FRANCISCO FERREIRA, DA
DIRECÇÃO DA QUERCUS
Portugal é um País
desordenado

População a mais no litoral e a menos no interior, desertificação de solos e pouca eficiência energética e da água são alguns dos principais problemas ambientais portugueses. Foram apontados ao «Ensino Magazine», numa entrevista exclusiva, por Francisco Ferreira, membro da Direcção da Associação para a Defesa da Natureza – Quercus e o seu “rosto” mais mediático.
Na sua perspectiva, o ordenamento do território continua a ser o maior “calcanhar de Aquiles” da política para o sector. Mas, avisa, os portugueses têm de se comportar melhor para terem um ambiente de maior qualidade.
Quais são os principais problemas ambientais de Portugal?
Um dos mais preocupantes que continua sem resolução respeita ao ordenamento do território do país. Portugal está excessivamente concentrado na sua faixa litoral, que está cada vez mais descaracterizada. Surgem aí problemas de alguma gravidade de transportes, infra-estruturas, trânsito e qualidade de vida, enquanto o interior se mantém na desertificação humana. O nosso país é desordenado e isso tem profundas implicações negativas na vida dos seus cidadãos.
Pode não ser só humana…
Sem dúvida. O problema do aumento gradual das temperaturas deve ser uma preocupação dos responsáveis oficiais e das populações. Em muitos locais, opta-se pela construção de barragens quando esse não é o melhor caminho a seguir. Por outro lado e aqui voltamos à questão do ordenamento, o país não tem a noção exacta e correcta de qual a utilização que deve ser dada às diversas áreas do seu território. É necessário determinar com rigor quais os usos do solo mais adequados.
Finalmente, já estão elaborados Planos de Combate à Desertificação, que continuam sem serem colocados em prática, sem que se compreenda as razões disso.
Portugal tem de estar atento à evolução da situação a este nível e precaver-se para que não se depare com problemas de grande gravidade em termos de desertificação de solos. Isto, claro, sem esquecer a humana, porque o país não suportará a permanente e continuada sangria de populações do interior para as zonas do Litoral, asfixiando este e mantendo o primeiro com dificuldades crescentemente maiores.
Qual a situação do nosso país ao nível dos recursos hídricos?
Uma das principais questões que se colocam, a esse nível, é a de existirem muitas entidades com competências na matéria. Por outro lado, os resultados dos investimentos que têm sido realizados são muito poucos face às apostas que os poderes políticos afirmam empenhados em levar à prática. Há estações de tratamento de águas que não estão a funcionar nas devidas condições. É uma situação que urge alterar.
Em termos legislativos, a directiva-quadro da Água, elaborada pela União Europeia continua por aplicar.
Em Portugal, constroem-se barragens sem se avaliar as consequências que podem ter para o meio ambiente e para o Homem. Para além disso, existem muitas praias fluviais, nomeadamente nas áreas do interior do país, cuja água não tem os níveis de qualidade desejáveis.
Os portugueses aproveitam a água racional e eficazmente?
Em termos genéricos, não! Repare-se que cerca de 85 por cento da água é utilizada para fins agrícolas e as perdas são de metade. Tal significa que há óbvios problemas muito sérios de eficiência. Os desperdícios verificam-se também na Indústria e no uso que os particulares fazem de um recurso como este, que é cada vez mais valioso. A mesma situação ocorre com a energia, cuja eficiência em Portugal é bastante diminuta. Muitas casas não se encontram adequadamente isoladas e isso leva que seja necessária mais recursos energéticos para as aquecer ou arrefecer. Há um problema de base relativo ao tipo de construção dos edifícios e de regulamentação legal.
De que forma será possível inverter a situação nos dois domínios?
Tudo passa, na minha perspectiva, antes de mais, por actuar na área da prevenção. Tem de se apostar fortemente na educação ambiental, numa linha de promover a mudança de mentalidades e sobretudo de comportamentos não apenas dos jovens – por vezes, coloca-se um enfoque excessivo neste grupo – mas em todas as faixas etárias e sociais. Os problemas ambientais afectam toda a gente e é preciso que a população tome consciência de que assim é.
Penso que se registou uma evolução positiva do modo como os portugueses encaram esses problemas, mas é mais ao nível da percepção dos mesmos do que em termos de actuações concretas. Existe uma incoerência dos portugueses entre aquilo que até pensam e os actos que praticam: concordam com os automóveis for a das grandes cidades, mas levam-nos para o local de trabalho; em tese defendem que os resíduos sólidos devem ser colocados nos recipientes adequados, mas continuam a deitar lixo para as ruas, as praias e outros locais.
No entanto, se os aspectos preventivos são essenciais, na minha óptica, também não se pode deixar de considerar a necessidade de incrementar as acções de fiscalização tendentes ao respeito e cumprimento da legislação em vigor.
O elemento económico tem, igualmente, a capacidade de ser impeditivo de comportamentos errados. Se os cidadãos pagarem mais pela água que consomem, por exemplo, não a desperdiçarão tanto.
O princípio do “poluidor-pagador” assume, neste âmbito, uma função com efeitos positivos para se conseguir um maior respeito pelo ambiente que é missão de todos defenderem.
Isto sem esquecer a relevância de se transmitir bastante mais informação à população.
A Quercus tem exercido essa função?
Temos procurado fazê-lo o mais amplamente possível, obviamente, dentro das limitações com que nos deparamos. Nesta área, a prioridade que temos colocado centra-se não tanto no contacto directo com os alunos, mas antes na formação ambiental dos professores, numa perspectiva de os sensibilizar para a importância de abordarem as temáticas do ambiente no ensino que ministram. É uma iniciativa tanto mais relevante quanto se verifica, hoje, que a sociedade portuguesa revela um grande “deficit” de conhecimentos em questões tão simples, como a das alterações climáticas. A confusão entre estas modificações e o problema da camada de ozono da atmosfera é mais do que muita.
A questão das mudanças climáticas assume alguma gravidade no caso português?
O que se pode afirmar é que há algumas razões para preocupação, embora a situação tenha vindo a evoluir de forma positiva. A comunicação social nacional apresentou recentemente um trabalho catastrofista sobre o impacto em Portugal de uma subida dos níveis das águas. Sucede que só é possível elaborar previsões com dados rigorosos e credíveis para um período temporal de 100 anos. Se nesse tempo, as águas subirem 88 centímetros como poderá suceder, o país não desaparecerá, mas muitas das suas praias certamente deixarão de existir. É um problema que não sendo actualmente grave, importa ser discutido aprofundadamente para que se intervenha atempadamente com as medidas que se
concluírem ser mais adequadas. É preciso estimular os portugueses a adoptarem uma atitude pró-activa, de actuações concretas em vez de se ficarem em posicionamentos meramente passivos e desaconselháveis por completo.
De que forma avalia as medidas que o Governo tem adoptado para o sector ambiental?
É indubitável que o ambiente assume actualmente componentes muito mais presentes e mediáticas do que sucedia no passado. Mas, o Executivo, na minha perspectiva, tem actuado sobretudo em termos da resolução de determinados problemas que podemos considerar como primários e que de há muito tempo já deveriam ter sido solucionados, como é o caso do problema do abastecimento de água e das respectivas estações de tratamento.
São questões que, sendo importantes para as populações, se inserem naquilo que se designa por “problemas ambientais de 1ª geração”.
Por outro lado, faltam concretizar mudanças de fundo nalgumas áreas. O caso do ordenamento do Litoral é um bom exemplo disso mesmo. Estão elaborados alguns bons planos, mas quando se chega à fase de os concretizar, tudo é diferente e tarda a implementação das medidas previstas.
Os Planos de Ordenamento da Orla Costeira pretendem ser um instrumento central para conferir uma correcta estruturação desses espaços. No entanto, há um vasto conjunto de acções concretas que ainda não foram colocadas em prática, o que se revela como absolutamente indispensável. Em matéria
ambiental, há ainda muito por fazer, apesar de reconhecer que têm-se registado melhorias ao longo dos últimos anos.
Como avalia os cursos de nível superior na área das Ciências Ambientais?
Correspondem a uma necessidade do país em ter recursos humanos qualificados no domínio ambiental e que dão um contributo essencial para que esta área adquira uma relevância crescente em Portugal. Em termos genéricos, ministram uma formação que se revela extremamente importante dentro de uma estratégia de fundo de desenvolvimento do país com preocupações paralelas pelo Ambiente. Permitem formar especialistas que intervirão no ambiente de Portugal com conhecimentos técnicos e científicos apropriados, de forma que, ao contrário do que sucedeu no passado, não se cometam atentados por impreparação dos responsáveis ou desconhecimento de quem tem o poder e a competência de agir no domínio
ambiental.

