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Director: João Ruivo    Publicação Mensal    Ano VI    Nº60    Fevereiro 2003

Cultura

GENTE & LIVROS

Simone de Beauvoir

«- Achas que sou muito nova, não é? Que não te compreendo bem?

Acaricie-lhe os cabelos. Pensei: Já não sabemos o que queremos. Tudo o que pudesse fazer saía mal; acabava por já não ter importância agir assim ou de outro modo. Já que tinha vontade de que ela acreditasse ser amada, apenas tinha que lhe dizer as palavras que ela queria ouvir.

- Tens crescido de há dois anos para cá - disse eu. Acrescentei: - Os meus sentimentos por ti também cresceram.

- Sim? - disse ela; apertou-me a mão: - Pareces mais ligado a mim do que antes.

- Bem vês, queixavas-te por eu não ter necessidade de ti: era verdade. Mas criaste-me essa necessidade. Agora, és-me necessária.

- Eu? Sou-te necessária a ti? - disse ela.

- És-me necessária porque te amo - disse eu.

Estavas nos meus braços, e eu tinha o coração pesado por causa daqueles frouxos rumores de festa, e porque te mentia. Esmagado por essas coisas que existiam apesar de mim e das quais apenas a minha angústia me separava. (...).»

In O Sangue dos Outros



Simone Lucie Ernestine Marie Bertrand de Beauvoir nasce em Paris a 9 de Janeiro de 1908 e morre a 14 de Abril de 1986 na mesma cidade. Nascida numa família burguesa abastada é educada em colégios privados. Mais tarde frequenta o Sorbonne onde tira o curso de filosofia em 1929, o ano em que conhece Jean-Paul Sartre. Com ele inicia uma relação que iria durar toda a vida sem nunca chegarem a casar ou a viver juntos.

«O Castor», como era apelidada carinhosamente pelos amigos, integra o denominado grupo de escritores-filósofos do existencialismo - os frequentadores dos cafés da Rive Gauche do Sena - do qual Jean-Paul Sartre era a maior referência e onde “militava” Albert Camus.

Durante 12 anos Beauvoir ensina filosofia em escolas de Paris, Marselha e Rouen mas abandona o ensino para viver exclusivamente da escrita. Em 1943 sai a sua primeira novela, A Convidada - a história de um casal em ruptura motivada pela permanência prolongada de uma jovem na sua casa - uma clara alusão a uma amante de Sartre. Em 1945 publica O Sangue dos Outros e nesse mesmo ano, em parceria com Sartre, cria e edita uma revista mensal, Les Temps Modernes.

Em 1947 numa viagem aos Estados Unidos da América conhece o autor Nelson Algren, de quem se tornaria amante. Dezoito anos de uma relação pontuada por meia dúzia de encontros e muitas cartas.

Em 1949 edita O Segundo Sexo, para abolir o que ela chama de mito do “eterno feminino” e estala a polémica. O livro transformar-se num clássico do feminismo e torna a escritora conhecida fora de França. Com Os Mandarins, uma abordagem aos intelectuais de esquerda do pós-guerra, recebe o Prémio Goncourt em 1954.

Após a escrita de vários ensaios regressa à narrativa com o romance As Belas Imagens (1966) e A Mulher Destruída (1967).

Da sua bibliografia fazem também parte quatro livros de filosofia A Ética da Ambiguidade (1947); a sua obra autobiográfica, Uma Menina Bem Comportada (1958); os ensaios, Deve-se Queimar Sade? (1952) e A Velhice (1970). Em 1981 é publicado o último livro da escritora, A Cerimonia do Adeus, um relato pungente e polémico dos últimos anos do par Simone de Beauvoir e Jean-Paul Sartre. 

 

O Sangue dos Outros. Recordar este livro é recordar a frase de abertura «Todos Somos Responsáveis por tudo perante todos» - Dostoievski. Com a II Guerra Mundial como cenário vamos assistir à história de amor entre Hélène e Jean e o seu envol-vimento com a resistência francesa. Um amor em tempo de guerra onde a escolha individual não vai poder sobrepor-se ao dever e à luta política e ideológica pela liberdade.

Eugénia Sousa
Florinda Baptista

 

 

 

Novidades

EUROPA-AMÉRICA. Shakespeare na Europa de Oswald le Winter. Os escritores mais emblemáticos de três séculos de literatura criticam a obra do maior dramaturgo de sempre William Shakespeare. Voltaire, Goethe, Schiller, Hegel, Hugo, Tolstoi, Ortega y Gasset, Jorge de Sena a discutir Shakespeare, num livro que reúne novos e preciosos conhecimentos sobre a obra do autor inglês. Com este ensaio é atribuído ao autor o American Philosophical Fellowship.

 

PIAGET. Ensaio sobre o Desenvolvimento Humano - De uma Teoria Emergente da Prática ao Mundo como Implicação de Luís Marques Barbosa. «No livro que agora publicamos a acção educativa é apresentada, tal como o fazemos aos nossos alunos, como um acto eminentemente social, mas porque dirigida ao cidadão, é este que se assume o eixo em torno do qual intentamos que os agentes educativos organizem as suas intervenções.»

 

ASA. A Verdade Sobre o Casamento com argumento de Monsieur B. e desenho de Bertrand Meunier. Para rir com o matrimónio e o quotidiano dos casados este livro faz parte da colecção dos guias. Conhece alguém casado ou prestes a fazê-lo? Então A Verdade Sobre o Casamento pode ser um interessante presente de casamento. 

