LUÍS REPRESAS LANÇA
"FORA DE MÃO"
Os tempos são de
inversão de valores

Com um novo trabalho, Luís Represas conseguiu que “Fora de Mão”, o seu trabalho mais recente, chegasse a Disco de Ouro em poucas semanas. Em entrevista exclusiva ao «Ensino Magazine», o cantor, músico e compositor explicou os porquês das participações do cubano Miguel Nuñez e da Orquestra Sinfónica da República Checa. As presenças de Susana Félix, João Pedro Pais e outros nomes consagrados nos coros é uma experiência pioneira em Portugal que Luís Represas justificou pela simplicidade de como todos vêem a música. Quanto à ascensão meteórica das jovens estrelas dos concursos televisivos de talentos musicais, afirmou ser consequência da inversão de valores da sociedade actual. Em todos os domínios que não só na música, como observou.
“Fora de Mão” marca o regresso da colaboração de Miguel Nuñez nos seus trabalhos. Porque sentiu essa necessidade?
Na minha carreira, nunca fui em busca de formas ou de formatos. Procurei sempre sobretudo o entendimento entre músicos, digamos o sangue ou o tipo de abordagem de como encaram os meus temas. Encontrei em Miguel Nuñez essa afinidade que fomos desenvolvendo ao longo dos anos. «Fora de Mão» marca 10 anos do meu primeiro disco a solo e também da primeira vez em que trabalhámos juntos. A nossa relação foi se estreitando ao longo dos anos. Fomos aprendendo mais um com o outro, enquanto cada um trabalhava com outros músicos e trilhava os seus próprios caminhos. É todo um manancial de experiências que faz com que cada vez que nos reencontremos haja novidades.
De parte a parte e do resultado final…?
Sim. Sem dúvida. É fundamentalmente isso que procuro alcançar no nosso trabalho comum. É sempre um grande prazer.
Neste trabalho, participam nos coros artistas consagrados da música portuguesa como Viviane, Susana Félix, João Pedro Pais, Lúcia Moniz e Miguel Gameiro. Qual o objectivo de tais parcerias?
No fundo, trata-se de encarar a música como algo simples e despreconceituosa. Há muitos anos, lembro-me de ter lido na ficha técnica de um disco, em letras pequenas, nos coros nomes como James Taylor e Neil Young, entre outros. Músicos com uma personalidade própria, por demais reconhecidos por si e que podiam, pois, apresentar-se ao público sob diferentes formas. Concluí daí que a música é algo de tão simples e sem preconceitos que o facto de participarmos em trabalhos de colegas nossos só enriquece as relações e faz com que os discos tomem uma outra dimensão, afinal, a real. É um hábito que não existe ainda em Portugal. Aliás, nunca no nosso país tal tinha sucedido.
“Fora de Mão” é, a este nível, um trabalho pioneiro…
De facto, não conheço outro caso em Portugal. Mas, repare que não são participações especiais ou algo do género. Deriva da simplicidade com que todos nós encaramos os trabalhos uns dos outros. E se algum deles pretender que eu participe nas suas obras estarei completamente disponível.
Porquê a participação da Orquestra Sinfónica da República Checa neste disco?
Já tinha trabalhado com essa orquestra no anterior trabalho - “Reserva Especial”. Foi uma experiência fantástica; tendo-se estabelecido um óptimo relacionamento e as portas abriram-se a uma futura nova colaboração, o que aconteceu agora. Concluímos que estávamos mesmo interessados em introduzir as cordas e uma orquestra a sério e não de plástico. Apresentei a ideia ao Miguel Nuñez que já tinha ouvido o «Reserva Especial».
O resultado alcançado agrada-me bastante. A Orquestra Sinfónica da República Checa é de renome e possui grandes músicos e elevados recursos artísticos. Por outro lado, está muito habituada a trabalhar em terrenos que não são os típicos de uma orquestra sinfónica. É muito eclética.
Para além disso, o Miguel Nuñez escreve muito bem para orquestra e quando os temas são bem escritos e bem tocados, o resultado é naturalmente bom.
“Fora de Mão” foca muito as recordações e as experiências mais recuadas no tempo?
É claro que o lado das recordações teve de estar presente. Mas, mal de quem escreve os temas se eles fossem todos necessariamente auto-biográficos! No entanto, quem cria através da escrita ou da pintura, por exemplo, ao expressar emoções, retira-as de um caldeirão, de uma enorme esponja que vai enchendo ao longo da vida e que se espreme. O artista coloca-se num ponto de observação privilegiado, observa o que se passa à sua volta absorvendo-o ou não. Depende, depois, do estímulo aquilo que fica quando se espreme essa esponja, seleccionando-se aquilo que vem para fora. As memórias privadas ou colectivas são grande parte do meu material de base de trabalho mas que, com frequência, não são conscientes.
