CONTO
Médico, Sr. Doutor

É a sacramental pergunta que o Dr. Silveira faz a todos os doentes ou pelo menos a todos os que o procuram com a suspeita de que algum mal lhes tenha entrado.
À primeira vista - melhor seria dizer ao primeiro ouvido, mas não soaria bem - parece uma provocação do médico, ao querer-se incluir na dor que obviamente não tem. Há mesmo quem veja no tratamento uma certa atitude de subestimação da própria dor, como quem diz, falas em nós porque não te dói, ou então duvidas que a nós doa. Até porque cada dor é uma dor; a minha não é a tua, e assim por diante.
Mas também há quem ache graça e julgue carinhosa a utilização da primeira pessoa do plural. Afinal o clínico está a colocar-se do lado do paciente, tentando assim
descontrai-lo de modo a que exponha abertamente os sintomas da apoquentação.
No fim de contas há gostos para tudo, tendo embora em consideração que é muito mais fácil compreender a dor alheia do que suportar a própria.
No entanto, a maioria dos doentes tem-no por atencioso e dedicado.
Está na moda um certo conceito de profissionalismo que muito pouco lhe diz; prefere chamar arte ao que faz há quase quarenta anos.
- Se quisesse ser comerciante, abria um talho!
Seja como for, apesar do original acolhimento aos utentes do Centro de Saúde, o que não retira uma vírgula à sua competência como clínico geral, o Dr. Silveira tem um senão que intriga os seus pares e os pacientes mais carentes de atenção: não participa em congressos, não se actualiza em seminários, nomeadamente no estrangeiro e, como se isso não bastasse, provavelmente por falta de arejo, não é pródigo na prescrição de medicamentos. Não lhe são conhecidas outras aversões e desta os motivos não estão completamente esclarecidos.
- Que ganhamos nós ( e volta a este nós, que às vezes é inexplicavelmente abrangente e outras impessoal e enigmático) com esses conclaves?
Esgrime ele contra os que sobre a matéria se manifestam do lado oposto, e acrescenta:
- Num país com carências de cuidados primários de saúde, com listas de espera, que já não são listas de espera, são listas de desespero, que me adianta saber sobre o último grito em válvulas mitrais ou a nova marca de comprimidos para o tesão?
Ninguém o demove das suas convicções. Nada o faz mudar de atitude, nem evita que se irrite ao falar no assunto.
- Mas há assim tanta novidade que o vade-mécum não contemple?!
É quase sempre a conclusão definitiva das suas orações de competência.
- Bem, vamos lá a ver: o que é que nos traz por cá.
Acrescenta depois, já com um sorriso largo, envolvendo-lhe o rosto por inteiro, fingindo que toda a conversa anterior nunca ali ocorreu.
- São as mesmas dores de cabeça, Sr. Dr.
...
- E você acha que eu lhe devia receitar um saco de medicamentos, e como não o faço julga que não me interesso com o assunto, não é verdade?
- Não é isso, Sr. Dr. é...
- É. É mas não devia ser. Puxe lá a manga para medirmos a tensão.
O contacto físico acaba por amenizar a conversa, trazendo de novo o sorriso à cara do Dr. Silveira e, por contágio, a quem o consulta por mágoa, dor sentida ou aflição.
Salvo quando uma urgência se anuncia em forma de sirene de ambulância, quando a teimosia duma recaída apresenta sinais de agravamento do estado de saúde ou quando não são claros os sintomas e os males ficavam difíceis de diagnosticar, o Dr. Silveira é um homem calmo e de bom ouvido. Só mesmo a praga das reuniões o conseguem tirar do sério.
Também um dia o consultei por causa duma impigem que me apareceu na barriga da perna direita. Enquanto foi insignificante não dei por ela e só um dia, ao tomar banho, reparei naquela mancha vermelha com cara de poucos amigos.
- Bom dia, Dr. Silveira.
- Gaivotas em terra... - gracejou ele - o que é que nos conta?
- De especial, nada. É a corrida do dia a dia...
Foi o que me lembrei de momento para por naquela conversa. Afinal de contas as mazelas que levava não estavam à vista, e qualquer queixa logo de entrada parecia-me um pouco exagerada.
Talvez pelo meu silêncio, o médico resolveu dar-me alguns conselhos sobre o stress e a forma mais eficaz de o combater. Falámos um pouco de tudo, até do nó da gravata que, segundo ele, eu devia deixar mais frouxo. Vieram à baila as preocupações que tinha sobre envolvimentos pouco claros de colegas seus com laboratórios farmacêuticos, mas não falarei aqui da sua opinião.
