interesse e dessa pesquisa haveria de resultar o “romance sem ficção” - tal como Truman o baptizou, - A Sangue Frio (1966).

A Sangue Frio é considerado pela crítica o seu melhor romance seguindo-se A Harpa de Ervas (1951); Música para Camaleões (1980); Um Natal (1983); e Súplicas Atendidas, romance inacabado, publicado postumamente em 1986. 

Truman Capote, escritor excêntrico e homossexual assumido, frequentador do jet-set internacional e de círculos intelectuais americanos morreria, a 26 de Agosto e em Los Angeles, talvez vitimado por uma overdose.


Boneca de Luxo. Holly Golightly é durante uns tempos vizinha do narrador e dessa proximidade surge a sua “estória”. Jovem romântica e completamente avessa a qualquer convenção social vive de acordo com o momento e na companhia de um gato vermelho sem nome, - porque dar nome a algo é torná-lo um pouco nosso, e o animal não pertence a ninguém nem a nenhum lugar, tal como Holly também não pertence. Seguida de muito perto por uma corte de indivíduos “algo estranhos” Holly ocupa o seu tempo de festa em festa. E na ressaca da alegria, quando surge o “ferro em brasa na cabeça”, a tranquilidade dela parece só depender de um lugar como o Tiffany`s.

Eugénia Sousa
Florinda Baptista

 

 

 

Livros

EUROPA-AMÉRICA. A Ilíada de Homero. No século X a.C. Aqueus e Troianos preparam-se para um conflito bélico de dimensões nunca sentidas. Ao filho do rei de Tróia as deusas Hera, Atenas e Afrodite obrigaram a uma escolha: Poder, Glória ou Amor. Páris escolhe o amor de Helena e desse sentimento tão belo, por capricho de deuses resultava uma guerra ainda maior, a guerra de Tróia. Do conflito imortalizados são os nomes de Aquiles, Ulisses, Heitor e Agamémnon amados por alguns deuses e por isso heróis mas também odiados de outros deuses e por isso vítimas de infortúnio. «Na verdade, poucos livros terão dado uma imagem tão pungente da condição humana. mais do que uma luta entre Aqueus e Troianos, depara-se-nos aqui a luta desigual do Homem contra a morte e o destino, onde o único vislumbre de triunfo parece ser a glória que passa à posteridade». Cascais Franco

PIAGET. A Bíblia Devolvida à História de Jean Potin. É do autor, Jean Potin, a seguinte explicação: «A ideia deste livro surgiu ao se constatar o quanto era árduo, para quem nunca abriu a Bíblia, penetrar nesse monumento extraordinário, saborear-lhe o estilo e a poesia, compreender a sua arquitectura. É verdade que os livros que a compõem, na sua sucessão, nem sempre, pelo menos aparentemente, à lógica narrativa que se pode esperar, por exemplo, de um romance ou um ensaio. É certo que a Bíblia fascina porque ela é a referência religiosa da nossa cultura. E é igualmente a obra mais difundida do mundo, traduzida totalmente ou em parte em mais de um milhar de línguas. 

ASA. Carrossel e Outros Poemas de Rainer Maria Rilke, tem organização e tradução de Vasco Graça Moura e dez desenhos de Júlio Resende «Toda a beleza nos animais e nas plantas é uma forma silenciosa e permanente de amor e desejo e pode ver o animal como vê as plantas, unindo-se e multiplicando-se e crescendo pacientemente, docilmente, não do prazer físico, não do sofrimento físico, curvando-se às necessidades que são maiores do que o prazer e a dor e mais fortes do que o prazer e a resistência. (...) Por causa de um verso, tem de se conhecer os animais, tem de se sentir como os pássaros voam e de saber os gestos com que as pequenas flores se abrem pela manhã». - Rainer Maria Rilke.

 

 

 

BOCAS DO GALINHEIRO

A estratégia de um sonhador

Bernardo Bertolucci, trinta anos de “O Último Tango em Paris”, volta à cidade luz para nos dar um filme igualmente polémico e pelas mesmas razões: a carga erótica e uma mão cheia de cenas de sexo explícito que reavivaram os fantasmas de 1973, ano do filme com Brando. De certo ainda está na memória de muitos as excursões ao S. Jorge, em Lisboa, depois do 25 de Abril de 1974, derrubadas que estavam as amarras da censura, para ver o filme que valera ao realizador, na sua pátria, ser-lhe retirado o direito de voto e os tribunais proibirem a exibição do filme por blasfémia e indecência. Parece que, volvidos todos estes anos, o mundo está muito longe da liberdade que se viveu nos anos 60 e 70 do século passado, e os caducos códigos morais que então se queriam destruir estão de volta, principalmente pela mão desses campeões da hipocrisia, os republicanos dos EUA, seguramente os novos inquisidores e campeões de todos os Index deste novo século, pois a recepção a “Os Sonhadores” (The Dreamers), parece o remake de um velho pesadelo americano.

