Director: João Ruivo    Publicação Mensal    Ano VI    Nº69    Novembro 2003

Entrevista

PEDRO ROSETA, MINISTRO DA CULTURA

É preciso repensar a Cultura

“A cultura é indispensável a toda a gente”. As palavras são de Pedro Roseta, ministro da Cultura, para quem é importante repensar a cultura em Portugal, porque o país é composto por mais de três centenas de concelhos e porque todas as pessoas têm direito à cultura.

Em entrevista ao Ensino Magazine, Pedro Roseta fala dos objectivos do ministério que tutela, do papel importante que as escolas devem ter no domínio da cultura. De caminho lembra o esforço que tem sido feito para dotar todos os concelhos de espaços culturais, dos apoios que têm chegado através do mecenato e dos desafios que o país tem pela frente. É que como refere, a cultura é fundamental para o desenvolvimento da personalidade e felicidade das pessoas, pois sem cultura não há desenvolvimento.

No programa do Governo é referido que a política cultural deve dirigir-se prioritariamente a todas as pessoas e só depois aos agentes culturais. Como é que isso pode ser feito?

Com isso queremos dizer que, embora reconhecendo a importância dos agentes culturais, o objectivo fundamental da política cultural deve ser promoção integral de todas as pessoas. Isso está a ser feito de várias maneiras, sem prejuízo para os agentes culturais, de forma a que a cultura tenha como principais destinatários as pessoas. Ou seja, todas as pessoas têm direito a ter acesso à cultura, pois esta não pode ser uma fonte de descriminação regional ou social. Daí que tenhamos que contribuir para que todas as pessoas tenham acesso à cultura e possam escolher aquilo de que mais gostam nesta área.

Isso obriga à descentralização da cultura?

Obriga a recentrar a cultura, multiplicando os pólos culturais no nosso país. Em Portugal há dois pólos muito importantes, que se devem manter, que estão situados em Lisboa e no Porto e onde as autarquias, as fundações e empresas têm feito um bom trabalho. Mas não podemos esquecer que no resto do País as coisas não são assim. O que interessa é que, a pouco e pouco, todos os concelhos possam receber as manifestações de expressão contemporânea e exposições, em espaços que possam estimular as pessoas a procurarem essas manifestações. Isto já para não falar no património e nos monumentos, que em todo o país devem ser tidos em conta. É que para além de salvaguardar os monumentos há que salvaguardar a criação cultural de todas as regiões.

A rede de Cine-Teatros em todo o país é um dos instrumentos para alcançar esses objectivos?

Nas capitais de distrito tem sido feito um grande esforço nessa matéria. Muitos desses espaços estão recuperados e outros estão a sê-lo. Mas há outras redes importantes, como a dos auditórios – que já existe em vários concelhos -, ou das bibliotecas. No caso das bibliotecas, que constituem pólos culturais importantes, pois além de terem os livros, o acesso à Internet, os meios de audiovisuais, as salas para crianças e de promoverem exposições, são um bom instrumento de dinamização cultural já que levam as pessoas, através da leitura, a conhecer a cultura, outros mundos, a reflectir e a compreender.

A cultura é, portanto, a razão de ser das coisas?

O professor Eduardo Lourenço, que é um grande ensaísta e filósofo português, escreveu que a «cultura é a compreensão da razão de ser das coisas». Ora para conhecer essa razão de ser é preciso ler, ultrapassar o estádio da informação para a reflexão. E isso só a cultura o permite fazer, nas suas diversas variantes como a leitura, teatro, cinema, artes plásticas, monumentos e documentos.

Outra rede importante é a dos arquivos municipais...

Sim essa é outra das vertentes que o ministério está a estimular. Os arquivos municipais são a memória de um povo. Deste modo, é importante que as redes de bibliotecas, de cine-teatros, auditórios, de museus – que já envolve 117 museus, aos quais é prestado apoio técnico e financeiro -, se vão apertando para que as pessoas tenham acesso aos bens da cultura.

Para que a cultura chegue a toda a gente é importante habituar as pessoas a gostar de cultura. Esse processo deve começar nas escolas?

