Director: João Ruivo    Publicação Mensal    Ano VI    Nº60    Fevereiro 2003

Entrevista

PAULO RIBEIRO EM ENTREVISTA

De Viseu à Gulbenkian

Paulo Ribeiro, de 44 anos, natural de Lisboa, mas desde sempre ligado aos Rodeios, concelho de Vila Velha de Ródão, distrito de Castelo Branco, considerado um dos melhores coreógrafos portugueses, vai assumir o cargo de director do Ballet Gulbenkian em Setembro próximo, lugar para o qual foi seleccionado entre 63 pessoas de 25 países. Com este salto no seu já reconhecido percurso artístico, deixa atrás de si a Companhia Paulo Ribeiro, residente no Teatro Viriato, em Viseu.

É desta mudança, do que deixa para trás e daquilo que se segue, que fala ao Ensino Magazine numa entrevista onde aborda também o seu próprio percurso e o da Companhia, a formação de públicos e o projecto do Teatro Viriato na cidade de Viseu. Tudo numa conversa mantida aquando da apresentação do espectáculo Tristes Europeus, jouissez sans entraves, em Castelo Branco, no passado mês de Janeiro.

Este espectáculo já passou por vários países, de França à Alemanha e Escócia e também por várias salas portuguesas. “Quando a Companhia estava em Lisboa tínhamos muitos espectáculos. Hoje, o teatro absorve-me muito e resta tempo para criar para a companhia. Mas falta-me o tempo para a divulgação junto dos programadores. Mas estamos sempre em movimento”.

Todo este movimento será agora alterado com a mudança para Lisboa, para abraçar um projecto junto de uma das mais importantes instituições nacionais em termos de produção e divulgação de cultura. “Candidatei-me porque a Gulbenkian tem condições muito interessantes para se trabalhar. Depois porque sou uma pessoa da dança e ali tenho a possibilidade de convidar coreógrafos, além de poder criar. Depois, não gosto de ficar muito tempo nos mesmos sítios. Quando tudo corre bem, é um bom momento para sair. Neste momento, o Viriato está em pleno e era um bom momento para tentar outra coisa”.

A selecção para o cargo revestiu-se ainda de mais importância, quando se sabe que tudo apontava que fosse escolhido um director artístico para o lugar e não um coreógrafo. “A Gulbenkian teve um coreógrafo antes do 25 de Abril, o qual tinha muito valor. Mas desde então foram sempre directores não coreógrafos, mais ligados à produção, como o Jorge Salavisa ou o Iracity Cardoso. Confesso que fiquei muito espantado por ter sido escolhido”.

A entrada será em Setembro, mas já está a preparar a temporada, embora pense que é cedo para falar. “Prefiro falar mais tarde, mas posso dizer desde já que tenho um excelente corpo de intérpretes, excelentes equipas técnica e de produção. Sinto que vou ter muita liberdade e tenho ideias, mas só poderei falar depois”. Para trás fica o Viriato, dirigido a partir de Setembro por Miguel Honrado, uma escolha de Paulo Ribeiro. “Antes de escolher, coloquei a questão ao ministro e ao presidente da Câmara, os quais me deram toda a confiança. Fica assim um director experiente que pode dar continuidade ao projecto, dado que conhece a equipa, conhece o projecto, o meio nacional e internacional”.

 

 

 

APESAR DO PERCURSO INVEJÁVEL

Bailarino por acaso

Paulo Ribeiro é bailarino por acaso. Aquando do 25 de Abril de 74, então com 15 anos, frequentava o 5º Ano do Liceu e a sua vida sofreu uma alteração de vulto, ao partir com os pais para o Brasil, “não por razões políticas, mas por razões económicas”. Já em terras brasileiras fez a sua vida normal, mas foi conhecendo horizontes que lhe permitiriam definir novos rumos.

“Entrei para a Universidade a estudar Psicologia. Fui desportista de alto nível em relação ao judo. Mas não era aquilo que eu queria. Numa vinda a Portugal, de férias, decidi partir para Bruxelas. Lá conheci uma bailarina. Fiz uma aula de dança, duas, três... comecei a ficar enfeitiçado, lancei-me de corpo e alma. Fiquei quatro anos numa escola em Bruxelas, tive a minha primeira experiência profissional e partimos para Lyon”.

Já em Lyon aperfeiçoou a técnica, ficou sete anos, para rumar a Paris, onde esteve sete anos a trabalhar com companhias da nova dança francesa contemporânea. Foi aí que iniciou as primeiras coreografias. Pelo meio vinha de férias a Portugal e foi numa dessas vindas que foi desafiado pela Companhia de Dança de Lisboa para fazer uma peça. Tudo correu bem, seguiu-se Gulbenkian e outros trabalhos, pelo que está a trabalhar em Portugal desde o final dos anos 80.

