Director: João Ruivo    Publicação Mensal    Ano VI    Nº67    Setembro 2003

Editorial


Começar de novo

Nos últimos anos surgiram inúmeras vozes reclamando por uma nova prática, uma diferente cultura e, consequente, uma nova postura sindical. Sabendo que as grandes transformações históricas nascem sempre junto de minorias que expressam o seu pensamento e o pretendem levar à acção, talvez não fosse despropositado reflectir sobre o contributo daqueles que pretendem mudar o sentido das rotinas instaladas, na busca de procedimentos mais consentâneos com o respirar dos novos tempos e com os movimentos geradores da evolução e da mudança.

É já lugar comum afirmar-se que vivemos momentos de profundas e aceleradas transformações, num mundo que tende para a globalização, numa sociedade de informação e desactualização permanente. E, provavelmente, porque tal afirmação se tornou numa vulgata, sejamos tentados a ignorar a profundidade e alcance do seu conteúdo.

Ora, fechar os olhos perante tão intensos movimentos de renovação e de inovação que nos rodeiam pressupõe uma postura de acomodação contrária aos princípios que nortearam todos os grandes momentos de lutas profissionais, desde os mais longínquos tempos de criação do movimento sindical.

No que respeita ao sindicalismo docente a responsabilidade sente-se acrescida. Não só porque na classe dos professores e educadores se tem vindo a assistir a enormes alterações nas suas competências funcionais e no sistemático acrescentar de novas e distintas obrigações pessoais e profissionais, mas também porque pertencem a um grupo profissional intimamente ligado às alterações do tecido social que, necessariamente, se reflectem nas vivências escolares.

O alheamento progressivo dos docentes de algumas iniciativas e posturas sindicais radica-se no facto de muitos deles terem deixado de se rever nas linguagens, nas metodologias e na cultura de grande parte dos que falando em nome dos professores há muito que já só falam de si próprios.

A inexistência (ou o ignorar de existência) de uma estratégia adaptada aos quotidianos das escolas, as actuações a reboque de tácticas do momento, a cedência sistemática às pressões de grupos conjunturalmente melhor posicionados dentro do movimento sindical, deixando de lado a defesa daqueles que, sendo voz passiva ou minoritária, não deixam de aspirar em se reverem nas actuações reivindicativas, torna obsoleta e desnecessária a adesão desinteressada e tranquila junto de muitas organizações sindicais.

Em verdade se diga que uma boa parte, para não referir a totalidade, dos documentos estratégicos aprovados em congressos e jornadas pedagógicas revelam uma qualidade e pertinência indiscutíveis e constituem uma referência histórica para quantos se debruçam sobre a actividade profissional dos professores e educadores. Todavia, também facilmente se constata que, para lá das palavras, essa produção teórica não se reflecte na actuação diária daqueles que têm por obrigação levar às escolas o novo pulsar dos movimentos e organizações sindicais.

Começar de novo, levar a crer que vale a pena acreditar, a acompanhar e a investir na organização sindical docente, vai requerer um esforço sério de renovação de mentalidades e consequentes modos de sentir e de agir. E, nesta matéria, já não basta apenas parecer. É necessário um novo querer que provoque a motivação dos professores e canalize a sua energia criadora no sentido da construção de um profissionalismo docente, rumo à criação de uma carreira que seja sinónimo de bem-estar e realização profissional.

Estaremos a pedir muito? Talvez... Mas não vislumbramos outro modo de revitalizar esse associativismo que galvanizou gerações, que movimentou largas camadas de profissionais, mas que hoje se confronta com grandes dificuldades de iniciativa e de mobilização.

Chamar de novo os desiludidos e os desencantados, convencer os jovens professores de que uma organização sindical é muito mais do que um gabinete de atendimento sobre as colocações, ou sobre a prestação de informações pontuais da carreira, tentar demonstrar que as vantagens do sindicalismo estão para além de alguns serviços prestados aos associados, é tarefa que, a ser descuidada, põe em causa todos os grandes princípios e finalidades que presidiram à gestação dos movimentos sindicais. E quem não o compreender arrisca-se a perder o comboio que, intranquilamente, nos transporta ao futuro.

João Ruivo
ruivo@rvj.pt


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