Director: João Ruivo    Publicação Mensal    Ano VI    Nº69    Novembro 2003

Cultura

GENTE & LIVROS

Will Ferguson

«Mais um manuscrito - disse Edwin, olhando para o último do monte. - só falta um. É um instante.- extraiu o fiasco do respectivo invólucro. Era enorme, pelo menos duas resmas, mais de mil páginas. Livra! Foram abatidas árvores para isto. (...) Voltou à página inicial. Chamava-se “O Que Aprendi na Montanha”, da autoria de um certo Rajee Tupak Soiree. Salpicados pela página - e aqui Edwin não pôde senão rir a bom rir - estavam pequenos autocolantes de margaridas ( margaridas, notem) e, no fundo, estava uma nota escrita à mão que dizia “Vive! Ama! Aprende!”.

Edwin emitiu uma gargalhada ruidosa, que não conseguiu controlar. Vive! Ama! Aprende! A sua mente estava já a urdir réplicas: Vai! Te! ...! (...)».

In Felicidade

Will Ferguson nasceu há trinta e oito anos em Fort Vermilion no Norte de Alberta, Canadá. Cresceu numa família pobre e numerosa e aos dezasseis anos decide abandonar a escola para “correr mundo”, mas segundo as suas próprias palavras, não foi muito longe. Trabalhou ao dia em Saskatchewan e como cozinheiro de pizzas em Dauphin até regressar a casa e à escola em Alberta .Em 1983 faz a graduação no Lindsay Thurber High School e no ano seguinte junta-se aos Katimavik, um grupo de jovens idealistas. Com os Katimavik, Ferguson trabalhou num museu no Kelowna, como enfermeiro domiciliário no sul de Ontário e na construção de um parque de conservação em St.Canut, Quebeque. Dessa experiência resultou o livro “Fui um adolescente Katima-Victim!” (1998). Após o período Katimavik, Ferguson estuda em Liskeard, Ontário na Faculdade de Agricultura e em 1985 parte para o Equador onde vive e trabalha com uma família da vila de Malacatos. Esta fase inspira “Porque Odeio os Canadianos” (1997). De volta ao Canadá envolve-se num programa de cinema da Universidade de York, em Toronto, e forma-se em produção cinematográfica e escrita de guiões. Mas Will ainda não tinha esquecido o seu desejo de ver mundo e desta vez vai mais longe, até ao Japão. Ao abrigo de um programa educacional passa 5 anos no Japão a ensinar Inglês. Em 1995 casa com Terumi em Kumamoto e mudam-se de seguida para o Canadá. Sobre esse tempo e as inúmeras viagens nipónicas escreve “O Guia da Boleia no Japão” (1998) e “Blues da Estrada de Hokkaido” (2000).

Assina uma coluna sobre a cultura japonesa “East Meets West” para o Charlottetown Guardian e em Setembro de 1997 publica o primeiro livro “Porque Odeio os Canadianos” que se transforma num best-sellers nacional. Três anos depois é a vez de “Felicidade” se tornar num campeão de vendas em 26 países e 19 línguas.

Will Ferguson é também o autor de “O Guia das Namoradas do Hockey”, “Bastardos & Caveiras”, “Uma História Canadense para Modelos” e “Como ser um Canadiano”. 

Felicidade - Edwin de Valu é um americano neurótico e desinteressante funcionário da editora Panderic Press. Tupack Soiree é o misterioso escritor de um calhamaço de auto-ajuda “O que Aprendi na Montanha”. Quando o manual é proposto para publicação Edwin de Valu classifica-o na categoria CL - Caixote do Lixo. Contudo o livro é mesmo publicado e revela-se o único do género que realmente funciona, ensina a ser feliz. Um livro perigoso que pode significar o «fim do mundo conhecido» porque este assenta num pressuposto de infelicidade.

Eugénia Sousa
Florinda Baptista

 

 

 

CIÊNCIA

Uma questão de chutar

Desenganem-se os meus amigos que não vou falar de futebol, do meu clube ou deste ou daquele jogo. Há coisas que nos fazem rabiscar, reflectir e questionar. Não é minha intenção criar adeptos para esta ou aquela ideia, é antes demais pôr a sociedade civil a discutir. As discussões são boas e saudáveis para o espírito e necessárias para nos sentirmos vivos.

Todos os dias se ouvem coisas na televisão. Umas sem grande importância pois se calhar são ditas por “gente menor” outras com maior mediatismo ditas por “gente maior”. Quanto maior o dito, maior o mediatismo, o que nem sempre corresponde a maior verdade ou razão.

Posto isto, e passando à questão foi dito há poucos dias que, se calhar, valia a pena implementar as salas de chuto e as seringas nas Prisões. Dizem os defensores que há 14% de reclusos seropositivos e pelo menos 30% portadores de hepatites, além de experiências, que nunca vi nem li, em Espanha com bons resultados.