Eram já horas de almoço. Ambos roçávamos os rabos nas respectivas cadeiras e não sabíamos que era o ratinho da fome. A conversa estava interessante e nem um nem outro queria dar o passo, quer dizer, a mão, para o cumprimento de despedida. Foi por isso que me lembrei do que me tinha ali levado.
- Já me esquecia: tenho aqui uma impigem na perna direita, Sr. Dr..
Perplexo, o médico baixou os óculos meia lua e fixou-me como que a tentar perceber a que vinha semelhante despropósito. Coçou com o polegar a ponta do nariz e, depois de uma sonora gargalhada, pediu-me:
- Ora, ora, mostre-nos lá isso, homem.
Examinou com cuidado e prescreveu uma pomada, sem mais qualquer palavra, para além da posologia respectiva.
No fundo fui eu que fiquei incomodado com tanto tempo desperdiçado, mas a terapia foi benéfica para os dois. Estou convencido. Ainda assim quis redimir-me da forma mais simpática que o momento aconselhava:
- Convido-o para o almoço. Aceita?
O Dr. Silveira desejou-me as melhoras com um enérgico aperto de mão, levando-me assim até à porta do consultório e, com o seu jeito ao mesmo tempo firme e cortês, piscou-me o olho e declinou:
- Não há almoços grátis, meu caro. Nunca se sabe o que pode contagiar-nos...
Lembro-me de ter tentado um bom par de argumentos a meu favor. Abri ligeiramente a boca, também mostrei ao médico a palma da mão, fazendo sinal para reformular o meu singular convite, mas ele foi peremptório:
- Somos todos iguais, excepções incluídas, o resto são erros de gramática...

João
de Sousa Teixeira
CARTA DE SALAMANCA
El processo de
enseñanza/aprendizaje
La enseñanza ha sido considerada –y actualmente sigue siéndolo, en la práctica, en muchas instancias educativas– como un proceso conservador en el que se trataba de transmitir un “conocimiento” culturalmente avalado (y sancionado por un Ministerio de Educación), es decir, un conjunto de saberes, en base a la puesta en marcha, por parte de quien los recibía, de una serie de habilidades que le permitían asumir su veracidad y su mantenimiento, dentro de unos cauces que, potencialmente, permitirían al individuo adquirir una formación cultural y/o profesional que facilitase su incorporación al mundo laboral.
Este proceso planteaba, desde siempre, una doble problemática:
1) En primer lugar, un conjunto de problemas que afectan a los transmisores, es decir, a los profesores, y que se concretan en una preocupación palmaria: cómo hacer para conseguir transmitir con éxito tales saberes a los
alumnos.
Como componentes de esta preocupación, los profesores expresaban, al menos, la necesidad i) de estructurar adecuadamente –lógicamente (?)– los “conocimientos” que se debían transmitir, ii) de expresarse adecuadamente, iii) de conseguir una apoyatura eficaz mediante la utilización de recursos “de presentación” –a ser posible, audiovisuales, ya que están considerados como una especie de “panacea” que garantiza la calidad del proceso–, y iv) de distribuir la materia de tal manera que resultase fácilmente “asimilable” por los receptores del
mensaje.
Tal vez, cualquier profesor que cumpliera, al menos, estos cuatro requisitos, podría valorar su proceso de enseñanza como “de calidad”,
verdaderamente.
Sin embargo, este enfoque, y esta práctica, adolece de un defecto fundamental: el profesor difícilmente distinguía entre información, conocimiento y experiencia. En muchas ocasiones, el resultado era una auténtica amalgama de hechos, dichos, acontecimientos, ejemplos, frases, fórmulas, modelos, datos, reglas, problemas, sucesos, paradigmas, casos, procedimientos, técnicas, acciones, reacciones, valoraciones, decisiones,... y hasta de resignaciones, que se acumulaban en la mente del alumno. Cuando éste era capaz de mantener el “orden” y la distinción entre tales categorías, los resultados de su “vuelco” en los exámenes podrían esperarse o suponerse como satisfactorios. En caso contrario, las antologías del disparate publicadas hasta la actualidad no dejarían de ser una anécdota, o, simplemente, la “punta del iceberg”.
2) Por parte de los receptores, o sea, de los alumnos, el problema era el clásico de la “asimilación”. Pero la asimilación entendida desde el punto de vista de los profesores, no de los
alumnos.
Este paradigma tradicional utilizó el término “asimilación” de una manera realmente trivial, ya que todo el proceso parecía concentrarse en la disposición de las cosas de tal manera que el alumno no tuviera que hacer esfuerzo por “digerirlas”. El mejor profesor ha sido siempre el que ha presentado los materiales de enseñanza como más “digeribles” (“triturados”, “masticables”, se ha llegado a insinuar en determinados ambientes pedagógicos) por sus
alumnos.
