GENTE & LIVROS
Pablo Neruda

«Também este crepúsculo nós
perdemos./ Ninguém nos viu hoje à tarde de mãos dadas enquanto a noite azul caía sobre o mundo./ Olhei da minha
janela/ a festa do poente nas encostas ao longe./ Às vezes como uma
moeda/ acendia-se um pedaço de sol das minhas mãos./ Eu recordava-te com a alma
apertada/ por essa tristeza que tu me conheces./ Onde estavas então?/ Entre que
gente?/ Dizendo que palavras?/ Porque vem até mim todo o amor de repente/ quando me sinto triste, e te sinto tão
longe?/ Caiu o livro em que sempre pegamos ao crepúsculo,/ e como um cão ferido rodou a minha capa aos pés./
Sempre, sempre te afastas pela tarde/ para onde o crepúsculo corre apagando estátuas».
In Vinte Poemas de Amor
e Uma Canção Desesperada
Pablo Neruda
Neftalí Ricardo Reyes Basoalto nasceu a 12 de Julho de 1904 no Parral, Chile.
Filho de um modesto ferroviário e órfão de mãe aos 3 anos, com 17 anos ruma a Santiago a fim de prosseguir os estudos de francês. Aí publica o seu primeiro livro, Crepusculário (1921), assinado Pablo Neruda - a escolha do pseudónimo prende-se com uma homenagem ao poeta checo, Jan
Neruda.
A par de um destino literário Pablo Neruda teve sempre uma carreira diplomática. Em 1924 publica Vinte Poemas de Amor e uma Canção Desesperada , o seu livro mais conhecido e amado; e três anos depois parte para a Birmânia, seguindo-se Ceilão, Java e Singapura onde ocupa o cargo de Cônsul. Regressa cinco anos depois ao Chile onde escreve Residência na Terra (1933).
Ocupa em 1934 o cargo de cônsul em Barcelona e em 1935 é transferido para Madrid. Um ano depois começava a Guerra Civil Espanhola e o poeta vai para Paris onde escreve Espanha no Coração (1937) - como mote, a guerra em Espanha e a morte do poeta Lorca. Em 1940 é nomeado cônsul geral no México onde permanece até 1943.
De regressos e partidas parece ser também feita a vida do poeta. De volta ao seu país, recebe em 1945 o Prémio Nacional de Literatura; mas pouco tempo depois tem de abandonar novamente o Chile. Pablo Neruda participava activamente na vida política do país e o Partido Comunista, ao qual pertence, foi declarado ilegal. No México publica Canto Geral (1950) passando depois por França e Itália antes de regressar ao Chile em 52. Publica Cem Sonetos de Amor (1959) Memorial da Isla Negra (1964) e A Espada Incendiada (1970).
Em 1970 Neruda é designado pelo Partido Comunista para candidato à presidência da República mas renuncia a favor de Salvador Allende, fazendo campanha por este. Allende ganha as eleições e Neruda é nomeado embaixador do Chile em França. O merecido Nobel da Literatura chega às mãos do poeta em 1971.
Em 1973 as más notícias abatiam-se sobre o Chile. A 11 de Setembro um golpe de estado derrubava o governo da Unidade Popular e o presidente Allende suicida-se na casa de La Moneda. Pinochet ocupa o poder e começa uma das ditaduras mais sangrentas do continente americano. Alguns dias depois, no dia 23 de Setembro, morria Pablo Neruda em Salvador do Chile. Encontrava-se na companhia da sua terceira mulher, Matilde Urrutia e foi enterrado na proximidade da sua casa, na Isla Negra, ao sul do Chile. Em 1924 é publicada a sua autobiografia póstuma Confesso que Vivi.