A lógica da experimentação só é aceitável num grupo restrito e em especiais condições.

Os conhecedores das prisões portuguesas deverão questionar problemas como:

Insegurança - de todos os funcionários e inclusive dos reclusos que partilham da mesma cela. As seringas podem ser armas. O ódio e a aversão entre os reclusos não os deixaria a dormir tranquilamente nem com os outros, e por aí fora...

Legalização? - os reclusos que tenham heroína pedem aos guardas para irem à sala de chuto ( é um direito) ou no mesmo instante é-lhe retirada a droga por não ser legal a sua posse (neste caso de nada servem as salas). Estas salas, no caso de existirem, legalizam a droga após esta entrar na prisão?

Os alcoólicos devem ter direito a bar para alimentar a sua dependência?

Separação de reclusos - pelos problemas expostos a separação é inevitável quer seja por doenças, dependências e até amizades.

Prazer - uma chinesas (heroína fumada) ou uns traços de cocaína (snifada) também geram efeito e prazer.

No meu entender e contrariando algumas opiniões “doutas” é preferível arranjar maneiras para que a droga não entre nas prisões, que dar como facto assente a sua existência e perpetua o seu consumo.

As prisões precisam de coisas bem mais importantes para a saúde, bem estar e reintegração social, que de seringas.

Acabo com um Abraço à Senhora Ministra da Justiça, por não embarcar num barco sem rumo.

Miguel Resende

Miguel Resende é médico e assina esta coluna mensalmente

 

 

 

CONTRABAIXO

Terapias sofisticadas

É um lugar comum. A música está em todo o lado, de tal maneira que acabamos por nem sequer dar conta que a estamos ouvir. É o som de fundo no restaurante, o apaga silêncios no café, o animador de paredes e de passos apressados no metro. E podia ficar aqui a enumerar as circunstâncias nas quais a música nos assalta, até me cansar. Mas como bom preguiçoso que sou, vou parar por aqui.

A verdade é que isto não é novidade para ninguém e por essa razão gostava de lançar um desafio a todos os leitores que ainda não desistiram ao fim do primeiro parágrafo: descubram quais os, digamos..., dez impulsos sonoros mais importantes no seu dia-a-dia. Vá! Força! É só apontar num papelinho e confirmar no dia seguinte se realmente estamos perante uma lista fiel ou se só se tratou de paixão ao primeiro decibel.

Se viverem no meio do campo, ou numa vivenda afastada do meio urbano, telefonem aos amigos que moram lá perdidos no 7º andar de um qualquer prédio e obriguem-nos diplomaticamente a fazer a listinha vital. No dia seguinte, no trabalho, no café ou até mesmo por sms, confrontem os dados e tirem as vossas conclusões.

A verdade é que vou ser um bocado para o chato. Penso que andamos a ficar repetitivos e ouvimos cada vez mais do mesmo, da mesma maneira, embora pensemos exactamente o contrário.

A coisa resolve-se. Há formas mais simples e outras dignas de um altar barroco. Uma das mais divertidas pode ser o lançar um pacote legislativo com algumas imposições, a saber: cada vez que um cidadão encontra outro, cumprimenta-o, obrigatoriamente; como já estão a imaginar, será uma profusão de Bons Dias!, Olá!, Bem Haja! que não vão deixar de animar o colorido sonoro das nossas avenidas; Por outro lado, a legislação pode contemplar a necessidade de usar no nosso telemóvel sons personalizados do género “pai, sou eu a tua querida filha que não te vê desde ontem porque foste muito cedo para o trabalho e eu ainda não saí dos tempos livres”; seria um excelente substituto para o último êxito em formato UMTS que nunca mais vem. Claro que o delírio poderia chegar às sirenes dos veículos de emergência médica que deveriam exibir um excerto do 1º tema do 1º andamento da 6ª Sinfonia de Beethoven. Isso é que seria pessoal a sair da frente... 

Bem...não tenho assim tanta certeza de que a coisa se resolve. Acabei de dar uma volta pelos canais de televisão e a paisagem sonora não me animou. Talvez tenhamos de usar terapias mais sofisticadas. Situações como passeios em florestas, seguindo o som dos riachos e tremendo cada vez que ouvimos um onomatopaico traack. Ou algo mais contemplativo como tentar perceber, de olhos fechados, o ritmo das ondas junto ao mar. Splash!

Pois é. Tudo pode ser possível. Mas vamos lá fazer uma proposta séria: façam só uma coisa. Ouçam com muita atenção a voz dos amigos, dos filhos, da esposa e do marido. Sintam as nuances. Leiam as diferenças, as grandes e as subtis. Mas ouçam!

Não há coisa mais irritante do que o olhar vazio de quem diz que sim com a cabeça e nem sequer repara que nós estamos a chorar com a voz.

Carlos Semedo

Carlos Semedo é Director Artístico do Festival Internacional de Música Primavera Musical
e assina esta coluna, mensalmente no Ensino Magazine


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