Director: João Ruivo    Publicação Mensal    Ano VI    Nº63    Maio 2003

Cultura

GENTE & LIVROS

Miguel de Unamuno

«Que teria aquele homem, tão rude e concentrado, para se lhe impor daquela maneira se bem que por vezes a amedrontasse?

E ainda o pior é que lhe impunha uma espécie de estranho amor. Porque ela, Júlia não queria amar aquele aventureiro que se resolvera a ter por mulher uma das mais lindas de todas, para que ela ostentasse os seus milhões; mas, embora sem o desejar, sentia-se presa de uma submissão que era uma forma de estar enamorada.

Era qualquer coisa como o amor que deve nascer do peito de uma cativa para o seu arrogante conquistador. Não a tinha comprado, não! Tinha-a conquistado.

«Mas ele», pensava Júlia, «ama-me deveras? Ama-me, a mim? A mim?, como ele costuma dizer? E de que maneira o diz! Como pronuncia eu! Ama-me ou só quer fazer gala da minha beleza? (...)»

In Um Homem

 

Poeta, filósofo, ensaísta e romancista Miguel de Unamuno y Jugo nasceu em Bilbau , no país Basco a 29 de Setembro de 1864. Após frequentar o Instituto Vizcaino de Bilbao ingressa na Universidade de Madrid em 1880 onde estuda Filosofia e Letras formando-se em 1884. Em 1891 casa com uma amiga de infância, Concepción Lizárraga, a mãe dos seus oito filhos, e nesse mesmo ano assume a cátedra de Grego na Universidade de Salamanca, onde é nomeado reitor em 1901.

Unamuno faz parte, com outros nomes da cultura espanhola, como o de Ángel Ganivet, Azoríon Pérez de Ayala, António Machado e Juan Ramon Jiménez, da «geração de 1898.» A reflexão em torno da essência do nacionalismo espanhol, tema caro à «geração de 98», inspira-lhe livros como De Mi País (1903), Vida de Dom Quijote y Sancho (1905) e El Porvenir de España (1912). 

Considerado um precursor do existencialismo, passou as suas preocupações filosóficas religiosas e políticas para os seus livros, sendo disso exemplo o tratado Del Sentimiento Trágico de la Vida en los Hombres y en los Pueblos (1913).

Mas o romance é talvez o género que melhor transmite o pensamento do escritor. Niebla (1914) explora os limites entre ficção e realidade, Nada Menos que Todo um Hombre (1916), Abel Sánchez (1917) e La Tia Tula (1921) profundas análises psicológicas e uma crítica à moral convencional. 

A sua carreira de escritor continuava a par da sua carreira docente mas a sua oposição à monarquia de Afonso XII determina a sua destituição do cargo de reitor em 1914. Com a chegada ao poder do general Primo de Rivera, em 1923, é desterrado para a ilha de Fuerteventura e após um exílio voluntário em França, só regressa ao seu país em 1930 quando Rivera é forçado a abandonar o poder. Um ano depois com o advento da República recupera o cargo de reitor da Universidade de Salamanca sendo ainda nomeado presidente do Conselho de Instrução Pública e eleito deputado. Desiludido com a República, Unamuno tecer-lhe criticas que lhe vão valer uma nova destituição.

Em 1936 com o rebentar da guerra civil espanhola Unamuno é conduzido de novo ao cargo de reitor da Universidade de Salamanca, agora pela mão dos nacionalistas.

Mas cedo Miguel de Unamuno se posiciona, como já havia feito outras vezes, contra o poder. Desta vez a sua indignação vai no sentido oposto à arrogância, violência e culto da morte dos leais ao general Franco. No dia 12 de Outubro de 1936, na abertura do ano lectivo, Miguel de Unamuno profere o seu famoso discurso “Vencereis mas não Convencereis” em resposta ao discurso do general Millán Astray e ao seu grito de “Abajo la inteligencia! Viva la Muerte!”. Por ordem de Franco é posto em prisão domiciliária. Miguel de Unamuno morre a 31 de Dezembro de 1936, talvez na certeza da imortalidade em que sempre acreditou e defendeu como sentido maior para a existência humana.

Bibliografia: Romance Paz en la Guerra (1897), Niebla (1914), Abel Sánches (1917), La Tia Tula (1921), San Manuel Bueno Martir (1933); Poesia El Cristo de Velasquez (1920); Teatro La Esfinge (1909) El Otro (1926) El Hermano Juan o el Mundo es Teatro (1934) Ensaios En Torno al Casticismo (1895) Contra Esto y Aquello (1912); Livros de Viagens Por Tierras de Portugal y España (1911) Andanzas y Visiones Españolas (1922); Obras Filosóficas La Vida de D. Quijote y Sancho (1905), Del Sentimiento Trágico de La Vida (1913), La Agonia del Cristianismo (1925).