“Entre 88 e 95 coreografei para as melhores companhias da Europa, desde Geneve à Holanda. Estive sete ou oito anos sem pedir nada a ninguém. Em 95 senti que era o momento de criar uma companhia de autor. Teria mais mão nas minhas obras, podia escolher os intérpretes. Começou tudo em 95”.

Com o surgir desta companhia em nome próprio, Paulo Ribeiro pôde desenvolver a sua própria linguagem, afirmando com maior solidez a sua assinatura enquanto coreógrafo, o que lhe mereceu alguns prémios, nomeadamente com a peça «Rumor de Deuses» (1996), a qual foi destacada com os prémios de «Circulação Nacional» atribuído pelo Instituto Português do Bailado e da Dança e «Circulação Internacional» atribuído pelo Centro Cultural de Courtrai, ambos inseridos no âmbito do concurso «Mudanças 96»; e ainda os seguintes prémios atribuídos nos «V Rencontres Chorégraphiques Internationales de Seine Saint-Denis - 1996»: «Prix d’auteur» atribuído pelo Conseil Général de la Seine Saint-Denis (França); «New Choreography Award» atribuído pelo Bonnie Bird Fund - Laban Centre; «Prix d’Interpretation Collective» atribuído pela ADAMI (França).

Em 1998, Viseu havia de o acolher novamente, desta vez enquanto Director Geral e de Programação do Teatro Viriato / CRAE (Centro Regional das Artes do Espectáculo das Beiras), que obteve, entre outros, em 1999 o Prémio Almada atribuído pelo Instituto Português das Artes do Espectáculo.

CRIATIVIDADE. Uma grande dose de criatividade é algo imprescindível na arte e na vida. “Um ser humano sem cultura e sem criatividade, não sei o que é. Todos precisamos de olhar aquilo que nos rodeia com capacidade analítica, de resolução, precisamos de criatividade para poder avançar. A competição é tão grande e os meios para nos ultrapassarem são tantos que, se uma pessoa não estiver preparada, vai ser completamente deglutido por esta espécie de frenesim exterior”.

ESTUDANTES. Ao chegar a Viseu, algo que custava muito a Paulo Ribeiro era a falta de estudantes entre o público do Teatro Viriato. Algo que hoje mudou. “Hoje, os estudantes começam a procurar muito o Viriato e começam a ser um público, o que me dá muita satisfação”. E apesar da Companhia distinguir muito bem entre trabalho profissional e trabalho amador, há espectáculos em que entram estudantes. “Como somos profissionais, apostamos na qualidade, diversidade e contemporaneidade. Pensamos que se aprende muito vendo. Mas, por vezes, convidamos um coreógrafo, um encenador ou um músico que fazem audições. Com as pessoas que ficam cria-se um objecto artístico ao fim de três semanas. Fazemos isso muitas vezes e resulta muito bem”.

 

 

 

FORMAÇÃO DE PÚBLICOS E ACESSO À CULTURA

Tudo deve começar no berço

A questão da formação de públicos coloca-se hoje em grande parte do território nacional, mas a resposta exige políticas concertadas, estruturadas, que consigam levar as pessoas a optar e a escolher o tipo de espectáculos que mais lhes interessam. “Há espectáculos que vamos ver, rimos, e no dia a seguir não nos lembramos, mas existem outros que nem sabemos se gostámos, mas que no dia, nos meses seguintes ainda nos obrigam a pensar. Assim, ou o público já está formado e vai aos espectáculos porque sabe o que vai ver, ou então tudo tem de começar no berço, nas escolas”.

A diferença sente-se a vários níveis. Paulo Ribeiro entende que Lisboa é diferente do resto do País, precisamente porque as escolas e as próprias famílias têm uma informação diferente, enquanto que, por cá, a ruralidade é um factor que puxa para baixo. “Os pais por vezes, não têm formação nem querem ter, o que os impede de ajudar os filhos a pensar de outra forma. A televisão é uma aberração que piora. Nas escolas, os professores não investem ou não sabem como, até porque as crianças também não vêm bem preparadas de casa”.

Em Viseu, por exemplo, a Companhia dispõe de três pessoas que percorrem as escolas, nas quais desenvolvem pequenas sessões de uma hora a explicar como se programa e porquê, as linhas a que pertence um espectáculo e como se relaciona com os outros. “É certo que tudo depende da vontade política, de não querer encher teatros com mil pessoas a aplaudir, mas sim de criar públicos, sensibilizando-os. O problema é que se investe hoje muito mais em dessensibilizar do que em sensibilizar. Estamos cada vez mais brutos. Para isso basta ver o que abre os telejornais”.