 

GRADIVA. Desenvolvimento como Liberdade de Amartya Sen. Sobre esta obra diz o Secretário Geral das Nações Unidas, Kofi Annan. «Ao mostrar que a qualidade das nossas vidas não deveria ser medida pela nossa riqueza, mas sim pela nossa liberdade, Amarthya Sen revoluciona a teoria e a prática do desenvolvimento».

 

ASSÍRIO & ALVIM. A Ampola Miraculosa de Alexandre O‘Neill. «Ainda se escrevem romances? Em treze capítulos (com gravuras) e 13x13 piparotes na cabeçorra dos incrédulos e na morrinha dos benditos. A Ampola Miraculosa (romance) por Alexandre O‘Neill, poeta, em edição fac-similada, atentado cometido pela Assírio, por gentileza de Loudes Castro, para fazer figura ao lado de K4 de Almada (...)».

 

 

 

Educação às tiras

Desenho: Bruno Janeca
Argumento: Dinis Gardete

 

 

 

BOCAS DO GALINHEIRO

Há horas assim

“As Horas” é o filme de um dia. Em três épocas diferentes, com três mulheres diferentes, com um laço comum, “Mrs. Dalloway”, o romance escrito por Virginia Woolf em 1925. Como escreveu Michael Cunningham autor do livro que deu origem ao filme, no suplemento “Y” do Público, “’As Horas’ (era o título original de “Mrs. Dalloway”) abarca três dias da vida de três mulheres. Há a contemporânea Clarissa, interpretada no filme por Meryl Streep, que se assemelha muito a Mrs. Dalloway, mas está livre de alguns espartilhos sociais que aprisionavam a Clarissa de Woolf. Há Laura Brown, uma esposa e mãe no final da II Guerra Mundial, interpretada por Julianne Moore, que está a ler ‘Mrs. Dalloway’ e se descobre a si própria nas páginas do livro. E há um dia imaginado na vida da própria Virginia Woolf, interpretada por Nicole Kidman, no momento em que começou a escrever “Mrs. Dalloway” – quando ela, suspeitando que não passava de um talento excêntrico e marginal, escreveu as primeiras linhas de um livro que será lido enquanto os livros existirem”.

Realizado por Stephen Daldry, “As Horas”, acaba por ser um filme centrado na escritora, pois sem “Mrs. Dalloway” a história, como diria o outro, seria completamente diferente, a que se junta um argumento muito bem agarrado por David Hare, outra coisa não seria de esperar, o que não deixa de ser uma justa homenagem a uma escritora que, com a sua escrita compulsiva, foi uma das figuras de proa da sua geração e do Grupo de Bloomsbury, que partilhou com, entre outros, T.S. Elliot e E.M. Forster. Se daí pode acrescer algum mérito para o filme, há que dizer que recebeu nove nomeações para os Oscar e ganhou o Globo de Ouro para a melhor película dramática.

Esta não foi a primeira vez que em Hollywood uma escritora é tema de filme. Há muitos exemplos, e alguns bons. Podemos começar pelos mais recentes.

“Ted and Sylvia”, da neozelandesa Christina Jeffs, tem como fio condutor o romance entre a escritora norte-americana Sylvia Plath, que, tal como Virginia Woolf, também se suicidou, tinha trinta anos, interpretada por Gwyneth Paltrow, e o poeta inglês Ted Hughes, filme muito criticado pela filha do casal por achar que se centrou em demasia no suicídio da mãe. Diferente foi o casamento de Iris Murdoch e John Bayley que serviu de mote ao filme de Richard Eyre para retratar esta união de 40 anos, sustentada por muitas infidelidades, mas sobretudo pela doença que foi debilitando a escritora, duplamente interpretada por Kate Winslet, enquanto jovem, e Judi Dench. Ambas nomeadas para o Oscar, quem levou a estatueta foi Jim Broadbent, no marido.

De todas as películas sobre escritoras, a mais referida é sem dúvida “África Minha”, realizada em 1985 por Sydney Pollack, ganhadora de sete Oscar, com Meryl Streep e Robert Redford, sobre a passagem da escritora dinamarquesa Isak Dinesen pela sua quinta em África. Mas, não podemos esquecer “Julia”(1977), de Fred Zinnemann, com Jane Fonda no papel de Lillian Hellman, baseado nas memórias da escritora, companheira de Dashiell Hemmett, onde dá conta do seu empenhamento político e do seu relacionamento com Julia cujo papel foi feito por Vanessa Redgrave, que, já havia incarnado Agatha Christie em “Agatha”(1979), de Michael Apted, um policial sobre o misterioso desaparecimento, em 1926, da mais famosa escritora de policiais, num filme em que também pontificava Dustin Hoffman, ou “Henry and June”, realizada em 1990 por Philip Kaufman, sobre o triângulo amoroso da escritora norte-americana Anaïs Nin, interpretada por Maria de Medeiros, com o também escritor Henry Miller e a sua mulher June. Recordar que no campo do policial, Jennifer Jason Leigh, em 1994, já fizera de Dorothy Parker em “A Senhora Parker e o círculo vicioso”, de Alan Rudolph.

De França também chegaram algumas homenagens às mulheres de letras. Depois de em 1977 André Téchiné ter realizado “As Irmãs Brontë”, com Isabelle Adjani, Emily, e Isabelle Huppert, como Anne, Josée Dayan realizou no ano passado “Aquele Amor”, baseado no livro em que Yann Andréa relata a sua relação, de 16 anos, com a escritora Marguerite Duras, com interpretações de Jeanne Moreau e Aymeric Demarigny. Um filme que talvez venhamos a ver no próximo ciclo do Cinecidade. Se assim for, até lá!.

Luís Dinis da Rosa

 


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