Não as considero intuitivas, tão só que não são referenciáveis, ou seja, não têm de corresponder necessariamente a uma situação que vi ou senti. É um conjunto de elementos.
«Fora de Mão» chegou, em escassas semanas, a disco de ouro. Tem perspectivas ainda mais vastas, em termos de vendas?
Não vou negar que espero que venda o mais possível. Quando fazemos um disco ou escrevemos um livro, por exemplo, queremos que o trabalho chegue ao maior número possível de pessoas. Quando se chega a um público vasto num determinado disco, o artista fica mais exposto na continuidade desse trabalho em outros posteriores. É importante que tal cadeia vá perdurando pelos anos fora.
O Luís Represas está a conseguir chegar a públicos de várias faixas etárias como, aliás, conseguiram os Trovante?
Penso que sim. Isso é inevitável quando se anda a tocar há já mais de 20 anos e, de alguma forma, acompanhámos as vidas de quem nos ouve. Dos antigos jovens que assistiam aos meus espectáculos no começo da carreira, vejo hoje não apenas eles como também os seus filhos e netos, nalguns casos. É uma situação que tenho reparado muitas vezes nos concertos. Quando a carreira é já longa, acaba por ser inevitável.
É difícil um artista em Portugal manter uma carreira longa?
Não creio que seja fácil em nenhum país e actualmente ainda é mais difícil do que outrora. Em termos genéricos, a indústria discográfica é muito voraz e pretende ganhar cada vez mais fazendo menos, investindo de forma mais reduzida em carreiras.
A aposta incide crescentemente em produtos rapidamente vendáveis.
Artistas nacionais de renome começam-se a queixar que a meteórica projecção de jovens valores em programas televisivos como Operação Triunfo e Academia das Estrelas está a reduzir o espaço desses músicos consagrados. É um perigo dos tempos que vivemos?
É uma situação que, de facto, acontece. Mas, não apenas em Portugal. Idêntico fenómeno ocorreu em Espanha, onde foi verdadeiramente dramático e revolucionou o mercado dos artistas que viviam da música há já muitos anos. Os tempos actuais são de inversão de valores a nível geral e não apenas na música.
Esta tem uma função lúdica que não podemos nunca descurar. Mas, se com essa exposição a um grande público pudermos partilhar ideias e mostrarmos conceitos e experiências, convém fazê-lo.
As rádios e as televisões acabam, normalmente, por divulgar uma ou duas músicas de um trabalho de um artista, esquecendo os outros temas. O mesmo acontece com “Fora de Mão”. É inevitável?
Acontece, de facto, com muitos artistas. Mas, é sempre importante termos um disco do qual podemos retirar muitos temas para os espectáculos. Mas, se os meios de comunicação só insistirem em uma ou duas músicas, isso ajuda a divulgar o conjunto do disco.
É manifesta a sua preocupação com questões sociais, daí a sua participação na Festa Nacional de Homenagem aos Bombeiros, no Natal dos Hospitais, a recente festa de Natal para as crianças promovida pela Fundação Gil e o apoio dado ao projecto da Associação «Ajuda de Berço». Porquê essa
involvência?
A sociedade civil tem de responder a um conjunto de causas em torno das quais se deve mobilizar. Tem de ter respostas em relação a apelos e a necessidades e Portugal é um país que, infelizmente, têm-nas em abundância. Onde o Estado não actua a cumprir o seu papel, a sociedade civil tem de, não diria substituir-se, mas servir. Nós, os artistas, temos uma grande exposição pública e certamente podemos ter uma acção de algum modo liderante a tal nível. É importante despertar nas pessoas a consciência de que não estão sozinhas e de que o sistema social só funciona se conseguirmos interagir todos uns com os outros de forma correcta. Seria um desperdício os músicos não utilizarem o tempo de antena de que dispõem neste sentido.
Essa consciencialização social é hoje maior?
Em momentos de crise ou de dificuldades acrescidas, as pessoas ficam mais despertas mas, por outro lado, também têm de realizar um esforço muito maior para responderem a apelos de solidariedade. A sociedade portuguesa conseguiu, apesar de tudo, dar grandes passos nos últimos anos, nesta vertente.
Dos espectáculos previstos, há algum de maior destaque?
Neste momento, estamos a montar toda a parte logística de um concerto em Havana, Cuba. O espectáculo que realizámos lá no ano passado correu muito bem e desta vez queremos um mais alargado. A época que atravessamos é tradicionalmente de preparação de espectáculos, para um “arranque” mais em força a partir de Março. Vamos divulgar o mais possível o “Fora de Mão”, dentro de um timing de trabalho normal. Continuo, felizmente, a poder cumprir os meus próprios timings de criatividade, preparação e elaboração de novos discos.

Jorge Azevedo
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