MONIZ PEREIRA ANALISA
SITUAÇÃO DO ATLETISMO
"O País está
futebolizado"

Moniz Pereira, treinador de Atletismo e que orientou muitos dos maiores campeões portugueses do Atletismo acredita que outros poderão surgir. Em entrevista exclusiva ao «Ensino Magazine», explica que o país nunca teve tantos bons jovens valores na modalidade como actualmente.
Reconhece que há mais e melhores estruturas de apoio mas no interior há atletas em início de actividade impossibilitados de singrarem por falta de condições para a praticarem.
Moniz Pereira critica o excesso de atenção que Portugal concede ao futebol até porque, como lembra, é o atletismo que sempre tem dado mais medalhas e mais vezes fez subir a bandeira nacional.
Os portugueses praticam hoje mais desporto do que há anos atrás?
Infelizmente, creio que não. A sensibilidade para a importância de praticarem desporto não aumentou, apesar de existirem actualmente melhores infra-estruturas, em termos de pistas, campos e outros equipamentos do que sucedia quando me iniciei no atletismo. No nosso país, falta uma cultura desportiva implementada, sólida e capaz de motivar as pessoas para a actividade física. É um problema que se tem arrastado ao longo dos anos e nada indica que se solucione num prazo razoável. Tudo passa por uma alteração de mentalidades e pela população compreender que não se pode limitar a assistir a espectáculos desportivos pela televisão ou mesmo nos estádios. Também deve participar na prática desportiva, o que só lhe traz vantagens do ponto de vista da sua saúde física e mental. Mas, está instalado um certo comodismo que tarda em começar a ser eliminado e que contraria aquilo que, inclusivamente, muita gente admite como uma necessidade ou um benefício mas poucos agem em conformidade.
O Atletismo é a modalidade que deu mais medalhas a Portugal. Rosa Mota, Fernanda Ribeiro e Carlos Lopes são apenas alguns exemplos. Há, por isso, mais jovens a praticarem-na?
Certamente. Um campeão é sempre a melhor propaganda da modalidade, disso não tenho dúvidas. Os mais novos têm, de facto, nesses medalhados e em muitos outros antes deles, modelos que tentam seguir. Os jovens sentem-se incentivados a se iniciarem no Atletismo e muitos fazem-no com sacrifícios pessoais e profissionais significativos. Na verdade, é-lhes exigido um grande esforço e de forma continuada. E não é fácil, já que hoje não faltam as solicitações de inúmeras actividades atractivas para passarem os tempos livres. A cultura do facilitismo que domina cada vez mais não é compatível com as dificuldades e o esforço que os atletas têm de realizar se pretenderem alcançar bons resultados. A vontade e a motivação para vencerem obstáculos e uma grande dose de dedicação são condições à partida indispensáveis para alcançarem metas de desenvolvimento desportivo.
Como avalia a acção desempenhada pelas autarquias e Poder Central no sentido de dotar o país de melhores condições para o Atletismo?
De facto, têm-se verificado melhorias que são muito positivas. A Federação Portuguesa de Atletismo tem apoiado o desenvolvimento da modalidade, no quadro das suas capacidades. Por outro lado, há cada vez mais câmaras municipais a
construírem pistas e demais infra-estruturas adequadas a este desporto. Destaca-se como excelentes exemplos a seguir os da Maia e de alguns concelhos do Algarve. É uma aposta que vale a pena e que pode atrair a esses municípios muito visitantes com os benefícios que daí advirão para as respectivas regiões. Apesar dos progressos, não devemos ignorar que há ainda muito por fazer em todo o país. Por Portugal inteiro, existem jovens de grande valor, com potencialidades por explorar que estão impossibilitados de progredirem na modalidade se não se deslocarem aos locais onde há as necessárias condições para o atletismo. É um problema sobretudo das zonas do interior e que tem de começar a ser resolvido para bem do desporto nacional. Inclusivamente, o nosso país pode vir a ter campeões em especialidades que exigem maiores estruturas técnicas, de equipamentos e instalações, assim estas sejam disponibilizadas. Repare-se que muitos dos medalhados portugueses em Atletismo limitaram-se a treinar em estradas, parques e noutros locais com poucas ou nenhumas infra-estruturas de apoio. A modalidade tem sido das que exige menores investimentos e é aquela que proporciona ao país melhores resultados.
