Director: João Ruivo    Publicação Mensal    Ano VI    Nº64    Junho 2003

Entrevista

CORREIA DE CAMPOS, EX-MINISTRO DA SAÚDE

"Houve atitudes criminosas na saúde"

Correia de Campos, ex-ministro da Saúde do Governo de António Guterres, professor catedrático em Economia da Saúde, considera que no passado se tomaram atitudes «criminosas» para com o ensino da saúde em Portugal. Atitudes que levaram a que o País hoje tenha falta de profissionais (médicos, enfermeiros e técnicos formados naquela área) no activo. Correia de Campos dá o exemplo, quando recorda que na década de 80 pouco mais de 100 alunos tinham direito a entrar nas universidades de medicina.

Em entrevista ao Ensino Magazine, Correia de Campos dá o seu parecer sobre a integração das escolas superiores de enfermagem nos institutos politécnicos e universidades. De caminho explica que o facto dos hospitais terem gestão privada, não lhes retira o estatuto de utilidade pública. A conversa com o antigo ministro da Saúde foi feita em Castelo Branco, durante as comemorações dos 55 anos da Escola Superior de Saúde Dr. Lopes Dias.

A integração das Escolas Superiores de Enfermagem nos Institutos Politécnicos e Universidades foi o caminho correcto para a progressão do ensino daquela área em Portugal?

Foi o caminho realizado. As escolas de enfermagem tiveram um percurso natural, primeiro instalaram-se junto aos hospitais centrais, depois, à medida que se criaram hospitais distritais foram-se criando novas escolas distritais de enfermagem, embora Castelo Branco seja uma excepção pois a escola já existia. Esse esforço fez-se paulatinamente, nos anos de 60 a 80, mas a certa altura o sistema de ensino evoluiu e houve necessidade de acolher as escolas de enfermagem nas instituições técnicas superiores de saúde dentro do sistema normal de ensino.

A aposta foi, portanto, numa lógica ocidental em detrimento do que era feito, por exemplo, nos países de leste...

Há países em que o sistema de ensino da saúde é separado do sistema da educação, como acontece nos países de leste, mas em Portugal a alternativa teria que ser a optada por os outros países do ocidente. Escolhido esse caminho, teve que se encontrar a via institucional e existindo os Institutos Politécnicos, não havia outra alternativa. É evidente que esta passagem não se fez sem dificuldades. Nos distritos em que as escolas de enfermagem eram relativamente frágeis e onde não havia escolas técnicas de serviços de saúde, o processo foi mais fácil. Nos outros locais onde co-habitavam as duas escolas, ambas com muita qualificação, as dificuldades existiram e existem.

Castelo Branco deu o exemplo com a transformação de uma escola de enfermagem em Escola Superior de Saúde, aparecendo, por conseguinte mais valências. É essa a aposta que deve ser seguida no País?

Cada uma das escolas tem as suas especificidades. A formação de enfermagem visa ensinar a cuidar dos pacientes, as escolas superiores de saúde visam discutir as técnicas e os métodos que as novas tecnologias trazem ao funcionamento do sistema de saúde, desde as técnicas analíticas, de imagem ou de medicina de reabilitação.

Mas essas são áreas onde o País está deficitário...

Muito deficitário e onde vai haver muito progresso e muita necessidade de profissionais, como em áreas como a fisioterapia, ou outras profissões ligadas à fase mais avançada da vida como seja a animação cultural e social.

Na área da Saúde há falta de técnicos superiores. Deveriam aumentar-se os «numerus clausus» nesses cursos?

Há falta de enfermeiros e de técnicos superiores de saúde. Entre 1997 e 2001 fez-se um grande esforço para aumentar os ritmos de formação do pessoal médico, e de técnicos superiores. E a passagem das escolas de enfermagem para a rede de ensino teve a vantagem de aumentar a sua lotação. No passado elas produziam turmas de 25 alunos. No início da década de 80 houve um esforço para as escolas de enfermagem aumentarem a sua formação para dois cursos por ano, mas em 1984, criminosamente houve uma redução forçada no número de turmas. Felizmente que a integração das escolas no sistema de ensino veio aumentar o número de formandos.

E ao nível da medicina, porque é que não há mais médicos em Portugal?

A razão é a mesma! Em 1986 chegou-se ao ponto de se admitirem apenas 195 alunos nas cinco escolas médicas existentes no País. Facto que eu classifico como criminoso. Ou seja, houve uma conjugação de pressões e de interesses conjugados, perfeitamente míopes, entre as escolas e os profissionais. Uma atitude que não teve em conta os interesses nacionais, pois consideravam que havia médicos a mais, esquecendo-se que quando entram apenas 195 alunos em 1986, significa que 14 anos depois surgiria uma grande falta de médicos, sobretudo médicos de família. Situação absolutamente dramática, que demonstra um desrespeito e desinteresse cívico para com a sociedade nacional.