Um Homem. Júlia Yañez era a mulher mais bela de Renada e a fama da sua beleza era conhecida também fora da cidade. O pai, D. Vitório Yañez, encontra-se arruinado e deposita na filha todas as esperanças de recuperação financeira, casando-a com um homem rico. Inicialmente Júlia insurge-se contra esse desejo e só mais tarde compreende que casar é a única forma de se libertar da casa paterna. Alexandre Gómez, um rico indiano de origem desconhecida e imensa fortuna, regressa a Espanha e pretende casar com Júlia. Mas quem é afinal Alexandre?»

Eugénia Sousa
Florinda Baptista

 

 

 

Novidades

EUROPA-AMÉRICA. A Olho Nu - Viagens em Busca da Espécie Humana de Desmond Morris. O conhecido autor de O Macaco Nu e O Zoo Humano conduz-nos numa viagem, ao longo de três décadas, em busca da nossa espécie. Num misto de literatura de viagem, autobiografia e estudo antropológico entramos com Desmond Morris nos bordéis de Malta, nos restaurantes de Lanzarote, percorremos a zona dos gangs em Los Angeles e conhecemos as casas de gueixas no Japão. Encontramos Stanley Kubrick, Anthony Burgess, David Attenborough e Marlon Brando. Onde quer que a espécie se encontre o autor lá estará... arrebatador e divertido A Olho Nu é sem dúvida uma das melhores propostas de leitura deste Verão.

 

PIAGET. Compreender as Emoções de Keith Oatley e Jenniffer M. Jenkins. A obra estende-se por uma vasta área de disciplinas implicando todo o ciclo da vida. Pensado como manual de cursos universitários o texto está devidamente apoiado por introduções, resumos, sugestões de leitura, bibliografia, índices e glossário. «O seu tema principal assenta no facto das emoções possuírem funções: estabelecem prioridades entre as nossas preocupações e proporcionam a estrutura subjacente às relações sociais desde a afectividade na infância, passando pelo calor da vida familiar e das amizades, até à excitação da sexualidade.» Um livro incontornável para todos aqueles que se interessam pelas emoções.

 

ASA. 101 Jogos Dramáticos de Paul Rooyackers. «Todos gostamos de fugir à realidade de tempos a tempos e fingir que somos outra pessoa. Neste jogo encontrará ideias divertidas que incentivam crianças e adultos a explorarem o seu lado mais teatral, para se descobrirem a si próprios, o que querem ser e o que são capazes de fazer. Estes jogos assentam na improvisação e destinam-se a encorajar o envolvimento e cooperação em grupo».

 

 

 

BOCAS DO GALINHEIRO

O feitiço da lua

Como cita Luis Gasca em “Cine y Ciencia Ficción”, “conserva cuidadosamente estas notas sobre o meu livro ‘Da Terra à Lua’, pois verás os homens ir à Lua, e poderás dar-te conta da realidade dos meus escritos”. Muitos anos depois, o jubilado presidente do Tribunal de Toulon, Jean-Jules Verne, revelou estas últimas palavras do seu avô, o novelista Jules Verne, poucas horas depois do lançamento da Apollo VIII, para a sua viagem de 768.000 quilómetros à volta da Lua para um regresso feliz à Terra. Avisadas estas palavras do mestre. A atracção que o nosso satélite exerce sobre nós terráqueos, vem de longe. Em termos cinematográficos em 2002 cumpriram-se 100 anos sobre a mítica película “Viagem à Lua”(na foto), inspirada em Jules Verne e H.G. Welles e, segundo alguns, numa opereta de Offenbach com o mesmo título. É, sem dúvida, a obra mais célebre de Georges Méliès (1861-1938). “Jules Marey e os irmãos Lumiére criaram o movimento, Méliès foi o primeiro a soltar a fantasia” (Paul Gilson). Méliès antecipou-se, pois, sessenta e sete anos a Neil Armstrong e Edwin Aldrin pisarem a lua. Ofereceu-nos uma fascinante Lua, criando o primeiro grande filme da propagada ficção cientifica, com imagens de uma simpática lua atingida no olho por um foguete tripulado, disparado por um canhão, levando a bordo cientistas, que descobrem assim um local maravilhoso, mas que se torna hostil o que os obriga a regressarem ao nosso planeta. Portanto, um filme que já possui “uma estrutura dramática”. Méliès foi um criador incontestado do espectáculo cinematográfico, carregado de precisão mecânica. Da sua filmografia constam mais de 500 títulos. Vencido pelos magnates da indústria de filmes, encontrava-se entre 1925 e 1938 a vender brinquedos num modesto quiosque. Mas, anteviu, como ninguém, as possibilidades fantásticas na nova invenção, o cinema.

