Director: João Ruivo    Publicação Mensal    Ano VII    Nº77    Julho 2004

Entrevista

XUTOS & PONTAPÉS EM ENTREVISTA

Comendadores do rock português

A digressão que assinala os 25 anos de carreira da banda mais emblemática do rock nacional passa em Idanha-a-Nova e por outros locais da área de influência do Ensino Magazine. Em entrevista ao nosso jornal, o guitarrista dos Xutos & Pontapés, Zé Pedro, aponta a proximidade do grupo com o povo como factor-chave para o sucesso, elogia a saúde da música portuguesa, teme a proliferação da pirataria na Internet e enaltece a «coragem» do Presidente da República na distinção atribuída no «10 de Junho».

São uma banda ímpar no panorama musical português, tendo completado recentemente 25 anos de carreira. Qual é o segredo para esta longevidade?

ZÉ PEDRO - Somos a banda mais antiga em termos de formação de base, apesar de os UHF terem «nascido» antes de nós. Penso que o segredo da nossa união reside na cumplicidade e na química que nos juntou quando não nos conhecíamos de lado nenhum e que nos tem acompanhado, a mim, ao Kalú e ao Tim, ao longo dos anos - depois entraram o João Cabeleira e o Guy.

Dezassete álbuns depois os Xutos continuam a manter um nível musical muito uniforme, contrariando a tendência de outras bandas. Essa coerência explica-se pelo tipo de música que tocam?

Creio que sim. Somos assumidamente uma banda de rock and roll e temos procurado actualizar ao longo dos tempos o nosso registo. Sofremos a influência de vários estilos (o «punk» e o «grunge», nomeadamente) e de várias bandas estrangeiras, que fomos adaptando aos Xutos. O facto de sermos tão activos e participativos na fase da construção das músicas é outro dos factores determinantes para o nosso êxito. 

Pode falar-se num estilo Xutos & Pontapés?

Temos uma maneira de tocar «à Xutos». Diz-se frequemente que determinada música «é um bocado à Xutos». Ter um som característico é uma ambição que qualquer banda gosta.

Os elementos dos Xutos nunca tiveram a tentação de se lançarem numa carreira a solo?

O Tim fez um álbum a solo e participou noutros projectos, como é o caso da Resistência e do Rio Grande. Eu colaborei com o Jorge Palma e actualmente estou com o Tiger Man. No início da década de 90 a banda esteve praticamente suspensa - não nos vimos cerca de seis meses, em consequência de saturação e zangas - e suponho que cada um de nós pensava que os Xutos tinham acabado. Mas voltámo-nos a reunir e, a partir de então, sempre em crescendo. Por isso não encontramos motivos para parar a nossa actividade enquanto banda.

O vosso público é algo heterogéneo. Desde adolescentes de tenra idade a pais de família, há de tudo nas plateias que assistem aos vossos concertos. Como é que analisam este fenómeno?

É gratificante e um orgulho. Continua a haver muita gente que vem ter connosco para dizer que o primeiro espectáculo que viu na vida foi dos Xutos & Pontapés.

Um cronista do «Público» chamava aos Xutos a «Banda do Povo». Revê-se nesta definição?

Revejo-me. Os Xutos são do povo e é esse povo quem dá vida às canções e se identifica com elas. Temos uma linguagem muito próxima das pessoas. É fácil trautearem em situações do seu dia a dia refrões ou frases que associam à nossa banda: «Ai a minha vida!», «A casinha», etc. 

No 10 de Junho foram distinguidos em Bragança com o grau de Comendador da Ordem do Mérito pelo Presidente da República. Não é inédito em músicos, mas é inédito em bandas rock. O que é que significou para os Xutos?

