Director: João Ruivo    Publicação Mensal    Ano VII    Nº82    Dezembro 2004

Opinião

Crónica escusada

Passarões, aves de arribação e cucos. É a fauna que desfila diariamente perante o olhar atónito dos portugueses. Chegariam mesmo a ter graça quando mentem e desmentem ou desdenham da importância daquilo a que já atribuíram aforamento de grande monta, não fosse a tragédia de quem sofre com tal insolência.

E não há Natal que valha a tanto cristão-novo. Rapidamente convertidos aos valores da legalidade democrática são capazes, sem pestanejar, de jurar o que sempre negaram a invocar valores que na realidade abominam.

E a melhor forma de aferir este desassossego nacional é atentarmos nas palavras de Mário Soares quando diz que atravessamos a pior situação desde a Revolução dos Cravos. Pois entende que a sociedade portuguesa está exposta como nunca à corrupção, à censura e à chegada e à degenerescência do sistema. Concluindo assim, qual postilhão de extrema-esquerda, se não estivéssemos na Comunidade Europeia já teríamos um golpe militar em cima.

Ora aqui é que bate o ponto, como diz o Necas. Ou seja, o facto de pertencermos à dita comunidade impede-nos que tomemos conta dos nossos próprios assuntos. Dito de outra forma, a adesão (por acaso patrocinada pelo citado) será um obstáculo a que possamos fazer uma nova Revolução dos Cravos, em ordem a evitar que a degenerescência do sistema nos conduza a uma situação ditatorial como a que existiu antes de Abril de setenta e quatro.

Mas serve para muitas outras coisas - referindo-me à Europa, claro - como são exemplo as desculpas pelos apertos económicos e constrangimentos administrativos, os argumentos de progresso e modernidade sem sequer sairmos da cepa torta, e, naturalmente, os fundos estruturais que em muito têm ajudado à festa. E é talvez por aqui que o gato mais tem ido às filhós... de jipe! 

A última e mais cara ilusão é a prestigiada e prestigiante representação portuguesa ao mais alto nível da Europa, que irá ao mesmo tempo defender os nossos interesses e proteger-nos desses trogloditas europeus que nos querem chupar o tutano, qual apelo patético de Ginsberg à América simultaneamente cínica e angélica do seu tempo e do nosso.

Mas o que é que ainda se pode fazer? A resposta será obrigatoriamente colectiva, visto que para pássaros, passarinhos, passarões, aves de arribação e cucos há sempre uma fisga para os derrubar ou um olho vesgo para os falhar. Nada melhor então do que estarmos preparados para quando, sem por tal darmos conta, com falinhas mansas, nos vierem perguntar: concorda com a carta de direitos fundamentais, a regra das votações por maioria qualificada e o novo quadro institucional da união europeia, nos termos constantes da constituição para a Europa?

João de Sousa Teixeira

 


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