CRÓNICA
Fogos fátuos
As tragédias, como se não bastassem por isso mesmo, trazem sempre à luz o pior que temos como seres humanos e como cidadãos apanhados desprevenidos e, portanto, à mercê de toda a espécie de idiotices que primeiro vêm à massa cinzenta.
Verão e fogos nas florestas é algo que em Portugal se tem mais do que por inevitável, por fadário de que não se pode fugir.
Os culpados são os que se entretêm a falar do ordenamento da floresta sem no entanto o implementarem; são outros criminosos, pirómanos ou negligentes, cujo perfil comum é o tamanho do cérebro e a educação que não temos; são, enfim, os que convencidos que o seu hectare é todo o mundo, só se lembram de Santa Bárbara quando vem a trovoada;
E ficava tudo dito se não tivéssemos que ouvir o Primeiro Ministro dizer que os meios materiais e humanos de combate aos incêndios eram suficientes, quando toda a gente já via a impotência daqueles perante tamanha catástrofe.
E ficava tudo dito se não tivéssemos que ouvir o Ministro da Administração Interna dizer, com aquele aspecto de quem está mas gostaria de não estar, que para o ano nada disto vais acontecer, deixando ficar a ideia de que o poderia ter evitado já este ano.
E ficava tudo dito se não tivéssemos que ouvir Louça, com ar de quem perdeu o fôlego e não consegue sequer apagar um fósforo, perguntar para as câmaras de televisão como é que pode haver fogos no local em que existe uma das maiores barragens da Europa, provavelmente porque nunca viu um barco arder em alto mar.
E ficava tudo dito se não tivéssemos que ouvir o Sr. P. J, qual comentador residente de todos os canais de televisão, traçar o perfil do incendiário para, dezenas de detenções depois, vir dizer que a quase totalidade dos detidos não se enquadra nas características antes anunciadas.
E ficava tudo dito se não tivéssemos que ouvir, a quente, vozes mais ou menos populares, mais ou menos inocentes, criticar o comportamento dos bombeiros por não chegarem a tempo, por não fazerem tudo o que podiam, etc. De início ainda me pareceu um coro orquestrado, depois perdoei aos que, na iminência de perderem todos os seus bens, viraram o seu desespero para o alvo mais fácil.
Por fim, resta dizer que não fica tudo dito, isto é que tudo o que foi dito sirva ao menos para concluir que o melhor combate aos incêndios e àqueles que levianamente sobre eles se pronunciam é evitá-los.
João de Sousa Teixeira
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