JORGE PALMA APONTA
VIRAGEM NA CARREIRA
Não sou um
revolucionário

Jorge Palma não se considera um revolucionário da música, mas persiste em ter uma intervenção social nos seus discos. Zeca Afonso e Sérgio Godinho são algumas das suas referências num momento em que se prepara para fazer uma viragem na carreira iniciada em 1972.
Em entrevista ao «Ensino Magazine», Jorge Palma salienta que a História dos seus trabalhos é a História da sua vida e de muitas outras.
Garante que há ainda muitas áreas musicais por descobrir e que, para além disso, irá misturar todas as referências que recolher das músicas, do mundo, das pessoas e das situações. Experiências colocadas depois em novos trabalhos.
O seu último disco «É Proibido Fumar» significa uma viragem na sua carreira?
Nem por isso. Integra um conjunto de trabalhos que fui fazendo ao longo dos anos para várias entidades e artistas: para a Sociedade Portuguesa de Autores, para Paco Bandeira e outros. Saliento também uma música que fiz para Teatro, que constituiu uma experiência muito interessante. No entanto, há outros temas que ficaram de fora do disco, como uma parceria que estabeleci com Amélia Muge. Era preciso proceder a uma selecção. Neste momento, estou a sentir que atingi, como artista, uma certa repetição. Preciso de encontrar novos temas, novas abordagens aos problemas, caminhos diversos daqueles que tenho percorrido. Conto com os meus amigos para me ajudarem nessa descoberta que estou a empreender de forma progressiva e serenamente.
O próximo disco é que será, então, um «voltar de página»?
Sim. Ainda não está tudo definido, mas já tenho algumas ideias em elaboração. De qualquer das formas, posso adiantar que será mais “encolhido” em termos temporais, ou seja, não abrangerá um período tão longo. Descobri recentemente o valor de músicas e composições bastante antigas de D. Dinis e Afonso X, que estão algo esquecidas. Contudo, são extremamente interessantes. Gosto também bastante de jazz. É neste encontro, na descoberta de música medieval e de múltiplos estilos que estou a buscar elementos que poderei misturar em trabalhos futuros. Não sei ao certo de que forma repercutirei tais influências nos discos, mas é natural que coloque neles referências que obtenho de tudo aquilo que oiço. Retiro, igualmente, dados daquilo que sinto e penso em relação ao mundo que nos rodeia, às situações que ocorrem e aos actos das outras pessoas.
Quais são as suas referências musicais?
São vários. Zeca Afonso foi um dos que mais me influenciou na fase inicial da minha carreira. Dentro da música portuguesa, há outros que constituem referências relevantes para mim, como Sérgio Godinho e Vitorino, entre muitos outros. O meu primeiro disco foi gravado em 1972, em Inglês. De lá para cá, houve grandes evoluções, que corresponderam a fases e experiências que fui tendo ao longo do tempo e que reflecti nos discos que foram saindo. Os trabalhos que fiz são, aliás, a História da minha vida e de outras vidas com as quais me cruzei. Em cada momento, apresentei aquilo que eu próprio considerava mais adequado ao que sentia e pensava. Nunca enveredei por domínios que não eram intrinsecamente os meus. Acima de tudo, respeitei e respeito o meu modo de ver o mundo. E isso o público reconhece, tal como o observaria se o não fizesse.
Aflige-me a violência que cada vez mais domina no mundo, afectando os jovens e, no fundo, toda a gente. É impressionante o estado a que o mundo chegou em termos de agressividade gratuita e inútil, visível diariamente nas mais diversas situações. É confrangedor os níveis de violência que se verificam um pouco por todo o lado e que a comunicação social nos transmite em bruto.
Que papel pode a música ter na inversão da situação?
É capaz de influenciar as mentalidades e os comportamentos das pessoas, mas, infelizmente, a longo prazo. Os seus efeitos são muito lentos e graduais. A economia tem repercussões bastante mais amplas e rápidas. Os artistas têm uma função de contribuírem para combater a violência entre as pessoas, é essa a função que lhes cabe desempenhar dentro das suas possibilidades e limitações. A música tem potencialidades, em termos de formação, à semelhança, aliás, do que acontece com outros níveis como a Educação e a Cultura em geral. Os artistas não se podem demitir de um papel de intervenção sobre as questões que afectam o mundo e as pessoas, dada a repercussão pública que a sua actividade exerce. Da minha parte, nunca ignorei o que se passa na sociedade e continuarei atento às evoluções que se forem registando e aos problemas mais prementes que se colocarem a cada momento. São questões hoje, naturalmente, diferentes de antigamente mas que devem ser encaradas de frente, sem receios, porque é o melhor ponto de partida para os solucionar.
Como explica o sucesso da música «pimba»?
Nem sequer me apetece pensar nisso... Preocupo-me apenas em realizar o meu trabalho, seguindo as minhas próprias orientações. Mas, não sou um revolucionário. Zeca Afonso chamou às pessoas e às situações o que quis com todos os nomes; foi muito directo e claro, sem receios nem «meias-tintas». Mas, eu sou mais subtil nas apreciações que formulo, sem abdicar de uma intervenção e reflexão sobre os problemas que afectam a Humanidade e que revelam profundas injustiças. Mais do que tentar saber porque é que as pessoas gostam de música «pimba», interessa-me compreender e reflectir sobre as linhas que marcam os meus trabalhos. É nisso que me estou a empenhar fortemente e não me interessa meditar sobre aspectos que não influenciam os meus trabalhos. O êxito da música dita «pimba» passa-me ao lado, nos termos em que não modifica a linha orientadora que imprimo às minhas músicas.
Como classifica o seu tipo de música?
Simplesmente como boa. Saber se se destina sobretudo aos mais jovens ou a públicos de outras faixas etárias é uma questão a que não sei responder bem. Na minha perspectiva, a música que faço é para aqueles que ainda vão nascer. Significa isto que me importa que os meus trabalhos sejam úteis para as novas gerações e possam contribuir, por pouco que seja, para virem a ter uma mentalidade mais aberta ao mundo, pautada por princípios e valores que julgo serem correctos.
Não é uma missão exclusiva da música. A Pintura, a Escultura, a Literatura e outras áreas podem exercê-la também, embora através de formas diferenciadas e específicas a cada área. De resto, não me preocupa empreender qualquer tarefa de “catalogação” da música que faço, porque não considero que tal se revele adequado. Os meus trabalhos contêm múltiplas influências e elementos que são provenientes de diversas áreas musicais. Os nomes que colocam ao tipo de trabalho que realizo não é algo a que atribua especial importância, porque não altera o seu conteúdo, nem a forma como o público os analisa. Esta é, pelo menos, a minha profunda convicção e actuo em função de tal perspectiva.
De que forma o público pode ser incentivado a ouvir mais música «boa» como refere?
Uma das formas, como diz o Sérgio Godinho, é desligar a televisão...
(risos)... É a melhor atitude a tomar quando se transmitam programas como aqueles que se vêem. Às vezes, ponho-me a pensar como é possível os telespectadores verem esses produtos que nada acrescentam à sua cultura e que não aumentam os conhecimentos. A TV falha completamente e as pessoas devem procurar alternativas. Uma das que podem ter é ouvir música de qualidade. Recomendo que o façam. É sempre positivo as pessoas fazerem qualquer coisa que as enriqueça ou lhes faça bem, nem que seja dormir! Se optarem por ouvir boa música, só terão a ganhar com isso. Não falo em causa própria - para escutarem os meus trabalhos - mas há muitos artistas e de diversas áreas que merecem ser mais divulgados e conhecidos. É muito grande o número dos que possuem trabalhos de elevada qualidade, alguns perfeitamente espantosos, e que pouca gente sabe existirem. É pena que assim
seja.