Eugénia Sousa
Florinda Baptista
Livros
EUROPA-AMÉRICA. “Os Cavaleiros” - Esplendor e Crepúsculo de Emmanuel
Bourassin. Quantos de nós, na nossa adolescência, nos sentimos inspirados pelo romantismo das histórias de cavalaria? Não tanto como D. Quixote, mas ainda assim inspirados. Contudo, os cavaleiros são também parte de outra a história, a história real da Europa. Com o seu esplendor nos séculos XII e XIII os cavaleiros lutaram em nome de Deus, da Pátria, da Honra, de um Ideal. Agora, a sua gesta será lembrada em belas páginas, como as deste livro.
PIAGET. “Histórias Portuguesas e Brasileiras para as Crianças” de Fernando Vale e Walcyr Monteiro. Porque o público mais exigente são as crianças e a Piaget sabe corresponder muito bem a este critério de excelência, eis o livro. Seis histórias tradicionais portuguesas, com heróis e vilões, reis, adivinhos, gente honesta e ladrões envolvidas nas mais diversas aventuras; seis histórias brasileiras a falar de lendas mitos e contos populares Amazónia; tudo somado, uma dúzia para sonhar.
GRADIVA. Uma Fase Desconhecida - Poemas e Prosas, de António José Saraiva.
A produção literária de António José Saraiva, com destaque para a sua poesia, são reveladoras de uma faceta mais intimista. Acima de tudo, Uma Fase Desconhecida apresenta-nos o homem, que deixou a sua marca no pensamento e na cultura, do século XX português.
PRÉMIO APE. “Civilização. Micro-pontos.”, de F.A. Pamplona ganhou o Prémio Revelação 2002, da Associação Portuguesa de Escritores, na categoria de Ficção.
Na categoria Literatura para a Infância e a Juventude, o Prémio foi atribuído a “A Revolta das Frases”, de Maria Almira Soares e “As Aventuras de Vicente Feijão”, de Paulo Castro de Oliveira.
O júri, constituído por Mário Cláudio, Silvina Rodrigues Lopes, Teolinda Gersão e José Correia Tavares, que também presidiu, foi unânime na distinção dos originais.
BOCAS DO GALINHEIRO
Playtime de Tati em
cópia nova

Na era das ‘Economic Air Lines’, turistas americanas efectuam uma viagem organizada. O programa é composto pela visita a uma capital por dia. Quando chegam a Paris, apercebem-se que o aeroporto é exactamente igual àquele de onde partiram de Roma, que as ruas são como as de Hamburgo e que os candeeiros de rua se parecem estranhamente aos de Nova Iorque. Apesar de o cenário ser sempre igual, elas evoluem num cenário internacional. Pouco a pouco encontram franceses. Cria-se um pequeno calor humano, que lhes permite estar 24 horas com parisienses, entre os quais, o Sr.
Hulot.
Será esta a sinopse simplista de um dos mais visionários e arriscados filmes da história do cinema: “Playtime”, escrito e realizado por Jacques Tati, um cineasta de poucos filmes, como tantos outros não reconhecido em vida, que morreu em 1982, aos 74 anos, fiel à sua obra e ao seu estilo, de uma estética impar.
Para fazer Playtime Tati inventou o cenário que não existia. Tativille foi pensada por Jacques Tati e desenhada por Eugène Roman. Era uma cidade de cinema, criada para o filme. Tinha edifícios de aço, ferro e vidro, ruas, escritórios, aeroportos, escadas rolantes, tudo num estúdio revolucionário com 15000 m2. Numa entrevista o cineasta lamentava-se:
”Escolhi edifícios bonitos, com fachadas modernas, mas de qualidade, porque o meu trabalho não é fazer crítica de arquitectura moderna. Era possível deslocar cada edifício, o que era prático. Quis que ficasse para os jovens cineastas, mas foi arrasado. Não ficou nada”.
