Director: João Ruivo    Publicação Mensal    Ano V    Nº57    Novembro 2002

Geral

CRÓNICA

Cidadão por dentro

O Coronel Lacerda não sai à rua por dá cá aquela palha. O vaivém da guerra colonial agravou-lhe algumas falhas de memória, ao ponto de muitas vezes se perder sem ter saído da rua onde mora, e, para os recados mais comezinhos, sempre tinha o impedido Manuel, seu conterrâneo, que se ficou pelo posto de 1º. Cabo durante os quarenta anos em que se arrastou pelos quartéis.

Piorou após a passagem à reserva. Antes ainda se engraxava para dar nas vistas e ganhar respeito. Era um preconceito castrense que levava muito a sério.

Agora dedica os dias a outros mistérios. Levanta-se de manhã cedo, embrulha-se no velho roupão de flanela e entretém-se, sentado à mesa da sala, perto da janela, a decifrar charadas ou palavras cruzadas e à leitura dos signos do zodíaco, que, de há uns tempos para cá, muita atenção lhe merecem. Não de cartomantes e bruxas de figa e bola de cristal, incluindo as senhas com o peso na face e o destino no verso. Não, nada disso.

A conselho de Manuel, o impedido, consultou um astrólogo, desses com anúncio no jornal, das tantas às tantas, coisa séria, querendo tirar-se de teimas e cogitações nocturnas, característica dos homens, segundo crê, dados de corpo e alma aos mais altos desígnios do seu povo e do seu país e, como tantos outros, passam a dedicar os últimos dias de vida ao croché das palavras, metidos num qualquer roupão de flanela, sem poderem contribuir um avo para evolução do mundo que, lá fora, continua a girar.

Ficou por isso a saber muitas coisas sobre si, que até então desconhecia.
- O senhor é Libra. - Atirou-lhe o sábio - Este signo é figurado por uma balança, porque nele entrando o sol se igualam os dias e as noites e aqui se constitui o segundo equinócio a que se chama outonal. É signo masculino, diurno e móvel, porque fenece o estio e principia o Outono.

Até aqui ouvira apenas banalidades, que é como classifica tudo o que não entende e, talvez por isso, ou porque ditas as coisas deste modo, se lhe afiguravam mágicas, ou ainda por não querer passar por impertinente, reprimiu um gesto de quem vai interromper, detendo-se para que o outro continuasse a sua arenga.

- É de natureza aérea, quente e húmida. Entra nele o sol comumente a 23 de Setembro e desde que entra até que sai, diminui o dia hora e meia. É casa diurna de Vénus, caída de sol, exaltação de Saturno e detrimento diurno de Marte.

Após tanto enigma, o homem calou-se, olhou para o Coronel Lacerda de modo solene, enquanto distendia suavemente os lábios, denunciando, simultaneamente, um sorriso e uma aparência sóbria e distante.

- Que me diz, satisfeito?

Sabia que não. Fazia a pergunta mais pela própria necessidade de uma pausa, que para saber se o cliente, afinal sem uma resposta pensada, teria dado por satisfeita a sua astral curiosidade.

- Tem dominação em todas as coisas de Vénus.

Prosseguia o astrólogo, no instante em que o Coronel soluçou de forma quase imperceptível, lembrando-se sabe-se lá de quê. Mas o alquimista das sete luas não se perturbou e ainda bem, porque, tudo o indicava, começava a ter interesse.

- É nocivo lavar a cabeça. O leite caprino, as frutas e refeições frescas, são proveitosos.

O intemperado influxo de calor e humidade deste signo, condensa o ar de sorte, que o faz nocivo aos viventes. Quando concorrem no mesmo tempo os infortúnios ou estrelas de prejudicial influxo, sucedem enfermidades contagiosas.