Jorge Azevedo
O HOMEM QUE "CANTA A
VIDA"
O último trovador
Primeiro, estranha-se... Depois entranha-se. Esta é uma máxima que assenta na perfeição quando se tenta encontrar uma definição para o cantor Jorge Palma. Uma personagem única no panorama musical português, mas não só. Diz quem sabe que é um eterno viajante. Gosta de trabalhar no limite e admite que é um boémio. Por causa disso é capaz tanto do melhor como do pior. Recusa o rótulo de músico profissional. Possivelmente é simplesmente um homem íntegro. E admitamos que nos tempos que correm esta é uma característica que vale mais que muito. Nem sempre o vemos nas melhores condições. Muitas vezes, e esta é a forma mais simples de o dizer, actua ébrio. Mas como resistir-lhe se quando se senta ao piano, acontecem momentos de pura magia Só um artista maior como é o caso de Jorge é capaz de nos fazer viajar pelo mundo das colcheias, e claves de sol e oferecer-nos o seu canto.
E quanto às letras das suas canções? Bem, as suas letras falam das coisas simples da vida. De amores, paixões, obsessões, vícios. Do outro lado da vida. A poesia não se explica. Entende-se, ou não. Jorge Palma é um trovador dos tempos modernos. Canta a vida, nos seus pormenores mais bizarros, e por isso, mais verdadeiros. As canções de amor do Jorge não são lamechas e nem fáceis. Por isso, nem todos as entendem. Falam de desejo, paixão, luxúria e da verdade das relações. Contam-nos a vida vista através do olhar de quem não receia a viagem porque sabe sempre que há uma volta.
E o homem por detrás do artista, como é? Quer seja numa entrevista, ou num programa de televisão qualquer, é sempre igual a si próprio e desconcerta com a sua simplicidade. Não estamos habituados a pessoas assim, que se dão como são. Sem a máscara para os media, diz o que pensa, sabe do que fala, está atento ao que se passa. Mas no fundo, conserva aquela característica dos que, mesmo com a vida a passar, nunca deixam de escutar a voz do seu coração. Porque, afinal e como diz a canção, enquanto «houver estrada para andar, a gente vai continuar»...

Ana Clara Quental
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