“O filme esteve para se chamar o “tempo do lazer”, mas preferi chamar-lhe ‘Playtime’. Nesta vida moderna parisiense, é muito chique utilizar palavras em inglês para vender uma determinada mercadoria: estacionamos em “parkings”, as donas de casa fazem compras nos “supermarkets”, há um “drugstore”, a noite num “night-club”, vendem-se bebidas “on the rock”, comem-se “snacks” e quando estamos apressados é preciso ser “quick”. Não encontrei um título em francês”, referiu Tati. Elucidativo, quando se sabe que depois de fazer este filme, que foi um desastre de bilheteira, teve de vender tudo, incluindo os direitos dos seus filmes. Pouco antes da sua morte o então ministro da Cultura, Jack Lang, propusera-se financiar o seu próximo filme. Já não foi a tempo.
Jacques Tati, ou melhor Jacques Tatischeff, já que era de ascendência russa, nasceu no Pecq, nos arredores de Paris, filho de um fabricante de caixilhos. Grande desportista, é no entanto como mimo que ganha fama entre os seus companheiros da equipa de rugby. O sucesso que obtém junto deles encoraja-o a apresentar um número cómico de pantomima desportiva. Estávamos nos anos 30. Depois de várias tentativas, a sua grande oportunidade surgiu com a gala organizada em 1934 para festejar o baptismo do paquete “Normandie”. Maurice Chevalier e Mistinguett figuram no cartaz, mas nessa noite foi o Sr. Hulot a vedeta. Colette escreve: “Penso que nenhuma festa, nenhum espectáculo de arte e acrobacia, podem passar sem este extraordinário artista”. Europa e América são da mesma opinião e aclamam-no. Tati sonha com o cinema. Os burlescos americanos, W.C.Fields e, em especial Buster Keaton, fascinam-no. Realiza com o seu amigo – o palhaço Rhum – “Oscar, champion de tennis” (1932), depois “On demande une brute” (1934) e “Gai dimanche” (1935). Em 1936, faz a sua quarta experiência com um principiante de nome René Clément: “Soigne ton
gauche”.
Acabada a guerra, Tati volta a contactar os estúdios e participa em “Sylvie et le fantôme” e “Le Diable au Corps”. Finalmente, realiza uma fita de 400 metros – “L’École des Facteurs”. Em 1947, inicia “Há Festa na Aldeia”. Acabado o filme, durante um ano a sua exibição é recusada. Mas a Bienal de Veneza atribui-lhe o Prémio de Melhor Realização em 1949 e obtém o Grande Prémio do Cinema Francês em 1950. Em 1951, Tati roda “As Férias do Sr.Hulot” na praia de Saint-Marc, na Bretanha, sem recorrer uma vez mais a artistas conhecidos. E o Sr.Hulot é recebido com entusiasmo pelo público e pela crítica. Prémio Louis Delluc em 1953, Grande Prémio da Crítica Internacional no Festival de Cannes de 53 e numerosos galardões no estrangeiro. Em 1956, apesar de ofertas do estrangeiro, Hollywood incluída, Jacques Tati,senhor da sua liberdade artística recusa e inicia a realização de “O Meu Tio”, mantendo a mesma fórmula de rodagem. O filme é apresentado em estreia mundial a 9 de Maio de 1958 no XI Festival de Cannes que lhe atribui o Prémio Especial do Júri. “O Meu Tio” acumula prémios nos quais o cobiçado Óscar de Melhor Filme Estrangeiro do ano de 1959.
É neste clima em alta que faz este “Playtime” que a Atalanta apresenta agora em cópia nova e versão restaurada. Um filme absolutamente imperdível, não só pelo já referido, mas também pela inimitável presença de Tati/Hulot, um ser entre Chaplin e Buster Keaton, um mimo que se movimenta com um ávido à vontade no mundo do burlesco. Uma obra que se espera o Cinecidade, assim os apoios apareçam, possa dar aos amantes do bom cinema. Para que, como para Tati, não venha a ser demasiado tarde. Depois desta obra prima ainda fez “Trafic” (1971), ou de como o automóvel domina o homem, e “Parade” (1974). Viria a morrer oito anos depois. Só, como na última cena de
“Parade”. 
Luís Dinis da Rosa
EDUCAÇÃO ÀS TIRAS

Desenho: Bruno Janeca
Argumento: Dinis Gardete
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