Director: João Ruivo    Publicação Mensal    Ano V    Nº56    Outubro 2002

Destaque

OSVALDO MACEDO DE SOUSA EM ENTREVISTA

Cartoons portugueses têm bom nível

Os cartoonistas portugueses estão actualmente entre os melhores do mundo e os jornais e revistas recorrem cada vez mais a este tipo de informação gráfica apesar das muitas limitações que vão surgindo, muitas vezes relacionadas com processos em tribunal impostos pelas pessoas visadas, nomeadamente na caricatura.

Esta é, pelo menos, a opinião de Osvaldo Macedo de Sousa, um dos melhores especialistas portugueses em cartoons, o qual esteve na organização da primeira edição da bienal de humor raiano, que decorreu no âmbito da Feira Raiana, realizada em Idanha no final de Setembro, uma bienal que contou com os melhores cartonistas da Península Ibérica.

Para aquele especialista, Portugal está na vanguarda do cartoon, dado que “a maior parte dos países têm uma escola em que os cartonistas se vão copiando uns aos outros, mas no caso português, quase todos têm formação plástica e cada um tem o seu sentido estético. Porém, a nível satírico, vive-se um momento globalizante, de terrorismos estatais, em que há potências imperialistas que se tentam impor”.

Por estas razões, considera que “hoje, o humor satírico não existe. Existe sim a ilustração do politicamente correcto. Os editores são os piores inimigos dos cartonistas porque têm muito medo das pessoas que controlam verdadeiramente os jornais. Se não existe uma verdadeira censura oficial, existe uma muito pior, a censura económica subreptícia, que obriga o cartonista e o jornalista a pensar duas vezes no que é que vai escrever, dado que não conhece os limites até onde pode ir”.

O resultado deste desconhecimento de limites leva muitas vezes a recorrer ao humor pelo humor, dado que os resultados podem ser nefastos. “Hoje existem muitos processos em tribunal. Ainda há pouco tempo fizemos uma campanha mundial devido ao facto de, no Panamá, um ex-presidente da República querer processar um cartonista que fez uma caricatura. Isto está a acontecer em vários países porque a opressão e a falta de liberdade é muita”.

CRESCIMENTO. Apesar dos medos, em Portugal aumenta o interesse da grande imprensa pelo cartoon, o que também acontece com a Imprensa regional, aquela que “será a imprensa do futuro e a que está a ter um maior desenvolvimento”. Osvaldo Macedo de Sousa dirige o Salão Nacional de Humor de Imprensa e tem notado que “um crescimento de participantes que trabalham com jornais regionais”.

Este crescimento da imprensa regional resulta, em sua opinião de uma maior irreverência, dado que “os jornais não pertencem a grandes empresas, e muitas vezes resultam da carolice de pessoas que batem o pé”. Já na imprensa dita nacional, sobretudo quando há cortes, os primeiros a serem sacrificados são os cartonistas e fotógrafos. “Nestes casos corta-se primeiro no jardim porque não se pode cortar no trigo”.

Curiosamente, o cartoon é das facetas da imprensa mais apreciadas pelo leitor, o que resulta dum grande trabalho e capacidade do cartonista. “O humor é cultura e só quem tem um bom leque cultural consegue compreender esse humor. Também o cartonista deve ter uma grande bagagem cultural. Além de assimilar o que está à volta, precisa duma certa vivência, a qual transmite duma forma legível e interessante”.

É nesse sentido que aquele especialista entende cada cartoon como uma reacção sociológica e psicológica. “Cada um deles tem uma história própria do artista e uma outra associada ao jornal e à sociedade”. Um dos que mais marcou a sociedade portuguesa nos últimos anos foi o do Papa com o preservativo no nariz, publicado no Expresso. A polémica foi muita, mas Osvaldo Macedo de Sousa não a entende.

“Foi uma polémica estúpida. Nas semanas anteriores tinham saído cartoons do António muito mais agressivos em relação ao Papa e ninguém criticou. Aquele em concreto foi visto por milhares de pessoas e aconteceu que duas ou três delas ficaram muito ofendidas, pelo que levantaram um processo. A partir daí todos os jornais foram saber o que se passava e, um desenho que tinha passado despercebido acabou por ser visto por oito milhões de pessoas em Portugal, pelo que as pessoas ofendidas conseguiram dar publicidade a algo que não queriam”.

SORRISOS. Perante este cenário, Osvaldo Macedo de Sousa entende que, em certos casos, será mais apropriado não criticar, o que não acontece porque “as pessoas têm medos, têm tabus em relação a certas coisas e, em lugar de as propagarem duma forma pedagógica, tentam ocultá-las. Mas o cartoon não se deve calar, nem deve ser uma gargalhada. Deve ser um sorriso. A gargalhada é uma reacção individual. O sorriso é algo partilhado entre o cartonista e o público”. No caso do cartoon em causa terão acontecido muitos sorrisos, mas “houve alguém que gargalhou e então todas as pessoas quiseram saber o que se passava e foram ver”.

Os muitos sorrisos que surgiram depois levaram o cartoon a cumprir de novo o seu papel, um papel que exige que o desenhador seja efectivamente um humorista. “Há coisas que não se aprendem e é por isso que digo que o cartonista deve nascer humorista. Precisa depois é de ter uma boa base cultural, estar sempre informado e ter uma boa formação académica no desenho. O bom artista é que aprende com o mestre, imita-o até à perfeição e, depois, põe-lhe os cornos. Isto é, quando já domina a técnica, parte para a originalidade. Ora, há quem parta para a originalidade sem dominar a técnica”
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ZÉ MANUEL, O VENCEDOR DA BIENAL DE HUMOR RAIANO

Não tenho medo das censuras

O cartonista Zé Manel foi o vencedor da Binal de Humor Raiano e estava naturalmente feliz com mais um momento da já longa carreira de mais de 30 anos. “Foi a primeira vez que fiz algo dedicado às fronteiras. Foi um trabalho que saiu naturalmente. Como há frases feitas, também existem ideias feitas e aquele cartoon não tem uma intenção crítica, mas sim meramente humorística e divertida. Não podemos estar sempre a pensar na mensagem social e a querermos endireitar o mundo com um desenho. Há quem o faça mas, às vezes, importa fazer um trabalho solto, livre, bem disposta, sem pensar em segundas ou terceiras intenções”.

Apesar de ter optado por esta via, não o fez devido a qualquer tipo de censura, como as entende Osvaldo Macedo de Sousa. “Já criei calo contra as censuras. Comecei a desenhar com 15 ou 16 anos e criei, tal como outros, treino em rodear a censura, o que nos ajudou a desenvolver uma forma de fazer humor com uma certa subtileza. Conseguimos atravessar a fronteira entre o que se pode dizer e a maneira como se diz”.

Os exemplos seriam muitos ou não tivesse a carreira já três décadas. Ainda assim, de repente, lembra-se dum caso. “Onde penso ter sido mais útil foi quando fiz a página de humor do jornal do exército na altura da Guerra do Ultramar. Sabia que aqueles bonecos iam fazer rir os meus amigos e toda a rapaziada que estava no mato, na Guerra, em Angola e Moçambique. Sentia que uma garota bem desenhada, uma piada brejeira ia aliviar variadíssimas tensões de quem estava lá longe. Esse terá sido o público que mais estimei”.

 


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