GENTE & LIVROS
Boris Pasternak

«Amavam-se não porque não pudessem fazer outras coisas, não porque estivessem incendiados pela paixão, como tantas vezes se diz, dando assim uma falsa ideia do amor. Amavam-se porque tudo à sua volta os impelia a isso: a terra sob os seus pés, o céu sobre as suas cabeça, as nuvens, as árvores. O seu amor espalhava felicidade em torno mais ainda do que lha dava a eles: aos desconhecidos das ruas, ao espaço que lhes abriam para que passassem, aos compartimentos que habitavam.
E isso era o essencial; isso os unia e os aproximava. Jamais, mesmo nos momentos de mais intensa e louca felicidade, se haviam esquecido do mais sublime e comovente dos seus sentimentos: o sentimento afortunado de que contribuíam para embelezar o mundo, que tinham uma relação profunda com o todo, com a beleza, com o universo inteiro.»
In O Doutor Jivago
Boris Leonidovitch Past-ernak nasce em 1890 em Moscovo e morre em 1960 em Peredelkino. Os pais são artistas judeus, a mãe é pianista o pai pintor. Em Moscovo estuda composição no Conservatório e faz uma licenciatura em Filosofia. Inicia a sua carreira na escrita com recolha de poesias e em 1922 publica o livro de poemas Minha Irmã, a Vida que aborda a revolução de Outubro. Um ano depois publica Temas e Variações e em 1924 Alto Mal. Pasternak é um escritor amado pelo leninismo, no 1º Congresso dos Escritores Bukharine considera-o um expoente máximo das letras soviéticas mas com a chegada do estalinismo e os anos negros de 1936-1938 começam as perseguições e o escritor entra para a lista negra do regime. Quase reduzido ao silêncio, Pasternak sobrevive de traduções, Shakespeare, Keats, Verlaine, Goethe,
Shelley.
Os seus livros de poesia Nos Trens Matutinos (1943) e A Vastidão Terrestre (1945) não são do agrado dos censores e da União dos Escritores.
O escritor parte em 1946 para Peredelkino, a poucos quilómetros de Moscovo, onde começa a escrever e seu mais notável romance O Doutor Jivago obra autobiográfica e épica que conclui dez anos depois. Na União Soviética o seu romance é recusado pois é classificado de hostil ao espírito da Revolução sendo publicado pela primeira vez em Itália por um editor de Milão, Feltrinelli. A obra é aclamada em todo o mundo e em 1958 o escritor ganha o Prémio Nobel da Literatura que se vê obrigado a recusar sob pena de expulsão do país. O Doutor Jivago é adaptado ao cinema pelo realizador David Lean e estreia nos cinemas em 1965, o livro é publicado pela primeira vez na União Soviética em 1988.
Da sua bibliografia constam os romances: A Infância de Ljuvers (1922), Vias Aéreas (1925) e O Doutor Jivago (1957); a poesia: Minha Irmã, a Vida (1922), Temas e Variações (1923), Alto Mal (1924), O Tenente Schmidt (1927) O Ano 1905 (1927), O Segundo Nascimento(1932), Nos Trens Matutinos (1943) A Vastidão Terrestre (1945) e Quando Se Serena (1960); e os ensaios: O Salvo-Conduto (1931) e Ensaio de Autobiografia (1956).
O Doutor Jivago. Iuri Jivago é um médico russo que assiste ao sofrimento dos seu povo às mãos do czar e por isso participa na revolução de Outubro. Mas desiludido com o rumo dos acontecimentos recusa esse envolvimento e abandona Moscovo, com a mulher Tonia e os familiares, para a cidade de Urales. Capturado pelo exército vermelho, Jivago é obrigado a prestar-lhe assistência médica durante três anos. Quando consegue fugir, procura a família mas esta foi obrigada a refugiar-se no estrangeiro. A guerra está por todo o lado quando Jivago reencontra Lara, que conheceu ainda em Moscovo. Jivago vive com Lara um amor grandioso e trágico que termina quando ela tem de partir com a filha para a Mongólia. Desse amor, da sua vida, do seu sofrimento fica o livro de poesia de Jivago conservado pelos seus amigos. 
Eugénia Sousa
Florinda Baptista
Novidades
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ASA. O Cemitério dos Barcos Sem Nome de Arturo Pérez-Reverte leva-nos numa viagem em busca do Dei Gloria, um bergantim afundado há mais de 200 anos no Mediterrâneo.
Um périplo fantástico de Barcelona a Madrid, Cádis, Gibraltar ao longo das Costas de Cartagena em demanda de um tesouro que pode ser a resposta a um enigma da História de Espanha. Arturo Pérez-Reverte é dos escritores contemporâneos mais lidos, autor de obras como O Clube Dumas, O Mestre de Esgrima e a Tábua de Flandres.
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BOCAS DO GALINHEIRO
Perdoa-lhe, Dick!

Quando dois pesos pesados do cinema, Steven Spielberg e Tom Cruise, se juntam para um filme baseado num conto de um dos mais extraordinários escritores de Ficção Científica, Philip K. Dick, obviamente esperamos o melhor. Não foi bem assim. E foi pena.
