Director: João Ruivo    Publicação Mensal    Ano V    Nº56    Outubro 2002

Entrevista

ADRIANO MOREIRA, PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE AVALIAÇÃO

A revolução do Interior do País

Professor, político, jurista e sociólogo, Adriano Moreira é hoje presidente do Conselho Nacional de Avaliação de Ensino Superior. Numa curta entrevista ao Ensino Magazine (momentos antes do arranque do Festival de Cultura Raia Sem Fronteiras, organizado pela Câmara de Castelo Branco), aquele responsável fala da importância que as universidades e os politécnicos tiveram no desenvolvimento do Interior do país. De uma forma curta, mas directa, fala do futuro do ensino superior, numa altura em que há menos candidatos que vagas de acesso e considera que o ensino superior deve manter o sistema binário com as universidades e os politécnicos.

O futuro do ensino superior deve caminhar para apenas um sistema, ou devem manter-se as Universidades e os Politécnicos?

O sistema binário que temos está experimentado e obedece a conceitos operacionais diferentes, que corresponde a necessidades que são diferentes. Em virtude não só desta especificidade, o sistema binário é de manter. A única coisa que é necessário que desapareça da cultura portuguesa é uma espécie de atitude aristocratizante em relação às duas instituições, politécnicos e universidades, ignorando que são instituições com identidade diferente, mas absolutamente com a mesma dignidade. De resto vai haver uma marcha, já desenhada, para uma capacidade de entregar títulos que são da mesma dignidade.

Nos últimos 20 anos o ensino superior contribuiu para o desenvolvimento do País. De que forma?

É uma pergunta oportuna, já que as notícias que mais circulam são sobre o pessimismo que rodeia o ensino superior. Mas não se repara, talvez porque a diferença de gerações leve a isso, que cidades do nosso interior, como Vila Real, Bragança, Covilhã, Castelo Branco, Évora ou Beja seriam outras cidades se não fosse o ensino superior. Ou seja, podemos dizer que o ensino superior agrediu o adormecimento da interioridade e a vida desses locais animou, com a presença de jovens. E tudo isso tem sido muito benéfico para o País.

Nesta altura há mais vagas no ensino superior que candidatos. O interior do País pode sair prejudicado com isso?

Aquilo que está em causa é uma questão de racionalização A planificação da rede de ensino, que não é só pública, também é privada, não teve em conta a evolução demográfica. E naturalmente que a crise demográfica, que é um fenómeno europeu, afecta a procura dos estabelecimentos. Por outro lado, o fortalecimento da rede pública que também se desenvolveu mais e que hoje apresenta uma oferta maior, também veio afectar a distribuição da procura.

A solução passa, portanto, por racionalizar?

O que é necessário é racionalizar e manter o ensino superior no Interior do País pela racionalidade e pelas razões que conhecemos, pois foi esse ensino que agrediu essa espécie de adormecimento, o que fez com que aí renascesse uma vida nova, uma competição nova e uma qualidade de vida melhor.

Mas é preciso coragem política para racionalizar?

Os portugueses quando forem às urnas escolhem em quem deverão votar, de acordo com a vontade política que andam à procura
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MARÇAL GRILO DEFENDE CURSOS DE ESPECIALIZAÇÃO TECNOLÓGICA

A marca da Escola

O ex-ministro da Educação, Eduardo Marçal Grilo, considera que o Superior deve evoluir numa lógica dos actuais dois sub-sistemas, defende que a propensão para área tecnológicas deve começar no 1º Ciclo e adianta que as instituições de Ensino Superior do Interior do país não podem ser salvaguardadas por decreto, mas devem impor-se pelo seu valor, pela qualidade da formação e pela criação dum nome de referência. As afirmações foram feitas em exclusivo ao Ensino Magazine, em Castelo Branco.

O Ensino Superior está a caminho dum sistema único ou deve continuar numa lógica de dois sub-sistemas?

Deve continuar com dois sub-sistemas e será muito mau se assim não for. Tem é de ser definido um conjunto de regras mais ou menos integradas para que o país consiga internacionalizar o sistema de Ensino Superior mais do que já está, aumentando a mobilidade dos estudantes, a comparabilidade e a competitividade externa. Simultaneamente devem-se manter os dois sub-sistemas interligados entre si, mas em que num está claramente situada a investigação fundamental, enquanto no outro não está essa investigação, dado que o país não tem recursos para ter investigação em 40 ou 50 instituições.

O Superior foi uma alavanca importante para o desenvolvimento do Interior. De que forma continuará a funcionar nesse sentido, sobretudo numa altura em que está a haver um decréscimo do número de alunos?

