GENTE & LIVROS
Victor Hugo
«A vida tornou-se severa para Marius. Privar-se do relógio e da roupa para comer nada era o pão que o diabo amassou. Os dias sem pão, as noites sem sono, os serões sem luz, o fogão sem fogueira, as semanas sem trabalho, o futuro sem esperança, o casaco roto nos cotovelos, o chapéu velho que causa riso às raparigas, a porta que se encontra fechada ao fim do dia porque não se paga aluguer ao senhorio, a insolência do porteiro e do dono da casa de pasto, as galhofas dos vizinhos, as humilhações, a abdicação da dignidade própria, a aceitação de serviço de qualquer espécie, os desgostos, a amargura, o desalento – que coisa horrível! Marius aprendeu a devorar todas estas coisas, e que são muitas vezes as únicas que temos para devorar. Naquela altura da existência em que o homem necessita de orgulho porque necessita de amor, ele sentiu-se escarnecido porque andava mal trajado, e ridículo porque era pobre. Na idade em que mocidade nos insufla no coração uma altivez imperial, ele mais de uma vez abaixou os olhos para os buracos das botas e conheceu as vergonhas injustas e as pungentes humilhações da miséria. Admirável e terrível provação de que os fracos saem infames e os fortes sublimes. Crisol em que o destino lança um homem todas as vezes que quer um valdevinos ou um
semideus».
In Os Miseráveis

Victor Hugo nasceu a 26 de Fevereiro de 1802 em Besançon, França. Filho de um general do exército acompanhou o pai em algumas campanhas militares. A Literatura clássica e a poesia francesa do séc. XVIII interessam-no desde muito cedo. Começa por escrever poemas de cariz clássico, e publica em 1822 Odes e Poesias Diversas . Mas Victor Hugo traz um novo fôlego às letras com a publicação de Cromwell, em 1827, cujo prefácio se transforma em manifesto do romantismo, e Hernani, em 1830. De 1830 a 1840 publica o romance, Nossa Senhora de Paris, as composições de poesia lírica: Les Feuilles d‘Automne, Les Chants du Crépuscule, Les Voix Intérieures e Les Rayons et les Ombres, e as obras teatrais Marion de Lorme, O Rei Diverte-se – adaptado por Verdi para a ópera Rigoletto - Lucrécia Bórgia e Ruy
Blas.
Victor Hugo dedica-se à política e com o apoio dos duques de Orleães, torna-se membro da Câmara dos Pares e da Constituinte. Mas a defesa dos ideais Republicanos fá-lo cair em desgraça e após golpe de estado de Luís-Napoleão ao qual se opõe, parte para um exílio nas ilhas da Mancha. A sua escrita começa então a expressar um forte ideal social, são desta fase os poemas satíricos Os Castigos a lírica A Lenda dos Séculos bem como os romances Os Miseráveis e os Trabalhadores do Mar.
Após a proclamação da república, Victor Hugo volta a Paris em 1871, onde retoma o papel de deputado que abandona rapidamente. Dedica-se inteiramente à escrita que se transforma numa disciplina rigorosa, todas as manhãs escreve 100 linhas em verso ou 20 páginas em prosa. Humanista, escritor, deputado, membro da Academia de Letras, exilado político, activista das causas sociais, defensor da abolição da pena de morte e de uma Europa sem fronteiras Victor Hugo morre em Paris a 23 de Maio de 1885.
Os Miseráveis. Num dos primeiros dias de Outubro de 1815 um forasteiro chega à cidade de Digne. Esse homem é Jean Valjean, saído das galés passados 5 anos, por ter cometido o “crime” de roubar pão. Todos recusam recebê-lo menos o bispo da cidade Charles Myriel. Os acontecimentos dessa noite, pontuados pela nobreza e generosidade do bispo, vão mudar para sempre a vida de Jean Valjean. Ele próprio se torna um benfeitor para Fantine, jovem mãe obrigada a prostituir-se, a órfã Cosette, Marius o jovem revolucionário deserdado pelo avó e Gavroche, o menino de rua, pequeno herói das barricadas, na França revolucionária do século
XIX. 