Eis quanto foi dito ou aqui se pode dar fé. Talvez se julgue que o Coronel Lacerda achou de tudo isto a graça de uma anedota vulgar, a valia duma reles lengalenga. Pelo contrário, guarda cada palavra dita, por entender que foram caminhos rasgados na sua mente ignorante até então, embora dissimule em situações de flagrante proveito próprio.

As conversas de ocasião, que aqui não poderemos dizer de caserna, dada a elevada patente do oficial a que nos referimos, as moçoilas que picam, com os seus saltos finíssimos, o chão que pisam, mas levam pernas roliças daí para cima com muito mais interesse, são o entretém do Coronel Lacerda quando se aventura nas poucas saídas de casa.

Com olhos de descobrir argueiros a distâncias inimagináveis ou em sítios que aqui nos dispensaremos de referir, cumprimenta a eito cada transeunte como a vizinhos do mesmo prédio. E fá-lo com tal minúcia e desvelo, que quase parece atrevimento:

- Como está o Sr. Doutor? A senhora sua mãe vai melhorzinha? O menino mais novo teve boas notas? Cumprimentos à esposa.

E assim por diante.

Quando o corrupio de gente abranda nas ruas e passeios, as mais que prováveis cataratas que aí vêm ou maldita memória o atraiçoam, permanece imóvel. Mete demoradamente a mão direita no bolso do casaco e remexe, como se naquele interior estivesse o segredo para a sua orientação e a sua mão fosse o leme a corrigir o rumo após ligeira deriva.

Estamos perante uma clara manobra de falsa apatia para surpreender o inimigo, como muitas vezes fez em África, quando igualmente se sentia perdido. Será porventura um tique que nos leva a julgar erradamente a intenção de retirar a mão, exibindo qualquer objecto imprescindível para a ocasião. Volta a contrair os dedos, empurrando com o indicador um clip vagabundo e acaricia o porta-chaves, o seu, seguramente. É mesmo capaz de identificar pelo tacto, uma a uma, as cinco chaves presas.

É sobretudo um cidadão atento. Um homem feito na cidade. Conheceu melhores dias, é certo, como a sua mão direita, ensinada na parada a recrutas e mostrada de forma altiva em continência a bandeiras e estandartes.

Pensa em tudo isto com certeza, tanto mais que deixa os objectos e passa a acariciar a mão, a mão direita, a mão preferida, que tudo sabe.

Mas há outra coisa no bolso. Importante, talvez. Não se ouve o tilintar das chaves e o clip, forçado a entrar no forro interior, não faz já parte desta história. Retira a mão, finalmente. Mas não mostra o que tem em tão surdo diálogo.

Comprimido entre o indicador e o polegar, acaricia um rolinho de cotão macio e cúmplice do seu silêncio.

João de Sousa Teixeira

 

 

 

ESART

Um quinteto de clarinetes

O quinteto de clarinetes da Escola Superior de Artes Aplicadas de Castelo Branco, apesar de recente, não tem tido mãos a medir para fazer face às solicitações. Os concertos têm sido muitos e ao que parece o público parece gostar, como aconteceu, no festival Naturtejo, na apresentação da Revista Gestin, em Idanha-a-Nova, ou no aniversário do Politécnico de Portalegre.

O grupo é composto por Filipe Pereira, Gaspar Lima, David Machado, José Américo e Pedro Louteiro. A criação do quinteto foi feita dentro da própria escola, já que todos são estudantes. “No âmbito da disciplina música de câmara juntámo-nos e partir dessa disciplina acabámos por dar asas a este projecto”, explica Pedro Louteiro.

Para já convites não têm faltado aos cinco elementos. “Em média estamos a realizar dois concertos por semana. A ideia passa por continuar com este projecto, mesmo depois de concluirmos os nossos estudos, já que parte dos elementos encontram-se no segundo ano e os restantes no terceiro e quarto”, adianta. Pedro Louteiro mostra-se satisfeito com o desempenho do Quinteto. “Nós trabalhamos muito e quem trabalha tem resultados”, conclui.

 

 

 

Educação às tiras

 


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