Sim e esse é um ponto que está agora a ser lançado, através de uma forte ligação com o Ministério da Educação. Vamos criar um grupo de trabalho, para que num prazo muito curto, se estabeleçam critérios e as formas de fazer essa ligação. Esperamos que ao longo do próximo ano lectivo este aspecto já seja uma realidade em muitas escolas. Mesmo agora já existem muitos museus e monumentos que têm um serviço educativo, pois há escolas que se deslocam a museus, teatros ou cinemas, e que até recebem actividades musicais. Aquilo que queremos é que isso seja feito de forma sistemática, com critérios e regras adequadas à idade das crianças e dos jovens. Há certos museus, por exemplo, que são mais apropriados para uma determinada idade e há outros em que não há qualquer interesse que eles sejam visitados por crianças muito pequenas. É também importante que as crianças comecem a estabelecer laços com os monumentos que existem nos seus concelhos. Ligações que além de estéticas e históricas devem ser afectivas, de modo a que as crianças se apercebam que estes monumentos e património lhes pertencem, e que elas não têm apenas o direito de os ver e de usufruir, mas também a responsabilidade de o salvaguardar e o transmitir às gerações seguintes.

Ainda no sector educativo, mas já no ensino superior, em Portugal há várias escolas de artes, como em Castelo Branco, em que medida é que elas podem contribuir para a promoção da cultura?

Essa é uma questão mais relacionada com o ministério da Ciência e do Ensino Superior e sobre a qual não me queria alongar muito. De qualquer modo, toda a formação de formadores, de quadros para cultura, é evidente muito benéfica para a promoção da cultura.

É sabido que o apoio através do mecenato constitui uma fonte de financiamento importante para a cultura no nosso país. As empresas e instituições têm respondido aos desafios?

Estão cada vez mais a responder a esses desafios e queremos que o façam com mais firmeza no futuro. Hoje há muitas instituições que são apoiadas pelo mecenato, como por exemplo o Teatro S. Carlos, que tem o apoio do BP, a Companhia Nacional de Bailado – apoiada pela EDP -, o teatro D. Maria (pela Portugal Telecom) ou o Teatro S. João (apoiado pela REN). O BPI, grupo Totta/Santander, Banco Privado e a Caixa Geral de Depósitos, que tem a Culturgest, também apoiam diversas actividades no domínio da cultura. Mas há muitas outras empresas a apoiarem a cultura, até mesmo a nível local. A Fundação de Serralves é apoiada por quase todas as grandes empresas do Porto. É claro que tudo isto ainda não é suficiente.

E ao nível do mecenato individual?

Em Portugal ainda é pouco praticado, comparando com aquilo que se verifica noutros países, onde pessoas com mais posses optam por ser mecenas a nível individual. O que existe são muitas pessoas que têm feito as suas próprias colecções, como a colecção Berardo. Daí que essa seja uma área onde deveremos evoluir mais.

A vinda desses apoios é bastante importante, sobretudo numa altura em que o orçamento para a cultura não é aquele que desejaria...

Este ano o orçamento para a cultura subiu em relação ao ano passado, embora nós desejamos sempre mais. De qualquer modo, a cultura tem outras receitas que não vêm do orçamento, mas sim de receitas, bilheteiras, venda de produtos e diferentes taxas. Mais do que o dinheiro é importante que as pessoas se consciencializem que a cultura é fundamental para o desenvolvimento da sua personalidade, para que sejam felizes e possam ter um futuro digno e desenvolvido. Sem cultura não há desenvolvimento.

 


UM BEIRÃO NO GOVERNO

A cara da notícia

Natural da Covilhã, Pedro Roseta, 60 anos, é ministro da Cultura desde 6 de Março de 2002. Licenciado em direito tem desempenhado vários cargos ao longo da sua carreira profissional. Nos anos 1972/73 foi Secretário geral da Universidade Católica. Mais tarde, entre 1981 e 88 foi representante de Portugal junto da OCDE. Foi ainda presidente das Comissões de Ciência e Tecnologia, e de Cultura e Educação, na Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa. Integrou ainda o Conselho Nacional de Ética para as ciências da vida.

Em termos políticos, Pedro Roseta foi eleito deputado à Assembleia Constituinte e à Assembleia da República em seis legislaturas. Entre 1979 e 81 foi presidente do Grupo Parlamentar do PSP. Foi ainda presidente das 5ª e 6ª comissões parlamentares de inquérito ao desastre de Camarate.

 


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