Jorge Azevedo (texto)
Pedro Cardoso (foto)
CARA DA NOTÍCIA
A voz do bom senso
Francisco Ferreira é o “rosto” mais mediático da Quercus. Muitos portugueses conhecem as posições e actuações desta associação ambientalista pelas suas aparições na comunicação social.
Este engenheiro pauta as suas afirmações, regra geral, pela recusa do “fundamentalismo ambiental” e rejeição de radicalismos que nada contribuem para melhorar aquela que é a “casa” de todos nós.
Simples e compreensível nas explicações dos problemas, ágil na apresentação de propostas de resolução, Francisco Ferreira traçou ao «Ensino Magazine» um quadro realista da situação do país, em termos ambientais. Um panorama impregnado de bom senso e onde as críticas à actuação das entidades oficiais são intermediadas pelas referências positivas e aplausos naquilo que considera como susceptível de palavras elogiosas.
Nas posições que adopta, é visível o conhecimento aprofundado e técnico das questões e uma linha de rumo que podendo ser rebatida por quem pense de outras formas é reconhecidamente coerente.
Com boa parte da sua vida dedicada ao ambiente, Francisco Ferreira deixa alertas aos portugueses que diz hoje estão mais sensibilizados e atentos aos problemas do sector do que antes. Uma evolução que “sabe a pouco”. Há sempre mais…muito mais por fazer. Enquanto as ruas tiverem lixo, o ar poluído e as águas forem usadas como se de um recurso ilimitado fossem, não se pode descansar.
Se olharmos para as crianças que vão crescendo ao nosso lado e pensarmos como seria bom viverem num mundo mais limpo (a todos os níveis), talvez todos façamos um pouco mais pelo ambiente. É que, tal como salientou Francisco Ferreira, as questões ambientais ligam-se antes de tudo com as mentalidades, com a forma de encarar os problemas.

J.A.
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