Director: João Ruivo    Publicação Mensal    Ano V    Nº47    Janeiro 2002

Actualidade

RUI MARTINS, PROFESSOR DA UNIVERSIDADE TÉCNICA DE LISBOA

A vantagem da psicomotricidade

Os problemas comportamen-tais manifestados por certos alunos na sala de aula só podem ser resolvidos olhando o aluno com um todo, tendo em conta a interacção entre as suas manifestações motoras, cognitivas e afectivas. Esta é, pelo menos, a opinião de Rui Martins, um docente do Departamento de Educação Especial e Reabilitação da Faculdade de Motricidade Humana, segundo o qual apenas a psicomotricidade permite o tipo de abordagem.

E como estes problemas, à semelhança do que sucede com outros, devem ser atacados o mais cedo possível, para evitar o que chama de “padronização da dificuldade”, aquele docente considera que a sensibilização dos professores para as vantagens da psicomotricidade é fundamental. Não só porque pode ajudar a melhorar a prática docente, mas também à identificação de alunos problemáticos, cujas dificuldades podem ser resolvidas com uma intervenção adequada.

“É muito difícil proceder à intervenção psicomotora em ambiente de sala de aula, com um grupo grande. Quando há problemas que exigem uma reeducação ou uma terapia, a psicomotricidade só é possível em pequenos grupos e individualizando a intervenção adequadamente. Mas a sensibilização por parte dos professores é fundamental para o despiste de dificuldades que possam ser compensadas por esta forma de intervenção”, alerta aquele especialista.

Pois, ainda que os professores não tenham tempo ou capacidade para solucionar os problemas que detectam, podem indicar o aluno a um especialista, o qual deve trabalhar na escola, no âmbito de uma equipa multidisciplinar e em ambiente pedagógico, podendo por isso resolver problemas que, de outra forma, seriam, no mínimo, de difícil resolução.
 

PROBLEMAS. De acordo com aquele docente, a psicomotricidade pode ser importante no superar das inadaptações manifestadas por algumas crianças em meio escolar. Este será o caso de situações em que os problemas têm uma base psico-afectiva e emocional, o que pode decorrer de questões familiares, ou até de vivências negativas, muitas vezes ocorridas em fases não verbais do desenvolvimento.

Neste campo, e dado que utiliza o corpo numa perspectiva simbólica, a psicomotricidade pode possibilitar um conjunto de vivências “que permitam reviver e compensar aportes precoces que não foram possíveis ou que foram mal vividos”. Podem assim ser alvo desta intervenção crianças com instabilidade psico-motora, inibições, comportamentos agressivos ou até com estruturações pré-psicóticas. “Aqui, podemos interferir através do corpo e da relação, num diálogo tónico-emocional, sempre com um valor simbólico. Podemos dar inclusive aportes maternais, sem, no entanto, substituirmos a mãe”.

Outra forma de intervir passa pela utilização de objectos transitivos que possibilitem “a aproximação progressiva da criança, dado que, em alguns casos, há dificuldade em manter o contacto com o olhar, ou mesmo corporal”. O objecto será um elemento de charneira, que permita gerir a continuidade. A terapia prevê também que “a partir de uma situação agressiva, seja possível gerir depois a autonomia, o distanciamento e a diferenciação do outro, para que o sujeito possa funcionar pelos seus próprios meios”.
 

NEUROLÓGICO. Na palestra realizada em Castelo Branco, Rui Martins abordou ainda as vantagens da psicomotricidade na aprendizagem da leitura, da escrita e do cálculo, adiantando que o sucesso depende em grande parte da “experiência sensório-motora da criança a partir da qual se organiza a actividade perceptiva e progressivamente a sua actividade simbólica e conceptual”. De qualquer modo, para rumar nesta direcção, a criança necessita de ter como base uma experiência vivida que lhe permita compreender que a palavra escrita e o som emitido enquanto fala se referem a algo concreto.

“Se uma criança ler a palavra prado e nunca tiver estado num ambiente campestre, se não tiver existido essa vivência visual e auditiva, não tem referências para atribuir significado a uma componente de leitura. Há portanto uma linguagem interior, imagética, à qual associamos depois os símbolos verbais. Portanto, primeiro a criança associa e percebe, depois fala e só então está preparada para o nível da leitura, a que se segue o da escrita, o qual tem um carácter expressivo”.

Ora, quando as dificuldades dos alunos se manifestam e se conclui que há problemas a este nível, o trabalho da psico-motricidade pode ser fundamental para os superar. “Não é o movimento em si que nos interessa, mas ele constitui um meio para organizar a cognição e reorganizar a esfera emocional e psico-afectiva da criança, quando ela está comprometida”, explica aquele docente. Tal consegue-se através de uma adaptação permanente da criança às situações, pelo que não se lhe pede que execute um movimento específico, mas sim que evolua no seu saber estar, e é essa evolução que irá condicionar todos os seus progressos cognitivos e sócio-afectivos.

Na verdade, ao nível neurológico, todo o trabalho desenvolvido pela psicomotricidade no plano da tonicidade, equilibração, controle postural e noção do corpo, lateralidade, estruturação do espaço e do tempo, da praxia e das coordenações, “tem implicações na capacidade neurológica da criança gerir os processos de atenção e vigilância, bem como o nível de integração da informação auditiva, visual e táctilo-quinestésica. Além disso, a um nível superior, tem implicações na organização práxica, a qual é uma actividade consciente, organizada, sequencializada e objectiva, que tem a ver com a capacidade de planificar e de sequencializar”.
 


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