Eugénia Sousa
Florinda Baptista
Novidades
PIAGET. As Crianças Como Consumidoras - Uma Análise Psicológica do Mercado Juvenil de Barrie Gunter e Adrian Furnham. As crianças já se assumiram como consumidoras, tem dinheiro, e são bastante permeáveis a marcas e publicidade. Neste livro são abordados assuntos tão diversos como os diferentes produtos que os jovens preferem; como reagem à publicidade; como utilizam o dinheiro; se necessitam ou não de uma protecção especial pela legislação; as técnicas de pesquisa de mercado que funcionam com os jovens.
Europa-América. A Última Confissão de Morris West é também o último livro do escritor que dedica a vida ao “Santo Ofício da Escrita” e morre durante a fase final deste romance. Giordano Bruno é um monge dominicano e filósofo racionalista, condenado pela Santa Inquisição. Os escritos de Giordano Bruno são considerados heréticos pela Igreja Católica. Interrogado, torturado e preso durante 7 anos numa prisão de Roma, tem a oportunidade de se retratar , mas decide morrer pelas suas convicções. A Última Confissão é o diário do último mês de vida de Bruno, até ao dia 17 de Fevereiro de 1600, onde é assassinado no Campo dei Fiori em Roma.
ASA. A obra completa de Agatha Christie é uma aposta da editora. São 85 volumes incluindo romances e contos policiais em três séries Poirot, Miss Marple e Outros. Morte no Nilo, Crime no Expresso do Oriente, Encontro com a Morte, os livros de Poirot foram considerados a melhor série policial do século XX e a autora a melhor escritora do género. Nem com um excelente álibi , cometa o “crime” de não ler.
UBI. A Universidade da Beira Interior lançou uma Série de Estudos Económicos e Empresariais, numa edição da responsabilidade da Fundação Nova Europa da Universidade da Beira Interior. Integrados nesta série estão as obras Cooperação Entre Empresas - Meio de Redimensionamento e Reforço da Competitividade das PME Portuguesas de Mário José Batista Franco e Publicidade e Concentração Industrial: Perspectivas Estratégicas para a Indústria de Confecções e Vestuário em Portugal de João Carlos Correia Leitão. O enfoque da série é feito sobre as dissertações de Mestrados defendidas com sucesso na UBI.
Assírio&Alvim. Cem Anos a Ranger nas Calhas de Eduardo Cintra Torres é um livro em forma de álbum de fotografias de Lisboa. Fotografias do Eléctrico com textos de José Cardoso Pires, Aquilino Ribeiro e Branquinho da Fonseca Cem Anos a Ranger nas Calhas é um passeio poético pela Capital da primeira metade do século
XX. 
BOCAS DO GALINHEIRO
Franck Capra:
eficácia e talento

Há muito que Frank Capra nos perseguia. Finalmente vamos falar dele. Para mim tenho-o como um dos realizadores de lugar cativo na minha lista de imprescindíveis. Nascido em 1897 em Bisaquine, uma pequena aldeia na Sicília, começou a sua carreira no cinema em 1922, altura em que era um engenheiro químico desempregado, com a direcção da produção independente da curta metragem “Fultah Fisher’s Boarding House”, uma adaptação do poema de Ruidyard Kipling. Nos anos seguintes foi de tudo um pouco: redactor de legendas, montador, argumentista e inventor de gags, de que seriam célebres os que criou para Hal Roach e Mack Sennett, até que em 1926 começou a realizar filmes para Harry Langdon, um popular cómico do mudo, como “Atleta à Força” e “Calças Compridas”, até ser despedido em 1927 quando Langdon decidiu ser ele a realizar. Capra fica sem trabalho mas filma ainda para a First National “For the Love of Mike”, primeiro encontro com Claudette Colbert que se estreava neste filme.