Dava assim, Méliès início a uma longa lista de filmes, aos quais se convencionou chamar de “ficção científica” e cujo cenário principal, nos primeiros tempos, foi a Lua, que culminaram com “2001 – Odisseia no Espaço”, de Stanley Kubrick, que deu o pontapé de saída para uma nova série imparável, cuja evolução é notória, como não podia deixar de ser.

Mas, não podemos esquecer os pioneiros. Em 1905, Ferdinand Zecca um actor de café-concerto, realiza e supervisiona “Rêve à la Lune”, e no ano seguinte dirige com o espanhol Segundo de Chomón “Excursion à la Lune”. Também os britânicos não ficaram indiferentes a Méliès e Percy Stow dirige em 1909 a modesta produção “When the Man in the Moon Seeks a Wife”. “A Mulher na Lua” (1929), foi a derradeira obra do cineasta alemão Fritz Lang no cinema mudo, a partir de um romance da sua mulher Thea von Harbou. A obra para a qual Lang inventou a contagem decrescente e põe em prática as teorias aeronáuticas da época. Os belos planos que Lang consegue da chegada da aeronave e da sua partida da Lua, são de antologia.

“A conquista da Lua” (1950) dirigido por Irving Pichel, segundo uma história de Robert A Heinlein, com colaboração preciosa do húngaro George Pal, abriu as portas à aceitação mundial de um novo tipo de produção, quer pela pintura dos décors, quer pelas excelentes trucagens e uma série de efeitos especiais jamais vistos até então.

Byron Haskin, é um brilhante chefe operador que se torna director após ter conseguido excelentes efeitos especiais na adaptação da novela de Welles “A Guerra dos Mundos” (1953). Mas apesar disso a sua obra “From the Earth to the Moon” (1958) passou pelo grande público sem glória, mesmo com as trucagens muito aplaudidas.

Nos anos 60, vindos de Inglaterra, surgem uma série de filmes menores nos quais os astronautas são do sexo feminino, as histórias eram vagamente inspiradas em Jules Verne e Welles, como “Jules Verne’s Rocket to the Moon”, de Don Sharp, “Twelve to the Moon”, de David Bradley, ou “Spaceflight IC-1”, de Bernard Knowles. Richard Lester, antes de descobrir cinematograficamente os Beatles, filma em 1962 “Mouse on the Moon”, uma comédia com um ou outro detalhe humorístico original, como os vinhos da velha duquesa (Margaret Rutherford) a servirem de carburante para a ascensão do foguete interplanetário.

Mas o humor nas viagens espaciais parece ter conseguido pouco êxito, casos de “Moon Pilot” (1962), James Neilson, “The Road to Hong Kong” (1962), de Norman Panama, uma das últimas “road picture “, com Bob Hope e Bing Crosby, e com um cheirinho de Peter Sellers e Dorothy Lamour, ela que foi a alma da série. Apenas em “Way...Way Out”, (1966), de Gordon Douglas, Jerry Lewis consegue uma boa dose de comicidade na sua viagem à Lua com a astronauta sexy, Connie Stevens.

Dignos de nota são ainda a produção polaca-alemã que Kurt Maetzig roda em 1960, “Milczaca Gwiazda”, baseado num conto de Stanislav Lem, obra interessante e que escapa às vulgares produções americanas. “Ikarie XB 1”, de Jindrich Polak (1962), outra viagem situada num futuro remoto, é considerada a obra prima do cinema de ficção científica checa e “Os Primeiros Homens na Lua”que Naten H. Juran, arquitecto de formação, realiza em 1964, e que se pode considerar uma satisfatória adaptação de H. G. Welles e à qual imprime uma boa dose de humor.

1968 é o ano de Stanley Kubrick com”2001 – Odisseia no Espaço”. Na grande tradição das utopias de Jules Verne, H.G. Welles e A E. Van Vogt, este filme, que faz da ficção científica cinematográfica um género maior, abre, no dizer de Jacques Goinard “ um caminho real para uma apreensão crítica do futuro”.

Depois de 2001 outros filmes de ficção científica apareceram explorando o nosso satélite e o tema das viagens à Lua. Lembramos aqui “Countdown” (1968), de Robert Altman, “Moon Zero Two” (1969), de R. W. Baker, “Capricorne One” (1978), de Peter Hyams, “Innerspace” (1987), de Joe Dante, “Apollo 13” (1995), de Ron Howard e ainda esse fabulosa “Space Cowboys” (2001), de Clint Eastwood. Porém o fascínio da Lua começa a perder para viagens mais longas, no espaço e no tempo. Porém, uma coisa é certa: por trás, inevitavelmente, o mito da viagem, ainda e sempre à Lua. Aceitam-se inscrições!

Luís Dinis da Rosa
com Joaquim Cabeças

 


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