Director: João Ruivo    Publicação Mensal    Ano VII    Nº74    Abril 2004

Opinião

Batoteiros

Aprendi com os meus ancestrais que o exemplo vem do alto. Mais tarde julguei o princípio ajustado, mas sempre apreensivo quanto aos que, do alto, do conceito não comungam. Por esse motivo sempre que de tal dou conta, apetece-me chamar-lhes batoteiros.

Vem a propósito, a denúncia do Provedor de Justiça sobre a exploração pelo Estado de mão de obra barata, utilizando os desempregados, cada vez em maior número, para satisfazer as necessidades da Administração Pública.

Os beneficiários são essencialmente as autarquias e os hospitais, segundo Nascimento Rodrigues e acrescenta que os desempregados estão a ser colocados temporariamente em serviços públicos, sem receber salários, mas apenas subsídios de refeição e de transporte, continuando com o subsídio de desemprego. Passado o período daquele subsídio, vão para a rua sem qualquer vínculo e sem direitos.

Como pode o Estado Democrático comportar-se de forma tão reles? De que democracia falamos quando o Estado se comporta como o mais infame dos exploradores? Que exemplo social dá com esta atitude tão perversa?

Uns dirão que não há palavras, outros que só encontram palavrões para descrever esta situação.

Há, porém, aqueles de quem não se conhece palavra ou fala e, quando a porca (a democrática, claro) torce o rabo, assobiam para o ar e insinuam noutras direcções. Outros, os protagonistas, sempre seremos capazes de os identificar individualmente com uma frase ou mesmo uma só palavra, e todas somadas, porque a todas se pode aliar a coisa económica e social, dão o estado a que isto chegou. Como por exemplo, quem não se lembra do homem que nunca se enganava e raramente tinha dúvidas; quem se esqueceu do diálogo com oásis pelo meio; por que está fresca na memória colectiva a tanga que hoje sentimos na pele.

São palavras, dirão muitos. Serão. Mas é com esta matéria que nos fintam e por isso continuo a pensar que não passam de batoteiros. Democrático-batoteiros.

João de Sousa Teixeira

 

 

 

MEDICINA DAS LETRAS

Da concordância à aderência

Todos concordam que o uso/abuso e a associação de diferentes substâncias, leva a um maior risco e a um número excessivo de acidentes rodoviários.

Se a todas as pessoas que ingerem álcool regularmente, drogas e medicamentos com influência na condução fosse imposta a inibição de conduzir, quer temporariamente quer definitivamente, estou convencido que o País quase pararia. A circulação de automóveis diminuiria drasticamente e o número de pessoas a trabalhar também. 

Todos nós sabemos, lemos e vemos as estatísticas. Frases como:

- Portugal é um dos países no topo da lista no consumo de álcool “per capita” .

- Milhares de portugueses já não passam sem comprimidos para dormir ou para o stress, o seu consumo não pára de aumentar, mesmo sem prescrição médica.

- Vendem-se por ano mais de quatro milhões de embalagens de tranquilizantes nas farmácias.

- O número de toxico-dependências, de toxicodependentes ou farmacodependentes não pára de crescer.

- A nossa sinistralidade rodoviária só tem paralelo na Europa com a da Grécia.

Algo terá de ser feito e assimilado por todos nós.

A promoção de estilos de vida mais saudáveis é prioritária.

A consciencialização de que o uso e abuso de substâncias alteradoras do comportamento, a existir, só poderá acontecer esporadicamente e em actividades lúdicas “protegidas”. O maior empenho dos profissionais de saúde, que ao terem interiorizado conhecimentos não os passam aos doentes, pecando por defeito, no tocante à informação sobre as consequências da toma de alguns medicamentos associados ao álcool e ao seu efeito sobe a condução.

A vigilância nas estradas da taxa de alcoolémia já é feita, mas a detecção de drogas com efeito euforizante como o Haxixe que poderia ser feita através da saliva com dispositivos salivette, ou de anfetaminas e opiáceos através de testes urinários não é efectuada.

Por outro lado, as benzodiazepinas também não sofrem qualquer controle por parte das autoridades e são substâncias medicamentosas, amplamente utilizadas e normalmente prescritas como tranquilizantes, hipnóticos, anestésicos, anticonvulsionantes e ou relaxantes musculares, podendo afectar a capacidade de condução, especialmente em associação com álcool e drogas de abuso.

Este é talvez o maior problema!

Se imaginarmos que o indivíduo que conduz com 0,7 gr/dl de álcool é sujeito a multa, apreensão de carta, etc, etc, com todos os inconvenientes que daí emergem e, um outro indivíduo que apresenta 0,4 gr/dl de álcool, com “drunfos” e após fumar um “charro” é, no momento da fiscalização uma pessoa “dentro da lei”, mas potencialmente mais perigosa.

Algo deverá estar mal na Legislação! Em Portugal, só se fazem com regularidade análises para detecção de drogas e benzodiazepinas, em caso de acidentes mortais e sobre as vítimas.

Daí, que ainda tenhamos que percorrer um longo caminho para passarmos da concordância a algo que é muito mais importante - a aderência”.


Miguel Resende
Miguel Resende é médico
e assina esta coluna mensalmente

 


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