Em 1928 é contratado pela Columbia, um dos três pequenos estúdios a par da United Artists e da Universal, os cinco grandes eram a MGM, Paramount, Fox, Warner Brothers e RKO, onde fica até 1941 e onde realizará o melhor da sua obra. Dos 25 filmes para a futura major, nove fá-los nos primeiros doze meses na casa. É obra! Na Columbia torna-se conhecido como artífice de confiança para produções rentáveis e eficientes, e de estilo indiferenciado: desde dramas de acção militar, como “Submarine”, “Fligfht” e “Dirigible”, histórias de jornais, como “The Power of the Press” e melodramas de que se destacam “Ladies of Leisure” e “The Miracle Woman”, com Barbra Stenwyck. Mas, seria a comédia “Platinum Blonde”, de 1931, que marcaria a viragem na carreira do então jovem realizador. Aí começou também a profícua associação entre Capra e o argumentista Robert Riskin que se notabilizaria numa série de comédias de sucesso, como instrumentos e veículos do espírito do New Deal de Roosevelt, nas quais criaram a que ficou conhecida como a “Capriskin Formula”: o idealista individual contra as instituições corruptas. A primeira produção de Capra e Riskin, “American Madness”, de 1932, introduz a assinatura da equipa no tema e o herói idealista, um dedicado banqueiro, Walter Huston, pai de John, em luta contra homens de negócios sem escrúpulos.
O reencontro com Riskin dá-se em “Uma Noite Aconteceu” (na foto), vencedor em 1934 dos cinco maiores prémios da Academia: melhor filme, melhor realizador, melhor actor, Clark Gable, melhor actriz, Claudette Colbert, e melhor argumento (adaptação) para Riskin. Uma história simples, em que tudo pareceria banal e linear, não estivesse por trás o Capra touch, (não é só o de Lubitch) com toda a sua riqueza de acontecimentos e peripécias que fizeram deste filme um arquétipo da comédia, aqui e ali a lembrar os filmes de aventuras e o policial.
Outra obra prima, “Mr. Deedes Goes to Town” (1936) marca o reencontro de Capra com os Oscar. Foi o melhor realizador. O de melhor filme fugiu-lhe para “The Great Ziegfield”, de Robert Leonard. Gary Cooper, o protagonista também não conseguiu o seu. Aliás, só veio a arrecadar o Oscar honorífico em 1960, pelo reconhecimento duma carreira extraordinária.
Depois de levar Mr. Deeds para a grande cidade onde o confrontou com as malhas da corrupção, três anos depois agarra em Jefferson Smith, tal como Deeds um zé-ninguém, um idealista que cita Lincoln, chefe dos escuteiros lá da terra, em suma, um herói à Capra: honesto e ingénuo e, nos tempos que corriam, dotado de um alto sentido patriótico. Desembarca-o em Washington onde, em política, nem tudo o que parece é. E o jovem Smith/James Stewart vai sentir isso na carne. Mais uma vez são o dinheiro e a corrupção a ditar as leis. Nesta leva de filmes de comprometimento de Capra com a América do New Deal, podiamos ainda lembrar “You Can’t Take it with You”(1938), outra vez com James Stewart, ou “Meet John Doe”(1941), primeiro filme da produtora de Capra e Riskin que não durou mais, de novo com Cooper e também Stanwyck. Desfeita a produtora, realiza para a Warner um dos filmes de referência na comédia americana: “O Mundo é um Manicómio”, com Cary Grant, de 1941, mas que só viria a estrear em 1944, uma vez que no período da guerra Capra faz alguns episódios da série de propaganda “Why We Fight”, bem como outros filmes relacionados com o conflito.
O regresso fá-lo com “Do Céu Caiu uma Estrela”, até há pouco tempo presença certa na programação natalícia da RTP. Este sim, um filme de serviço público! Vê-se, revê-se e cada vez mais gostamos da vida na terra, porque até os anjos gostariam de ficar. Enfim, toda a eficácia e talento de Capra num filme inesquecível com um também inesquecível George Bailey/James
Stewart.
São filmes como estes e realizadores como Frank Capra que nos fazem gostar mais e mais de
cinema. 
Luís Dinis da Rosa
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