Director: João Ruivo    Publicação Mensal    Ano V    Nº49    Março 2002

Entrevista

JOÃO MAIA ABREU, JORNALISTA DA TVI

SIC e TVI fazem serviço público

Sílvio Cervan quer maior rigor e exigência no sistema de ensino. O ex-deputado do PP e que foi responsável durante 4 anos pela área de Educação do partido, defende que o Português, a Matemática e a História devem ser áreas de formação essenciais aos alunos portugueses.

Em entrevista exclusiva ao «Ensino Magazine», o antigo parlamentar critica fortemente o facilitismo nas escolas nacionais e avisa que o país poderá ver o seu futuro hipotecado se não apostar como deve no sector. A competitividade internacional está em perigo. 

Onde se encontra o principal estrangulamento do sistema educativo?

Com frequência, a questão é colocada em termos da qualidade do Ensino Superior. Não nego que subsistem problemas muito importantes, a esse nível, mas tudo passa sobretudo pelo Secundário, é aí que as dificuldades se fazem sentir com particular acuidade e efeitos no conjunto da formação dos alunos.

Defendo que, por muito impopular que seja, se efectuem exames rigorosos no final de cada ciclo de estudos, respectivamente nos 4º, 6º, 9º e 12º anos. Mais: penso até que tais exames devem ter um carácter eliminatório. Assim se acabaria com a situação vigente de os alunos estarem a transitar de níveis educativos, sem possuirem as bases de conhecimentos indispensáveis. Em Portugal, está-se a trabalhar para as estatísticas. O Governo anterior pretendeu apenas poder apresentar junto da União Europeia dados numéricos comprovativos de um sucesso dos nossos estudantes que não é real, porque não corresponde a uma formação sólida e adequada. A exigência tem de ser o eixo central das políticas educativas. Há uma esquerda que não a quer porque a relaciona com o antigo regime salazarista. É tanto mais injustificável quanto a verdade é que o rigor era um dado positivo no sistema educativo que então vigorava. Atacaram, precisamente, aquilo que não devia ser criticado.

Domina, então, o facilitismo no sistema?

Sem dúvida. A cultura até agora dominante era a de que tudo aquilo que representasse esforço, dedicação, rigor e trabalho duro devia ser desprezado. Foi uma perspectiva que atravessou os mais variados sectores, incluindo o educativo. É agora necessário ultrapassar os complexos existentes e que se encontram fortemente implementados na sociedade portuguesa. Na minha óptica, a grande aposta deve ser realizada em três disciplinas: Português, Matemática e História. É grave que os alunos saiam das escolas sem tratarem bem, em termos de escrita e de fala, a nossa Língua. E não é menos importante lidarem de forma correcta com a Matemática, sem esquecer a História de Portugal. Um país tem de dar aos seus jovens os conhecimentos da cultura e da identidade do povo. Urge terminar com a ideia de que tudo o que se relacione com as características próprias do país, com a sua História e raízes culturais é de direita e conotado com o regime anterior ao 25 de Abril de 1974. É uma concepção profundamente errada. Se partirmos da reformulação das referidas áreas lectivas, será possível ir mudando os problemas principais que se colocam ao sistema de ensino.

Mas, há experiências positivas...?

Certamente. Temos professores e outros funcionários extremamente dedicados à sua missão e que a exercem com um empenho muito grande. Nomeadamente no domínio da área-escola, têm sido efectuadas acções de elevado interesse e que, pelo seu carácter inovador, devem ser atentamente avaliadas e, se for caso disso, expandidas para outros estabelecimentos de ensino. Mas, mesmo aí, continuam a faltar elementos de base. De que serve, por exemplo, os alunos homenagearem um grande escritor português se não conhecem a sua obra e não sabem em que período e contexto histórico se insere a mesma?

A formação que os estudantes recebem corresponde às expectativas dos empresários?

Uma parte, não. Continua a não haver em número suficiente quadros médios e pessoas habilitadas para o desempenho de profissões comuns como carpinteiros, canalizadores e muitas outras. Em Portugal, vende-se a ideia aos jovens de que sucesso significa dinheiro; este dá acesso a felicidade e é alcançado com um bom emprego, obtido a partir de um curso superior. É tudo mentira. A consequência é a elevada quantidade de licenciados frustrados e desempregados, sem dinheiro nem razões para optimismo quanto ao seu futuro. Num país, como o nosso, em que a mão de obra laboral possui, na sua maioria, um baixo nível de escolaridade, haver tantos diplomados sem trabalho é um contra-senso, completamente ilógico, mas que permanece. Gostaria de salientar que se verifica já que muitos empresários preferem admitir moldavos, ucranianos e trabalhadores de outros países do Leste europeu, em vez de jovens portugueses, porque os primeiros estão muito melhor preparados para o desempenho de determinadas funções.

