RUI MARTINS, PROFESSOR DA
UNIVERSIDADE TÉCNICA DE LISBOA
A vantagem da
psicomotricidade
Os problemas
comportamen-tais manifestados por certos alunos na sala de aula só podem
ser resolvidos olhando o aluno com um todo, tendo em conta a interacção
entre as suas manifestações motoras, cognitivas e afectivas. Esta é, pelo
menos, a opinião de Rui Martins, um docente do Departamento de Educação
Especial e Reabilitação da Faculdade de Motricidade Humana, segundo o qual
apenas a psicomotricidade permite o tipo de abordagem.
E como estes problemas, à semelhança do que sucede com outros, devem ser
atacados o mais cedo possível, para evitar o que chama de “padronização da
dificuldade”, aquele docente considera que a sensibilização dos
professores para as vantagens da psicomotricidade é fundamental. Não só
porque pode ajudar a melhorar a prática docente, mas também à
identificação de alunos problemáticos, cujas dificuldades podem ser
resolvidas com uma intervenção adequada.
“É muito difícil proceder à intervenção psicomotora em ambiente de sala de
aula, com um grupo grande. Quando há problemas que exigem uma reeducação
ou uma terapia, a psicomotricidade só é possível em pequenos grupos e
individualizando a intervenção adequadamente. Mas a sensibilização por
parte dos professores é fundamental para o despiste de dificuldades que
possam ser compensadas por esta forma de intervenção”, alerta aquele
especialista.
Pois, ainda que os professores não tenham tempo ou capacidade para
solucionar os problemas que detectam, podem indicar o aluno a um
especialista, o qual deve trabalhar na escola, no âmbito de uma equipa
multidisciplinar e em ambiente pedagógico, podendo por isso resolver
problemas que, de outra forma, seriam, no mínimo, de difícil resolução.
PROBLEMAS. De acordo com aquele docente, a psicomotricidade
pode ser importante no superar das inadaptações manifestadas por algumas
crianças em meio escolar. Este será o caso de situações em que os
problemas têm uma base psico-afectiva e emocional, o que pode decorrer de
questões familiares, ou até de vivências negativas, muitas vezes ocorridas
em fases não verbais do desenvolvimento.
Neste campo, e dado que utiliza o corpo numa perspectiva simbólica, a
psicomotricidade pode possibilitar um conjunto de vivências “que permitam
reviver e compensar aportes precoces que não foram possíveis ou que foram
mal vividos”. Podem assim ser alvo desta intervenção crianças com
instabilidade psico-motora, inibições, comportamentos agressivos ou até
com estruturações pré-psicóticas. “Aqui, podemos interferir através do
corpo e da relação, num diálogo tónico-emocional, sempre com um valor
simbólico. Podemos dar inclusive aportes maternais, sem, no entanto,
substituirmos a mãe”.
Outra forma de intervir passa pela utilização de objectos transitivos que
possibilitem “a aproximação progressiva da criança, dado que, em alguns
casos, há dificuldade em manter o contacto com o olhar, ou mesmo
corporal”. O objecto será um elemento de charneira, que permita gerir a
continuidade. A terapia prevê também que “a partir de uma situação
agressiva, seja possível gerir depois a autonomia, o distanciamento e a
diferenciação do outro, para que o sujeito possa funcionar pelos seus
próprios meios”.
NEUROLÓGICO. Na palestra realizada em Castelo Branco, Rui
Martins abordou ainda as vantagens da psicomotricidade na aprendizagem da
leitura, da escrita e do cálculo, adiantando que o sucesso depende em
grande parte da “experiência sensório-motora da criança a partir da qual
se organiza a actividade perceptiva e progressivamente a sua actividade
simbólica e conceptual”. De qualquer modo, para rumar nesta direcção, a
criança necessita de ter como base uma experiência vivida que lhe permita
compreender que a palavra escrita e o som emitido enquanto fala se referem
a algo concreto.
“Se uma criança ler a palavra prado e nunca tiver estado num ambiente
campestre, se não tiver existido essa vivência visual e auditiva, não tem
referências para atribuir significado a uma componente de leitura. Há
portanto uma linguagem interior, imagética, à qual associamos depois os
símbolos verbais. Portanto, primeiro a criança associa e percebe, depois
fala e só então está preparada para o nível da leitura, a que se segue o
da escrita, o qual tem um carácter expressivo”.
Ora, quando as dificuldades dos alunos se manifestam e se conclui que há
problemas a este nível, o trabalho da psico-motricidade pode ser
fundamental para os superar. “Não é o movimento em si que nos interessa,
mas ele constitui um meio para organizar a cognição e reorganizar a esfera
emocional e psico-afectiva da criança, quando ela está comprometida”,
explica aquele docente. Tal consegue-se através de uma adaptação
permanente da criança às situações, pelo que não se lhe pede que execute
um movimento específico, mas sim que evolua no seu saber estar, e é essa
evolução que irá condicionar todos os seus progressos cognitivos e
sócio-afectivos.
Na verdade, ao nível neurológico, todo o trabalho desenvolvido pela
psicomotricidade no plano da tonicidade, equilibração, controle postural e
noção do corpo, lateralidade, estruturação do espaço e do tempo, da praxia
e das coordenações, “tem implicações na capacidade neurológica da criança
gerir os processos de atenção e vigilância, bem como o nível de integração
da informação auditiva, visual e táctilo-quinestésica. Além disso, a um
nível superior, tem implicações na organização práxica, a qual é uma
actividade consciente, organizada, sequencializada e objectiva, que tem a
ver com a capacidade de planificar e de sequencializar”.
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