Apesar disso, acredita nos jovens valores da modalidade?
Sem dúvida. Portugal nunca teve tantos bons valores no Atletismo como actualmente. São jovens que se esforçam bastante para continuarem a sua actividade desportiva e progredirem até atingirem níveis elevados de rendimento. Creio, convictamente, que da vaga actual poderão vir a nascer novos campeões para o país, se forem devidamente apoiados e estimulados. É preciso reforçar as ajudas para que tal seja, efectivamente, uma realidade.
No decurso diário da minha actividade, verifico que abunda a qualidade dos jovens atletas e isso deixa-me, naturalmente, muito satisfeito e confiante na evolução muito positiva que poderão percorrer.
Está optimista em relação ao futuro?
Ao da modalidade, com certeza. Mas, também estou apreensivo em relação à subalternização do Atletismo face ao Futebol. As preocupações de Portugal centram-se, praticamente, em exclusivo na organização do Euro 2004, quando os Jogos Olímpicos são, em termos de desporto internacional, um evento bastante mais importante. Aliás, neste momento, não vejo que esteja a ser feito nada de muito visível, no que se refere à preparação dos nossos representantes nesses Jogos, o que considero ser prejudicial e nada animador. É necessário que a tendência actual mude. O país está futebolizado de uma forma inacreditável. Qualquer um dos jornais desportivos dedica cerca de 39 páginas ao Futebol e 5 ou 6 às restantes modalidades, onde se inclui o Atletismo. E o pior é que grande parte desse espaço concedido em exagero ao Futebol, é preenchido com pormenores minúsculos sem interesse mesmo para quem seja apaixonado pelo dito “desporto-rei”, como, por exemplo, com os golos marcados nos treinos das equipas.
Os portugueses exigem demais dos seus atletas, ao pedirem-lhes sempre medalhas?
Isso acontece, pelo menos, com a imprensa nacional. É habitual que os nossos jornais contenham notícias sobre campeonatos europeus e mundiais de Atletismo, salientando o facto dos representantes portugueses não terem obtido medalhas, quando não chegam ao pódio. Com frequência, um quarto ou quinto lugar já poderá ser muito bom para determinados atletas, tendo até em consideração que os outros adversários também têm grande valor e são altamente competitivos. Mas, a comunicação social portuguesa, em vez de valorizar as conquistas possíveis – por exemplo, de se baterem “records” nacionais – opta por destacar derrotas que assim são encaradas em função de expectativas desmedidas e exageradas criadas, mas não tendo em conta as realidades concretas e objectivas. É lamentável que tal suceda. Penso que a imprensa nacional deve alterar rapidamente esta forma de análise e passar a, efectivamente, apoiar mais a modalidade e os atletas. Trata-se de uma função muito relevante que têm de desempenhar e que não devem renegar.
Qual é a sua receita para ter conseguido como “fazer” tantos atletas campeões?
Essencialmente, tudo se concretiza através de trabalho e mais trabalho, muita dedicação, um grande esforço e paixão pelo que se faz. São “condimentos” fundamentais que tenho sempre utilizado na minha acção e a que continuo a recorrer. Os resultados estão à vista. Não conheço nenhuns outros segredos para se obterem bons níveis de rendimento dos atletas. Se se conjugarem um conjunto muito diversificado de factores e de esforços, quer de entidades oficiais, quer de organismos ligados especificamente ao mundo do Desporto e do Atletismo, Portugal poderá continuar a “marcar posições” invejáveis no panorama internacional da modalidade. Esta tem levado o nome do nosso país além fronteiras, projectando-o e fazendo muito pela sua imagem externa.

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