Futebol: que remédio

Assistimos em directo e ao vivo ao milagre mais habilmente concebido depois da multiplicação dos pães. Isto de ser bom
de bola onde normalmente não se é bom da bola tem lá que se lhe diga.
É verdade que a fórmula, então com três efes, teve sucesso durante décadas, mas como agora, de forma tão abrangente, até fica mal criticar.
Só com uma grande e fértil imaginação, talvez divina, com o respectivo acto de contrição perante os antecessores que acusou de
despessismo em estádios desproporcionados e dispensáveis, o seleccionador nacional, Durão Barroso, terá previsto o sucesso português no Euro 2004. Só desta forma se pode explicar como é que um povo tão sofrido seja capaz de rir e gritar vivas ao país, gastar combustível em intermináveis manifestações de rua e rejubilar com salários cada vez mais minguados e com o desemprego no horizonte, para dar apenas duas achegas. Porém, mesmo considerando esta magnífica mezinha, não recusou o convite para a selecção europeia ou, ponderando-a de outra forma, terá decidido assim para bem do país do futebol.
Outras conjecturas, vulgarmente conhecidas por especulações, deixam imaginar que outros coelhos poderão cair com esta cajadada, isto é, queimado Santana Lopes, fica o terreno livre para o homem de Boliqueime se candidatar à presidência da Federação, mas isso é outro campeonato.
Por outro lado, estamos rendidos ao Primeiro Ministro, Scolari, que nos manda agitar bandeiras e a gente agita; que nos manda vestir de vermelho e verde e a gente veste; que nos manda rezar, gritar, cantar e a gente faz isso tudo em nome de Portugal. A recessão é qualquer coisa de papel. Nada que o hino bem berrado não cure.
Entramos assim no tempo de todos os absurdos, de todos os males que vêm por bem, de todas as mentiras e panaceias, de todos os santos e santas, mesmo que sejam de
Caravaggio.
Toda esta euforia poderá ser causadora de confusão, troca acidental de nomes e situações, mas tal não é ainda evidente, podendo mesmo existir quem pense que afinal ganhámos. Daqui por algum tempo eu próprio farei a revisão desta crónica, serenamente, para catar os erros que neste momento não são visíveis.

João de Sousa Teixeira
MEDICINA DAS LETRAS
Tristes ou alegres?

Tristes por termos ficado pelo caminho, morrendo já na praia... ou alegres por termos feito um campeonato a todos os títulos irrepreensível quer na organização, quer no plano desportivo.
O entusiasmo e a alegria vividas, que eu me lembre, ainda não tinha visto em Portugal.
Um miúdo chamado Eusébio saiu a chorar de um Campeonato do Mundo onde ficamos em 3º lugar, 38 anos passados, outro miúdo o Cristiano Ronaldo saiu de uma final onde ficamos em 2º lugar também em pranto, e foram provavelmente estes os dois acontecimentos que até hoje mais nos uniram e alegraram. Talvez por isso, que se costuma dizer “A alegria e a tristeza andam de mãos dadas” e “chorei de tanto rir”.
Não quero pois, hoje ser crítico (apesar de vontade não me faltar) e vou tecer alguns comentários sobre aquilo que gostei de ver neste Campeonato da Europa de Futebol.
Patriotismo. Algo nunca visto! Desde as bandeiras, às vestes e às pinturas. A nossa auto estima aumentou, cá dentro e lá fora.
Os jogadores “ídolos e intocáveis” passaram a ser como os restantes jogadores da selecção.
Durante o campeonato o “clubismo egoísta” mostrou-se envergonhado.
A capacidade do nosso Povo para, da mesma forma que soube ganhar, mostrar dignidade quando perdeu.
A vitória da cordialidade e hospitalidade sobre o holiganismo.
Quatro jogadores nacionais fazem parte do plantel ideal deste Campeonato, elegidos pela UEFA.
No final somos Vice Campeões Europeus e é isso que fica para a História.
Um último pensamento.
Porque será que os Portugueses ainda não tiraram as bandeiras das varandas de suas casas?!. 
Miguel Resende
Miguel Resende é médico
e assina esta coluna mensalmente
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