
Quem quer lynçar as
ESEs?
Infelizmente, é a segunda vez que, no decurso deste ano, somos obrigados a vir a público em defesa das Escolas Superiores de Educação
(ESES).
No passado mês de Maio, num editorial quase premonitório (“As ESES e a má fé”), reclamávamos para estas instituições de formação de educadores e de professores um dos papéis mais relevantes no que respeita à promoção do Ensino Superior Politécnico, ao desenvolvimento das regiões em que se viram inseridas e à implementação de uma rede nacional, mas descentralizada, de investigação e de investigadores. Ou seja, reconhecíamos que a existência desta rede distrital de ESEs, inseridas na estrutura do Ensino Superior Politécnico, com capacidade para apoiar a investigação e o desenvolvimento se teria constituído como um dos elementos chave para a promoção da qualidade da educação em Portugal. E, a terminar, concluíamos que “quem não o quiser reconhecer só poderá ser acusado de cegueira ou de má fé”.
Pois bem! Na passada terça-feira, 19 de Novembro, Pedro Lynce, Ministro da Ciência e do Ensino Superior, declarava, descontextualizadamente, em Entrevista ao Diário de Notícias, que “a formação de professores tem um carácter mais universitário do que politécnico” para acrescentar que “ninguém tem dúvidas de que a formação de professores é um ensino mais académico (universitário) e menos profissionalizante
(politécnico)”.
Estamos crentes de que o senhor Ministro não queria dizer nada disto e que foi apanhado em má hora pelas jornalistas.
Porém, a serem verdade, tais afirmações constituem um amontoado de equívocos, imprecisões, incorrecções e “libertinagens verbais” que não abonam a favor de quem as produz e que pronunciam uma falta de rigor histórico e científico que não caem bem a um Homem de ciência, sobretudo quando investido no cargo de Ministro das Ciência e do ensino Superior.
A serem verdade tais declarações, Pedro Lynce suscita-nos pelo menos quatro comentários que aqui deixamos como desafio para um debate sério e aprofundado sobre matéria tão delicada, quanto importante, como o é esta:
Primeiro – A estrutura do Ensino Superior Politécnico foi lançada, erguida e sedimentada sobre dois grandes pilares: as Escolas Superiores de Educação e as Escolas Superiores Agrárias. Afirmar que a inserção das primeiras no ensino politécnico foi um erro, acarreta a conclusão de que todo o ensino superior politécnico se construiu sobre, e consigo ainda arrasta, um incomensurável equívoco.
Segundo – Deixar subentender que a formação de professores sempre foi um papel vocacional das universidades, pressupõe uma grosseira forma de rescrever a história da educação em Portugal. A formação de educadores e de professores, até ao lançamento das ESES sempre esteve cometida a estruturas “politécnicas”, a saber as Escolas do Magistério Primário e as Escolas Normais de Educação de Infância, que constituíam uma rede nacional e descentralizada. As insipientes experiências promovidas pelas Universidades nesta matéria contam-se pelos dedos de uma das mãos e obrigaram à criação de estruturas autónomas dentro do “saber” universitário: os CIFOPs (Centros Integrados de Formação de Professores). As universidades sempre formaram, até então, licenciados nas diferentes áreas dos saberes, sendo que competia ao Ministério da Educação “metamor-fozeá-los” em professores, através de estágios pedagógicos de discutível fiabilidade.
Terceiro - Afirmar que a formação de professores “é mais académica do que
profissionalizante” é, no mínimo arrepiante. Desconhecemos, face ao estado actual da investigação e do conhecimento cientifico, como se podem separar tais níveis de formação. Sendo que, a fazê-lo, teríamos que afirmar que não conhecemos formação mais “profissionalizante” que a de um professor.
Quarto – Pedro Lynce sublinha que a sua intenção é a de contribuir para a clarificação do sistema. Ora, salvo melhor ponto de vista, ao introduzir nesse mesmo sistema um novo e equívoco maniqueísmo (formação académica versus formação profissionalizante) cobriu de obscurantismo um debate que se desejaria esclarecedor.

João Ruivo
ruivo@rvj.pt
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