Fue Piaget (no siempre bien entendido –como les sucede, o suele suceder, a los genios–), quien sugirió el auténtico sentido de la “asimilación”. La asimilación no es un proceso mecánico de trituración, sino un proceso bioquímico de incorporación de los nuevos materiales a las estructuras existentes.
El sistema cognitivo evoluciona, avanza, por incorporación de nuevos saberes a los saberes que se han incorporado estructural y funcionalmente a dicho sistema. De tal forma que la estructura del sistema cognitivo queda progresivamente más habilitada para resolver problemas cada vez más complejos. Lo mismo sostenía Vygotski, desde su perspectiva y utilizando su terminología. Ésa es la esencia del constructivismo, y ésa es la justificación del famoso y mal entendido por muchos “aprendizaje significativo”.
Parece ser que, en la actualidad, las cosas comienzan a aclararse, y comenzamos a reflexionar sobre la naturaleza auténtica del proceso de enseñanza/aprendizaje, más allá de la discusión sobre la adecuación de los distintos paradigmas propuestos por los eminentes autores que parecen disputarse la gloria de proponer el modelo más
adecuado.
Una de las cosas que parece ya más clara es que no se trata de un proceso unidireccional, en el que la responsabilidad última recae sobre el profesor –el transmisor del saber–. El alumno está implicado, y, tal vez, de manera más esencial que el profesor. Si esto se acepta así,
1) No se puede hablar de calidad de la enseñanza sino de calidad del proceso de enseñanza/aprendizaje, ya que en la valoración de la calidad del proceso se ha de tener en cuenta, no sólo la actuación del profesor, sino también el impacto que dicha actuación produce sobre el
alumno.
2) Como consecuencia inmediata, el problema de la calidad del proceso no afecta sólo al profesor, sino también al alumno.
3) En buena lógica, hemos de conceder que el proceso es único –aunque no unidireccional, como quedó indicado anteriormente–, y, por tanto, podría decirse que enseñanza y aprendizaje son las dos caras de una misma
moneda.
Ahora bien, aceptar esto supone aceptar también que los resultados de ambos procesos deben darse simultáneamente. En otras palabras, si el profesor enseña, el alumno aprende. Pero esto quiere decir también, que si el alumno no aprende, el profesor no enseña.
4) Admitir esto supone admitir, asimismo, la necesidad de redefinir o, al menos, de considerar de manera diferente, los resultados del proceso de enseñanza/aprendizaje. ¿Pueden entenderse, en adelante, esos resultados como un cúmulo de “conocimientos”? ¿Deberían entenderse, más bien –y, en consecuencia, así habría que evaluar– como el progreso de las estructuras del pensamiento del alumno? Como profesores, ¿es nuestra labor “alimentar” la cantidad de “conocimientos” de nuestros alumnos, o promover el desarrollo de su capacidad crítica?
He aquí una historia aleccionadora:
Érase una vez un rabino a quien la gente tenía por un hombre de Dios. No pasaba un día en el que no acudiera a su puerta una multitud de personas en busca de consejo, de curación, o de una simple bendición de aquel santo varón. Y cada vez que el rabino hablaba, la gente le escuchaba absorta, como bebiendo cada una de sus
palabras.
Pero había entre sus oyentes un desagradable individuo que no perdía ocasión de contradecir al Maestro. Había observado los puntos débiles del rabino y se burlaba de sus defectos, para consternación de los discípulos, que empezaron a mirarle como si fuera la encarnación del
diablo.
Un día, el “diablo” cayó enfermo y, al poco tiempo, falleció. Y todo el mundo respiró aliviado. Externamente, reflejaban la debida compunción, pero en sus corazones estaban contentos, porque las inspiradas palabras del Maestro ya no serían interrumpidas, ni sus soflamas serían criticadas por tan irrespetuoso
hereje.
Por eso, la gente estaba sorprendida al ver al Maestro auténticamente compungido durante el funeral. Cuando más tarde, un discípulo le preguntó si estaba entristecido por la condenación eterna del difunto, él respondió:
–“No, en absoluto. ¿Por qué iba a entristecerme por nuestro amigo, si sé que está en el cielo? Por quien estaba afligido era por mí mismo. Ese hombre era el único amigo que tenía. Estoy rodeado de personas que me veneran, pero él era el único que hablaba en mi contra. Y me temo que, desaparecido él, voy a dejar de
crecer”.
Dicho lo cual, el Maestro rompió a llorar. (A. de Mello: La oración de la rana, vol. 2, 2ª edición. Santander, Sal Terrae, 1989, pág.
51).

Juan A. Castro
António Trigueiros
Mª Isabel Malta
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