Estamos no ano de 2025 e a Divisão de Pré Crime e Washington DC prende assassinos ainda antes de cometeram o crime. Tal é possível porque tem ao seu serviço uma equipa de “precogs”, seres mutantes, humanos, que os prevêem fornecendo aos detectives o nome da vítima e do autor, tudo acompanhado de sofisticadas, quanto confusas imagens da acção futuro. À polícia basta chegar ao local antes que o crime seja perpetrado. Um sistema infalível até ao momento em que as bolas que extraem os nomes da vítima e do assassino indiciam o detective John Anderton/Tom Cruise como autor de um homicídio que irá acontecer, desconhecendo ele, de todo, a vítima. É, a partir daqui, que se coloca a questão da infabilidade do sistema, a qual Anderton quer provar, ao mesmo tempo que, convicto da sua inocência, será que alguém pode ser inocente num sistema em que os criminosos são presos antes de o serem, quer saber o que está por detrás desta precognição que o tocou. E, é também a partir daqui que Spielberg se afasta da obra de Dick ao adoçar os ingredientes de que dispunha. “Relatório Minoritário”, o filme é a adptação do conto “Minority Report”, de 1956.
O fenómeno Spielberg radica em grande parte nessa sua capacidade de transformar em ouro tudo o que toca, partindo de duas premissas fundamentais, por um lado dar às pessoas aquilo que elas querem, entretenimento, e por outro, mostrar o mundo de um ponto de vista optimista, ou seja, do ponto de vista dos bons, não se coibindo de aqui e ali ir criticando a sociedade actual, servindo-se, como agora, da FC. Já o fizera com “Encontros Imediatos do Terceiro Grau”, com “Inteligência Artificial”, e agora com este último filme. Só que, onde Philip Dick cria uma atmosfera fria, com um paranóico e egoísta Anderton, preocupado, primeiro não em lhe tirarem o lugar e, depois, na eficácia do sistema que defende, Spielberg mostra-nos um pai amargurado pela perda do filho, um homem perseguido pelo sistema e que, muito naturalmente, terá direito a um popular e merecido happy end. Aliás, outra coisa não seria de esperar de um realizador de puro entretenimento, cujo público alvo é o adolescente. A partir daqui tudo encaixa na perfeição: um thriller policial, a precog até se chama Agatha, quem sabe se a pensar nos policiais de Agatha Christie, futurista, rodeado de efeitos especiais por todos os lados, e que fazem deste filme, um objecto porque se simpatiza desde as primeiras cenas. Um filme para as gerações MTV. Mais uma vez Spielberg está à altura dos acontecimentos. Conhecido como hábil mestre da manipulação, da técnica e dos sentimentos dos espectadores, toma mão de efeitos a la Matrix para construir, qual artesão, uma obra de inegável valia cinematográfica.
Desde “Tubarão” (Jaws, 1975), que a sua boa estrela jamais deixou de brilhar. Filmes como, para além dos já referidos”, “Salteadores da Arca Perdida”, 1981, “Indiana Jones e o Templo Perdido”, 1984, “Indiana Jones e a Grande Cruzada”,1989, “Hook”, 1991, “Jurassic Park”, 1993, “A Lista de Schindler”, 1993, “Amistad”, 1997, ou “O Resgate do Soldado Ryan”, de 1998, foram extraordinários êxitos de bilheteira, a que podemos juntar os muitos que produziu através da Dreamworks, de “Quem Tramou Roger Rabbit”, a “Os Goonies”, ou “O Cabo do Medo”, dão-nos uma ideia da obra deste verdadeiro mago de Hollywood, que se pôde dar a luxo de rejeitar os projectos “Harry Potter” ou “O Homem Aranha” por este “Minority Report”.
Quanto a Philip K. Dick, não estamos tão certos de que a sua reacção à solução Spielberg fosse tão positiva como foi a que teve em relação a “Blade Runner”, de Ridley Scott, adaptação de 1982 da novela “Do Androids Dream of Electric Sheep?” , hoje um filme de culto dos amantes da FC, pela mestria com que o realizador soube transportar a atmosfera do livro para a tela, engenho que não presidiu à realização de “Desafio Total”(Total Recall,1990), de Paul Verhoeven, uma adaptação, também de um conto do autor, das mais de uma centena que escreveu, desta vez “We Can Remember It For Wholesale”, ficando-se Verhoeven pela exploração da presença de Arnold Schwarzenegger, e uma vaga impressão da ideia de Dick sobre a possilibidade de num futuro não muito longínquo poderem ser implantadas recordações de acontecimentos que o próprio não viveu. O resto, claro, é pirotecnia e fumaça. Outras adaptações foram feitas, com menos meios e com menor visibilidade do que aquela que Spielberg pode dar a qualquer projecto em que se meta. Para o bem e para o mal. Como, no conto, Anderton aconselha ao jovem comissário Witwer que lhe vai suceder no cargo, antes de partir para o exílio na colónia interplanetária Centaurus X, é bom que mantenhamos os olhos bem abertos. 
Luís Dinis da Rosa
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