Mas, para além desta faceta, este último filme de Bertolucci é acima de tudo uma grande e bela homenagem ao cinema, melhor, aos cinéfilos, com o Maio de 68 como pano de fundo. Convém lembrar que o Maio de 68, uma quase revolução, pelo menos culturalmente revelou-se como tal, começou com as manifestações de repúdio de um grupo de cineastas pela decisão do então ministro da Cultura de França, André Malraux, de demitir o director da Cinemateca Francesa, Henri Langlois. É naquele imprevisto banquete de liberdade às portas da Cinemateca que dois gémeos, Theo e Isabelle, conhecem Matthew, um jovem americano a estudar em Paris, fascinado, tal como os irmãos, pelo cinema de Godard, de Lang ou de Nicholas Ray. O resto é uma aventura clautrofóbica no apartamento em que os franceses vivem com os pais, numa sequência vertiginosa de amor, sexo e transgressão, sempre com o cinema como farol que ilumina as suas vidas, vidas que misturam perigosamente a ficção com a realidade. No fim os irmãos correm para as ruas de 68, o americano não.

Nascido em Parma a 16 de Março de 1941, Bernardo Bertolucci iniciou-se no cinema como assistente de realização de Pasolini em “Accatone”, de 1961. Pertence àquele grupo de cineastas transalpinos que mais cedo assumiram que o neo-realismo já fora e que buscaram inspiração na História e na representação de grupos sociais. É assim em “A Estratégia da Aranha” (Atrategie Del Ragno), de 1969, baseado num conto de Jorge Luís Borges, “Tema del traidor e del héroe”, ou seja, sobre a verdade e a mentira, no filme sobre um herói da Resistência anti-fascista que só o foi quando sucumbiu num atentado; em “O Conformista” (Il Conformista), de 1970, sobre o fascismo italiano; em “Novecento/1900” (1976), em que a luta de classes entre grandes proprietários e camponeses, historicamente imutável, também o é porque os homens que a protagonizam, apesar das diferenças sociais que os separam, são, acima de tudo, homens. De Bertolucci ainda há que recordar filmes como “Tragédia de um Homem Ridículo” (1981), uma visão da sociedade italiana sob os efeitos do terrorismo que a perpassou nos anos 70 e 80, aqui num rapto simulado, ou, simplificando, mais uma vez o engano; “Partner” (1968), em que a influência de Godard é notória, e os mais recentes de “O Último Imperador” uma fábula sobre o poder, servida por um ambiente de fausto e de esplendor, a “Um Chá no Deserto” (1990), baseado num romance de Paul Bowles, sobre a viagem de um casal de escritores e um amigo pelo deserto, a tal imensidão propícia a todas as aventuras e descobertas, passando por “La Luna”, outro relacionamento pouco ortodoxo, aqui entre mãe e filho, outra vez as aparências e a realidade, e “O Último Tango em Paris”, em que a intensidade dramática é obnubilada pela tal carga erótica que referimos e recordado, com pena, diga-se, pelo uso dado à vulgar manteiga de cozinha por Marlon Brando, um (outro) americano em Paris, com vontade de esquecer o suicídio da mulher e que encontra, num apartamento que ambos queriam arrendar, Maria Schneider, uma jovem de espírito aberto que aceita uma relação sem compromisso.

São justamente “O Último Tango em Paris” e “Os Sonhadores” que poderemos ver nos próximos dias 7 e 14 de Julho no Cine-Teatro Avenida, num ciclo dedicado a Bernardo Bertolucci e levado a cabo pelo CineCidade. Dois marcos, o mais recente e o mais badalado, de um realizador que vem marcando de forma indelével o cinema europeu das últimas décadas. A não perder!

Luís Dinis da Rosa

 

 

EDUCAÇÃO ÁS TIRAS

Desenho: Bruno Janeca
Argumento: Dinis Gardete

 


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