Director: João Ruivo    Publicação Mensal    Ano VI    Nº61    Março 2003

Actualidade

XII JORNADAS PEDAGÓGICAS DA ANP

Escola contra a cultura neo-liberal

A escola actual só conseguirá formar pessoas mais sábias e mais felizes se for hegemonicamente contra a cultura neo-liberal vigente, uma cultura do vale tudo, segundo a qual o que interessa não é ser o melhor possível, mas sim ser melhor que os outros todos. Esta é uma das principais conclusões das XII Jornadas da Associação nacional de Professores, realizadas a 20 e 21 de Março em Castelo Branco, as quais tiveram como tema “Melhor educação, mais qualidade” e que contaram com a presença de cerca de 300 professores dos diferentes graus de ensino. Jornadas às quais o Ensino Magazine se associou, na passagem do seu 5º aniversário.

Um dos principais defensores deste combate é o catedrático espanhol Miguel Santos Guerra, para quem a escola luta todos os dias para que os seus alunos sejam melhores cidadãos, mais solidários, respeitadores dos valores, trabalhadores e honestos. Uma luta que obriga a uma evolução constante das práticas e dos discursos pedagógicos, pelo que os professores devem investir na formação permanente e numa reflexão constante acerca das práticas, das estratégias usadas para conseguir responder aos desafios que diariamente se colocam.

Deste modo, de acordo com aquele investigador, os professores devem formar um grupo coeso, devem comunicar entre eles, trocar experiências, conhecer bem o contexto da escola, cativarem pais e alunos para conseguirem aumentar a qualidade da formação dos alunos. Esta lógica de melhoria constante surge nas antípodas do fatalismo existente em algumas escolas que leva a agir sempre da mesma forma no que toca a formar turmas, estabelecer currículos e objectivos, entre outros. No fundo, defende que a reflexão permitirá chegar a incertezas e essas incertezas serão, porventura, o motor da mudança para melhor.

QUALIDADE. Se a mudança dá trabalho e vai contra algum imobilismo de certos docentes, ela será o caminho para a qualidade, a qual exige que se ultrapassem as lógicas dos arautos do ensinar, mais conservadores, e dos arautos do aprender, os mais progressistas. Rui Trindade, da Universidade do Porto, defendeu esta perspectiva, adiantando que educar implica alimentar com informações (lógica conservadora), mas também o aproveitamento do background do aluno, valorizando-o e conduzindo-o na aprendizagem (lógica progressista). Pois, diz, é da troca de informação e conhecimento que nasce o saber, num processo de participação guiado pelo professor, recorrendo a métodos activos, projectos diversificados e a várias modalidades de apoio pedagógico.

Um dos bons exemplos de aplicação prática destas teorias é o da célebre Escola da Ponte, a qual esteve representada por um dos professores que ali lecciona desde o início, José Pacheco. “Não fomos nós que dissemos que temos qualidade. Foram outras pessoas”, afirma aquele docente, que lecciona na escola há 27 anos, segundo o qual, os pilares do funcionamento assentam nos pais, que reúnem com os professores aos sábados, bem como nos professores, que são “um colectivo coeso”. Ali não há ciclos de ensino, nem turmas, testes, planos de aula ou estatísticas. Os alunos entram, aprendem a estar em grupo, a expor ideias, estar com os outros, pesquisar, usar a Internet e a seleccionar informação.

A lógica tem funcionado, mas a escola passou agora a Básica Integrada, pelo que algumas alterações estão em curso, mas é hoje certo que os alunos que passaram por aquela escola têm depois melhores resultados que os seus colegas nos níveis seguintes. Sem estatísticas nem análise de resultados, aquela escola é apontada como sendo de qualidade, algo difícil de medir, como explicou Manuel Joaquim Loureiro, da Universidade da Beira Interior. Em sua opinião, há factores associados a escola ditas eficazes, os quais poderão ser indicadores de qualidade, como por exemplo, o envolvimento dos professores na elaboração do currículo, a colaboração entre professores, um ensino intelectualmente desafiante, um diálogo intenso entre professor e aluno, o envolvimento parental e um clima positivo.