Enquanto Ministro da Saúde essa foi uma situação difícil de ultrapassar?

No tempo da minha antecessora, Maria de Belém, e do ministro Marçal Grilo, na Educação, foi feito um grande esforço, com um protocolo muito rígido. Quando entraram para o Governo, em 1995, havia cerca de 600 alunos nos primeiros anos das faculdades de medicina e quando saíram havia 1035. Isso revela o esforço que foi feito.

No Interior do País há uma faculdade de ciências da Saúde, várias escolas de enfermagem e de saúde e diferentes unidades hospitalares. O facto dessas instituições estarem relativamente próximas umas das outras, poderá ser uma mais valia na área da formação?

Concerteza. Por exemplo, o hospital que está mais próximo da Faculdade de Ciências da Saúde, o centro hospitalar da Cova da Beira, é muito pequeno e a própria casuística da Região é muito pequena. Repare que há 600 partos por ano, o que não é suficiente para a formação em obstetrícia ou ginecologia, pelo que a Faculdade terá que recorrer às outras unidades de saúde, como Castelo Branco e Guarda para fazer essa formação. Ou seja, não é necessário deslocar os hospitais de Castelo Branco ou da Guarda para a Cova da Beira, isso não faria sentido nenhum, pois os hospitais devem estar junto das populações, o que tem sentido é a realização de protocolos entre a faculdade e os hospitais e os centros de saúde.

Mudando um pouco de assunto. O país está confuso no que respeita às gestões dos hospitais. No seu entender, essa gestão deve ser estatal ou privada?

Há espaço para todas as formas de gestão. Mas é importante que se esclareça uma coisa: os hospitais são todos públicos, mesmo aqueles que são construídos em parceria público-privada que resultam de um adiantamento financeiro, durante 30-35 anos do sector privado.

Os hospitais SA são também públicos, apenas são geridos como uma empresa, pelo que não está em causa nenhuma privatização dos hospitais.

Jorge Azevedo

 

 

 

A CARA DA NOTÍCIA

Da Beira ao Ministério

António Fernando Correia de Campos foi Ministro da Saúde no Governo de António Guterres. Natural de Torredeita, tem a sua formação inicial concluída em direito, na Universidade de Coimbra. Professor Catedrático de Economia da Saúde, Correia de Campos foi directeur d’Hôpital, École Nationale de la Santé Publique, Rennes, França, em 1969, tendo ainda como títulos académicos o de Master of Public Health (MPH), School of Hygien and Public Health, The Johns Hopkins University, Baltimore (USA, 1978), e de professor associado desde 1986, professor auxiliar desde 1982, por concursos de provas públicas) ENSP, Universidade Nova de Lisboa.

Ao nível profissional desempenhou diferentes cargos como presidente do Instituto Nacional de Administração (INA) desde 1997; Especialista Sénior do Banco Mundial em Administração de Saúde, entre Outubro de 1992 e Dezembro de 1995; Secretário-Geral do Ministério da Saúde, Portugal, de Setembro de 1978 até Agosto de 1979; Adjunto do Secretário-Geral do Ministério da Saúde de 1973 até 1978; Técnico Superior do Ministério da Saúde desde 1966. 

No domínio da política, Correia de Campos foi Secretário de Estado do Abastecimento, Portugal, no V Governo Provisório, Setembro, 1975; Secretário de Estado da Saúde, Portugal, no V Governo Constitucional, Agosto de 1979 – Janeiro 1980 e Deputado à Assembleia da República (1991-1992). Do seu vasto currículo destacam-se ainda os cargos de Presidente do Conselho Científico do Instituto Europeu de Administração Pública, Maastricht, Países Baixos, triénio 2001-2003; Presidente da Comissão do Livro Branco da Segurança Social, 1996-1998, Portugal; “Co-mission Leader” da primeira Missão do PNUD a Timor, sobre Administração Pública (PAMET), em Fevereiro-Março de 2000; Director de Programas de Ciência e Tecnologia da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento, Lisboa, 1986-1989; Presidente da Associação Portuguesa de Economia da Saúde 1987-1991; e Membro da Comissão Científica de Conferências Europeias sobre Economia da Saúde em Barcelona (1989) e Paris (1992).

É ainda autor de quatro livros sobre economia da saúde, cuidados de saúde a idosos, política de saúde e equidade, e segurança social e co-editor de dois livros sobre economia da saúde, além de ter oitenta artigos publicados em revistas nacionais e internacionais.

 


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