Tal só poderá acontecer se as instituições de Ensino Superior se interligarem muito com a comunidade, prestando serviço que não seja apenas uma resposta às solicitações. As instituições do Superior devem dar resposta por si, numa atitude prelectiva àquilo que são as grandes questões das regiões. O Ensino Superior hoje, no Interior, é hoje o grande centro de racionalidade, é onde estão os recursos humanos mais qualificados, onde há capacidades ao nível experimental e ao nível da criação de grupos interdisciplinares capazes de abordarem os problemas com que a comunidade se bate. E isso é o maior contributo que o Ensino Superior pode dar, dado que tem vantagens sobre todos os outros serviços públicos, das Finanças à Segurança Social, Saúde e Agricultura, uma vez que tem capacidade própria, não é feito por burocratas nem por pessoas de comportamento administrativo, mas por gente que pensa, estuda, pesquisa, debate, experimenta e essas pessoas são fundamentais no Interior. Por absurdo, arriscaria a dizer que há departamentos que deixaram de ter alunos e continuam a ter justificação.

O facto de hoje existirem mais vagas que candidatos não poderá prejudicar a vinda de alunos para o Interior?

Não podem ser tomadas medidas administrativas para obrigar as pessoas a irem para determinado sítio. As escolas têm que se bater por trazerem alunos e por criarem condições para os receberem. Quando se fala nalguma competição entre escolas é nesse sentido, dado que não há escola alguma que possa estar à espera que, por decreto, se definam os alunos que vão para Viana do Castelo, para Castelo Branco, Guarda ou Lisboa. Cada escola tem de ser capaz de encontrar o seu nicho de capacidades e qualificações que atraiam os estudantes.

Mesmo as novas áreas de formação continuarão a ser livres, com o surgimento de novos cursos...

...mas eu não sei a razão de existirem mais cursos. Os cursos, ou têm qualidade, ou não têm. O facto de serem de banda estreita é que é um erro estratégico enorme. Basta ler o que se escreve há decénios sobre a importância da formação de base. É mais importante aprender determinadas coisas em determinada altura da vida do que sobrecarregar os alunos com formação especializada que, passados três ou quatro anos, está desactualizada, com a agravante dos alunos não terem a formação de base. É por isso que sou manifestamente contra os cursos de banda estreita e defendo cursos de banda larga, sem esquecer a interligação com a indústria e serviços, através de formação que crie condições de empregabilidade directas. A especialização, essa, é importante, mas não deve ser feita precocemente.

Os directores das escolas que oferecem cursos nas áreas das tecnologias queixam-se que os alunos só entram com específicas de Matemática e Física, o que dificulta o número de entradas, dado que há poucos alunos a fazê-las. De que forma é que se poderão fazer alterações no Secundário para alterar esta situação?

A questão está no problema de base, o qual é complexo e que se resume ao afastamento que os alunos têm em relação a matérias como a Matemática e a Física. Nomeadamente em relação à Matemática, os portugueses criaram uma espécie de aversão. O número de estudantes que hoje terminam o 9º Ano de escolaridade e dizem «matemática nunca mais» é enorme, e isso é uma pecha enorme na sociedade portuguesa, uma vez que a Matemática é uma matéria estruturante para o raciocínio, para a formação da própria forma de pensar das pessoas. Isso também se consegue com outros disciplinas, como a História ou o Latim, mas a Matemática é estruturante e deve ser muito bem ensinada, muito acarinhada. Deve haver um grande esforço no sentido da Matemática, não de forma administrativa, limitando algo aos alunos que não fazem a disciplina com sucesso, mas é necessário fazer um grande esforço logo de início, ou seja, no 1º Ciclo. É aí que se define o gosto pelos números, pelas operações aritméticas, pela Geometria e por todas as outras fases da disciplina. A questão é que não existe um país que resista com uma formação em que a Matemática seja uma matéria marginal. Ela é uma matéria central, mas admito que haja aqui um afastamento devido ao facto da sociedade portuguesa ser uma sociedade do mais ou menos. Uma pessoa relata algo, não exactamente como aconteceu, mas semelhante ao que aconteceu. Há uma falta de rigor que também tem a ver com o afastamento da Matemática.

Os cursos de especialização tecnológica que as escolas de Ensino Superior estão agora a preparar, que se destinam a alunos que concluíram o 12º Ano que não entraram no Superior, têm viabilidade?

Esses cursos podem ser óptimos. São uma excelente alternativa, pelo que não deve ser alterada a estrutura do Ensino Superior sem se criarem cursos alternativos após o 12º Ano, no sentido de preparar pessoas directamente para actividades económicas.

 


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