CULTURA. A atenção dada à cultura acaba por ser muito diferente do que acontece noutros países da União, o que tem efeitos na mentalidade do povo português. “Quando chegamos a Portugal temos sempre um baque forte. Estive há dias em Londres a apresentar uma peça. Quando voltei, a primeira coisa que vi foi um taxista a tirar uma mochila a uma japonesa, que queria levar a mochila no banco. Isto é Portugal. Mas há outros exemplos. A arquitectura, por exemplo. Chego à região de Castelo Branco ou a Viseu, que são muito bonitas, e vejo casas horríveis, de estilos importados, própria da mentalidade nova rica ou pato bravo. Isto é um país do desenrasca, com péssimo mau gosto, péssima sensibilidade”.

A ideia passará hoje por contrariar esta mentalidade de trabalhar para enriquecer e não para viver. “Isto é um desespero e prefiro não pensar muito nisso porque me irrito profundamente com este tipo de mentalidade”. Por seu lado, tenta inverter mentalidades através dos espectáculos produzidos e apresentados ou simplesmente apresentados em Viseu, os quais têm dado frutos. Frutos esses que surgem também devido aos contactos com a rede nacional e internacional, os quais surgiram porque a companhia já tinha alguma visibilidade quando partiu de Lisboa para Viseu.

A entrada nessa rede não é porém algo muito complicado. “Se a direcção deste teatro couber a alguém como a Maria João Pires, será diferente de estar entregue a uma pessoa desconhecida. A partir daí, a visibilidade e mobilidade deste teatro será muito maior”. Depois vem a programação. “Em cada ano pensamos muito bem quantos espectáculo de dança e de teatro vamos ter e porquê. As nossas parcerias resultam dessa programação. O Ricardo Pais estreou o Hamlet em Viseu, apesar de ser uma co-produção com o Teatro de S. João, no Porto, e com o D. Maria, em Lisboa. Temos recursos modestos, mas conseguimos capitalizá-los”.

 

 

 

A EXPERIÊNCIA DO TEATRO VIRIATO

Uma evolução deve ser pensada

Até Setembro, Paulo Ribeiro continuará a colaborar com a Companhia Paulo Ribeiro, companhia residente no Teatro Viriato, em Viseu, para onde rumou há cerca de oito anos, depois de ter passado por Bruxelas, Paris e Lisboa. “Inicialmente, a companhia estava sedeada em Lisboa. Eu fazia as peças e vendíamos 50 a 60 espectáculos pelo mundo fora, de Nova Iorque a Paris. Mas sempre achei que Portugal não poderia continuar a dividir-se artisticamente entre Lisboa e Porto e o resto do País, pelo que era preciso fazer algo”.

Por carolice, decidiu então procurar um local do Interior a partir de onde pudessem sair espectáculos de qualidade. “No meu espírito de missionário, procurei teatros que estivessem operacionais. Em Viseu, o Viriato estava reconstruído mas não funcionava. Em 96 elaborei o projecto, entreguei-o ao ministro Manuel Maria Carrilho e ao presidente da Câmara de Viseu, Fernando Ruas. Em 98 foi assinado o protocolo que criava o centro regional, a instalação da companhia e a organização do teatro como uma estrutura independente”.

Faltava então o equipamento de som e luzes, além dos recursos humanos, o que seria resolvido entre Julho e Janeiro. “Entrevistámos cerca de 200 pessoas, formámos pessoas e programámos espectáculos até final do ano de 99. Foram noitadas e noitadas”. Estava lançado um projecto ao nível do Interior, talvez um Interior ainda mais afastado dos grandes centros do que propriamente Castelo Branco, onde Paulo Ribeiro estudou. “De Lisboa para Castelo Branco vem-se de comboio. De Lisboa para Viseu não”.

O factor geográfico era uma limitação, mas isso não impediu um investimento na cultura, o qual foi e está a ser feito “de forma consequente. Não apresenta um espectáculo e acabou. Investe-se começando por dar formação em ateliers, workshops, entre outros, sensibilizam-se os mais novos. Passados cinco anos, temos um público que entrou no teatro de forma infantil, muito jovem, o qual se deixou sensibilizar por ateliers pedagógicos, pequenas aulas de dança e sessões de sensibilização à actividade teatral. Hoje, esses jovens vão ao teatro, têm sentido crítico, analisam o que vêem, dão-se conta da importância da criatividade para a vida”.

Hoje o Viriato está também na rota dos grandes espectáculos. “São mais os espectáculos que vão de fora do que os que nascem lá. Os que nascem são os da Companhia, muitas vezes em co-produção com outros teatros nacionais e internacionais. Há pessoas que se deslocam do Porto e de Lisboa para assistirem a espectáculos em Viseu. Este ano houve uma companhia de Barcelona que estreou em Viseu, uma estreia que contou com programadores de toda a Europa”.

 


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