Director: João Ruivo    Publicação Mensal    Ano V    Nº47    Janeiro 2002

Entrevista

FRANCISCO BERGANO, UM ESTUDANTE EUROPEU

Da Inglaterra à Noruega

Chama-se Francisco Bergano, tem 27 anos, é natural de Lisboa, mas mora em Castelo Branco desde tenra idade. Actualmente encontra-se a concluir o curso de Sociologia na Universidade de Évora, mas tem percorrido outras universidades europeias. Em 1998, ao abrigo do Erasmus, esteve em Inglaterra, de onde rumou à Noruega, país escandinavo onde viveu até ao Verão de 2001.

Agora divide-se entre Castelo Branco e Évora, mas já tem saudades de um tipo de ensino universitário mais livre, onde o aluno tem autonomia na escolha do plano de estudos. “As maiores diferenças que notei passaram desde logo pelo acesso à Internet, que era então uma realidade. Depois, as turmas tinham cerca de 12 pessoas. Havia aulas sobre um tema e dias depois acontecia uma reunião no gabinete do professor, na qual se discutia o mesmo assunto, tendo já em conta a investigação desenvolvida pelos alunos”.

Para isso, os alunos tinham o apoio de uma biblioteca de oito pisos, com milhares de livros, muitos deles em português. Recorriam também à Internet. Todos tinham ainda apoio a inglês para fins académicos, dado que a turma era constituída por alunos estrangeiros, desde árabes a alunos do norte da Europa e da América do Sul. Apesar das diferenças, tinham em comum o desejo de estudar Ciência Política, o curso mais consagrado da Universidade de Kingston-Upon-Hull.

Em 99 regressou a Portugal, e refere que sofreu uma desilusão, dado que queria continuar. É então que alguns meses depois surge a hipótese de ir viver para a Noruega, onde já estava na passagem de ano para 2001. Ali surgiu a hipótese de ingressar na Universidade de Bergen, como aluno convidado, dado que não estava inscrito em qualquer programa de mobilidade dos estudantes.

“A Universidade tinha uma dúzia de cursos ministrados em inglês e dirigidos a alunos estrangeiros. Dirigi-me à Universidade e consegui entrar, embora sem bolsa. Estive um ano a frequentar as aulas e consegui mais um ano de extensão, mas só aproveitei o primeiro ano, dado que no segundo trabalhava e, apesar de ir às aulas, acabei por não fazer os exames finais”, refere.
 

BERGEN. Ainda assim, viveu uma experiência diferente na segunda cidade da Noruega, a qual tem cerca de 300 mil habitantes e fica na entrada dos fiordes. Para se adaptar, foram importantes as cadeiras que escolheu, Sociologia Escandinava, Ética e Política de Saúde, Antropologia da Escandinávia e ainda Ética e Políticas de Investigação. Estudou ainda norueguês, mas afirma que não era estritamente necessário, dado que a maioria das pessoas fala inglês.

Ultrapassou assim o medo da não integração, o que era motivado por várias razões. “Em Bergen chove 300 dias por ano, a temperatura chega a atingir 20 graus negativos e o nível de vida é estrondoso. Um maço de tabaco custa um conto e 500, tal como uma cerveja. Logo, estudar sem bolsa era difícil”. Por essa razão, acabou por trabalhar, sempre em part-time, o que não foi fácil porque não dominava a língua oficial.

“Comecei por trabalhar num antiquário, o qual mudou de gerência, pelo que fui trabalhar com um colega italiano para uma loja de fotografia. Entre nós, entendíamo-nos em espanhol intercalado com italiano e português. Ele coleccionava máquinas fotográficas Leica e essa foi a atracção da nossa loja, tal como algumas máquinas dos anos 40 que tinham sido usadas por espiões e que tinham tamanhos muito reduzidos”.

Já a trabalhar e ainda a estudar, começou por convidar alguns amigos a jantar em sua casa, refeição cuja ementa era dominada pelo bacalhau. Apercebe-se então que outros amigos lhe perguntavam porque não os convidava. Acabou então por resolver o problema, criando um clube gastronómico, o Clube do Bacalhau. “Ia directamente aos fornecedores do bacalhau, os quais fiaram o peixe e organizei o primeiro jantar do clube, então já com 120 sócios”.

A tendência manteve-se durante quatro a cinco meses. Francisco Bergano escolhia o local do jantar, contratava um Dj, e contava com muitas ajudas na confecção da comida. “A minha equipa de cozinha era constituída por uma português de Carcavelos, por uma rapariga angolana e por outra da Guatemala”. No final dos jantares, cada um dos elementos pagava a sua parte. Mas não há bela sem senão, e no primeiro jantar, os bombeiros e a polícia chegaram rapidamente à porta.

“Ao fim de fritarmos 10 pastéis de bacalhau estavam os bombeiros à porta. Bergen é uma cidade histórica património mundial, pelo que as casas têm sistema de alarme de incêndios, o qual está ligado à central. Ainda procurámos o número para os avisar que não se passava nada, mas entretanto, já eles tinham chegado. É claro que os primeiros pastéis de bacalhau foram para eles”.
 

BABEL. O Clube foi crescendo e já tinha pessoas de 30 a 40 países, desde sul-americanos a iraquianos, paquistaneses, europeus. “Num jantar ouviam-se muitas línguas diferentes”. Mas todos estavam de acordo no bacalhau e nas caipirinhas, as quais, no primeiro jantar, foram servidas com neve. “A neve estava limpa e era muita. Não tínhamos gelo picado, pelo que era servir, pôr a neve e está a andar”.

E esta pequena sociedade de Babel acabava por se reflectir na música. “O dj com quem trabalhávamos tinha uma discografia étnica diversificada, com música de todo o mundo. Por isso, cada pessoa ouvia pelo menos uma ou duas músicas do seu país, o que ajudava muito”. Apesar de tudo, a saudade da pátria bateu mais forte e Francisco Bergano acabou por voltar para ficar. “Há 300 dias que chovia e eu precisava de sol. Vim para Portugal e decidi ficar”.

Agora, o objectivo, depois da aventura europeia, passa por acabar o curso e tentar encontrar uma ocupação ligada ao sector do turismo. Entretanto, já foi barman em Montegordo, revendedor de artesanato e trabalha actualmente no ramo dos seguros, depois de ter corrido os festivais de música do Verão por todo o país, a vender artesanato.
 


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