Um húngaro com 18 anos de idade fala, em média, três línguas, o que demonstra bem do grau de formação elevado que têm. No caso dos moldavos, possuem, ainda, a vantagem de serem católicos e, por isso, se adaptarem bem à cultura da população portuguesa. Há alunos do nosso país que se candidatam a empregos e dão erros de palmatória de Português, aspectos básicos... É confrangedor. A situação arrasta-se ao longo dos anos sem que nada de relevante se modifique.

O futuro do país está, então, a ser hipotecado?

Com certeza que sim. A Educação é o factor essencial para que Portugal ganhe competitividade face aos outros países. Os desafios deste sector são-no também para as empresas, a Economia no seu conjunto e para os recursos humanos disponíveis. Os Estados que se têm desenvolvido mais intensamente são aqueles que prestaram uma maior atenção à Educação dos seus jovens; os dados existentes testemunham-no. Nós devíamos tirar daí as devidas ilações. Mas, não basta dizer que se aposta na Educação. É preciso que se construa um sistema harmonioso, equilibrado, bem estruturado e orientado por objectivos concretos e que obedeçam a metas mais largas de progresso do país. O capital humano é o mais importante de qualquer nação, convém que todos - nomeadamente, o Governo - tenham isso sempre em linha de conta. Se não se investir, aos mais variados níveis, na Educação, Portugal poderá ter o seu futuro que se pretende marcado pelo desenvolvimento, seriamente comprometido. As consequências serão muito prejudiciais e o país terá desbaratado recursos que lhe são importantes, porque limitados.

Tem faltado coragem aos sucessivos ministros da Educação para reformarem, de facto, o sistema?

É o que penso. Alguns ministros até nem anunciam reformas, porque já sabem que não as conseguirão realizar. O sector tem muitos “lobbies” contra os quais é muito difícil lutar e o sistema educativo é muito complexo e vasto, abrangendo cerca de 800 mil alunos. É sempre difícil a qualquer governante combater interesses relevantes já instalados de há muito e, muitas vezes, falta mesmo vontade política de o fazer.

O modelo educativo proposto pelo Partido Popular contraria tais interesses e baseia-se em aspectos tão simples como indispensáveis: a exigência, o esforço, enfim... o trabalho.

Que avaliação faz dos resultados obtidos pela anterior equipa governativa no domínio do Pré-Escolar?

É a única área em que se pode afirmar que o balanço é positivo. Registaram-se, de facto, melhorias significativas e importantes. Há que ter em consideração que nos grandes centros urbanos as famílias sentem enormes dificuldades sobre onde deixar os seus filhos e é nessas zonas que o problema é mais aflitivo. Nos meios rurais, apesar de tudo, existem alternativas que tornam a questão mais fácil de ser resolvida pelos pais. Em todo o caso, embora reconheça os progressos obtidos, é de salientar que não foram alcançados os objectivos que o Governo anterior tinha estipulado. Infelizmente, os prazos e calendários definidos não foram cumpridos, em termos de cobertura da rede para cada escalão etário.

O que mais faz falta, a partir desta altura, à Educação em Portugal?

É necessário reformular por completo o sistema. Depois, há aspectos em que importa apostar fortemente, como são os da formação de docentes e da transmissão de valores básicos para o indivíduo, a sociedade que o rodeia e o país. Por outro lado, a qualidade tem de ser o eixo central no sistema educativo, aos mais diversos níveis. O rigor é outro dos elementos fundamentais a implementar. Não se pode fazer de conta que os alunos estão a ser bem formados e depois estar atento apenas aos números vazios das estatísticas, como tem vindo a suceder. No caso específico do Ensino Superior, há medidas a tomar urgentemente, concretamente em termos de avaliação das escolas e cursos, evitando que continuem a surgir licenciaturas em áreas onde as existentes são já em demasia e não correspondem às necessidades específicas do mercado de trabalho.

Jorge Azevedo

 


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