Para nós foi um acto de coragem do Presidente da República. Tendo em conta o panorama sombrio e de hipocrisia que caracteriza a maioria da classe política portuguesa, Jorge Sampaio é uma imensa luz e neste caso teve abertura e visão para decidir uma atribuição deste nível. No âmbito do rock, seria politicamente mais correcto condecorar o Rui Veloso do que os Xutos. O Presidente achou que estávamos mais ligados, não só as novas tendências musicais, como à cultura nacional, e interpretou esta distinção como um louvor à nossa carreira e um incentivo para os mais jovens que produzem cultura.

Pensa que esta distinção confere uma maior respeitabilidade à música portuguesa?

O título que nos foi atribuído é um louvor para a música moderna portuguesa. Mas isso não muda a nossa maneira de ser, nem a forma como nos relacionamos com as outras bandas. Não é uma medalha ou o título de comendador que me vai mudar o comportamento ou me fazer sentir mais importante. Faço votos é para que os responsáveis de diversos sectores acabem de vez com os compadrios que fazem com que a cultura seja apenas para uma elite.

Qual é o estado de saúde da música português?

É óptimo. As bandas estão a trabalhar muito bem. Este ano tem trazido boas notícias: o álbum dos Da Weasel, os vinte anos dos Mão Morta e dos Rádio Macau, os dez anos dos Blind Zero, etc. O respeito pelas bandas nacionais está a aumentar, aliás veja-se a forma como os Clã foram recebidos no festival Super Bock. A matéria-prima é das melhores, falta talvez algum impulso institucional para todo este talento, principalmente por parte de quem tem o poder de investir. Continuam a faltar salas de espectáculos e existem apenas cinco editoras multinacionais.

Rui Veloso, Mariza, Rodrigo Leão e também os Xutos, foram os últimos artistas portugueses a atingirem o número 1 do top nacional. São indicadores de vitalidade?

Signfica que se continua a fazer boa música em Portugal e que se acentua uma crescente apetência do público para consumir produtos nacionais. 

A musica indígena ainda continua deficitária nas rádio e nas televisões? Defende o sistema de quotas?

Sou contra a exigência de quotas nas rádios. Era preferível atribuir incentivos às editoras ou então obrigá-las a produzirem mais música nacional. Talvez fosse importante diminuir o preço dos discos e a carga fiscal que lhes está associada, o que contribui para desmobilizar os potenciais compradores. A música faz-se de sensibilidades e, como tal, se a música for bem feita, quem está à frente das rádios passará a divulgá-la. Quer-me parecer que os estudos divulgados sobre a percentagem de música portuguesa que é passada aborda na maioria dos casos rádios nacionais e não vão muito às locais, onde creio que existem responsáveis atentos e interessados em divulgar bandas portuguesas.

As editoras queixam-se que a pirataria na Internet está a «matar» o sector. Que efeito tem tido na venda dos vossos discos?

Apesar de termos um acesso muito restrito para copiar o nosso disco na net, posso dizer só na semana passada registámos 57 mil tentativas sem êxito de extrair «O mundo ao contrário» da Internet. É impossível quantificar quantos discos teríamos vendidos se não fosse a pirataria — até ao momento vendemos pouco mais de 12 mil cópias. 

Vou colocar-lhe uma queixa de um fã vosso. Porque é que o último disco dos Xutos só tem a duração de 37 minutos?

Trabalhámos em 30 músicas e acabámos por escolher um terço. Sou coleccionador de discos e considero que no tempo em que vivemos é contraproducente introduzir mais de dez faixas. Quanto menor for o disco, mais impacto se ganha. Sou defensor que não se aponte a duração de um disco, mas sim se as canções ficam bem ou não. «Encher» um disco só para «encher», creio que é negativo para a parte criativa. Neste álbum as dez canções perduram e creio que é agradável de ouvir do princípio ao fim.

Que alinhamento vão escolher para o concerto em Idanha-a-Nova?

O concerto será uma junção do último trabalho, em que tocaremos no máximo cinco músicas, com os clássicos da banda, para assinalar os 25 anos dos Xutos, desde o «Maria», os «Contentores», passando pela «Casinha» e muitos outros.

Nuno Dias da Silva (texto)
Susana Teixeira (foto)


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