DRAMA. Apesar de tudo o que possam fazer os professores para aumentar a qualidade da educação, a verdade é que ainda vão surgindo certos fenómenos menos explicáveis, como adiantou Carlos Fiolhais, da Universidade do Porto. “O drama actual do nosso país assenta na falta de uma educação científica de qualidade. Os conhecimentos e aptidões dos nossos alunos são inferiores aos dos alunos de outros países”. Uma facto que, segundo diz, resulta de uma questão cultural do país, razão pela qual entende que os professores devem intervir mais, a fim de alterar mentalidades, de mudar o contexto.

O trabalho porém, deverá ser desenvolvido por toda a sociedade, a começar na família, como explicou Florencio Vicente Castro, da Universidade de Málaga, para quem a criança ganha o direito natural à educação assim que nasce, direito esse que começa a ser efectivado na família, “o primeiro agente de socialização”. O problema é que o conhecimento evolui depressa, a família foi mudando, passando da patriarcal à conjugal ou até monogâmica.

Importa por isso saber o que os pais podem fazer para serem melhores pais e conseguirem que os seus filhos sejam melhores. O investigador espanhol alerta para a necessidade de troca de afectos, muito importante na auto-estima da criança e logo no seu desenvolvimento pessoal e social. A este aspecto junta-se a confiança que é preciso depositar nos filhos, importante para a auto-confiança de que precisa.

Outro aspecto passa por mostrar diferentes caminhos aos filhos para que eles possam decidir o futuro em função dos seus interesses particulares, o que lhes pode dar a motivação intrínseca, aquela que leva a desempenhar uma ou mais tarefas sem o jovem se cansar, dado que faz aquilo porque está interessado, porque gosta. Assim se caminhará para lhe permitir desenvolver a criatividade sem a limitar, o que será uma porta aberta para a autonomia do jovem, a qual tem de ser conquistada, mas que só acontece se os pais facilitarem a tarefa.

 


Tempos de mudança

As Jornadas Pedagógicas da Associação Nacional de Professores iniciaram-se este ano com um conjunto de iniciativas culturais que passaram pela exposição de trabalhos realizados por docentes da secção de Castelo Branco, pela actuação do Grupo de Clarinetes da Escola Superior de Artes Aplicadas de castelo Branco e por três momentos de poesia recitada por Maria de Lurdes Barata, da ESE de Castelo Branco.

No final do que se chamou momentos, foi apresentado o livro de actas das jornadas do ano passado, sob o tema “Os professores em tempos de mudança”, uma edição da RVJ-Editores que contou com o apoio da Câmara de Castelo Branco e cuja apresentação esteve a cargo do sub-director da ESE de Castelo Branco, Ernesto Candeias Martins.

De acordo com aquele professor, o novo livro apela à renovação, à formação contínua e á procura de qualidade, bem como a alterações no ser e no estar dos professores. Algo que também defende, pois a sociedade muda, os alunos também e logo “os professores também devem estar atentos à mudança”. Surgem-lhe no entanto algumas preocupações: “não sei se o professor aceita a necessidade de mudar, e se o fizer talvez se encontre com paradoxos”. Defende também que talvez seja necessário “um modelo de formação diferente, sobretudo ao nível da aquisição das práticas pedagógicas”.

A este nível, Ernesto Candeias Martins realçou a necessidade de alterações ao nível relacional entre professores e alunos, mas também entre professores, sendo que estes devem estar mais expostos à mudança e à partilha de experiências. Recordou por isso Sebastião da Gama, o professor que ia para a escola para aprender e ensinar e apontou para a leitura de um livro que inclui intervenções de Eduardo Sá, Joaquim Neves Vicente, Mata Justo, João Ruivo, Juan Castro Posada, José Pires, António Sanches Cabaco e José Lopes Verdasca.

 


Visualização 800x600 - Internet Explorer 5.0 ou superior

©2002 RVJ Editores, Lda.  -  webmaster@rvj.pt