TESE DE DOUTORAMENTO
SOBRE EDUCAÇÃO ESPECIAL CONCLUI
Há integração e não
inclusão

A escola inclusiva em
Portugal ainda não passou do papel. Para isso acontecer são necessárias
alterações ao nível organizacional e funcional da escola, bem como
mudanças sociais e de políticas educativas, nomeadamente ao nível da
flexibilização de currículos, conteúdos, de horários e de espaços.
É que, apesar das boas intenções e do muito trabalho já desenvolvido, hoje
pratica-se a integração, mas não a inclusão. Ora, como refere David
Rodrigues, “a inclusão não é a continuação da integração, mas sim um corte
radical”. Enquanto a integração permite a entrada de alguns alunos com
deficiência na escola regular, encaminhando os outros para instituições de
ensino especial, a inclusão obriga a que todos, mas mesmo todos,
frequentem a escola regular
A opinião é de Helena Mesquita, professora da ESE de Castelo Branco, na
sua tese de doutoramento, que apresentou no início deste ano na
Universidade de Salamanca, sob o título “A Educação Especial em Portugal
no último quarto do século XX”.
“Há vários estudos que demonstram claramente que a integração é preferível
à segregação, à exclusão”. Apesar de falar assim, neste momento tem
dúvidas que a inclusão seja o melhor para as crianças com necessidades
educativas especiais. “Olhando à forma como as nossas escolas estão a
trabalhar e à formação dos professores nestas áreas, é muito difícil haver
inclusão”.
É que, inclusão significa que todas as crianças terão de estar na escola
regular, incluindo os casos mais severos, “e as escolas portuguesas não
estão minimamente preparadas para receberem esses alunos. Podem estar
preparadas para receberem casos mais leves. Aliás, há casos de sucesso.
Mas os casos severos, de dependentes com deficiências mentais profundas e
outras, não poderão ser integrados nas escolas com o tipo de organização e
com as condições que existem”.
É nesse sentido que Helena Mesquita defende que, para haver inclusão, terá
que acontecer “uma reorganização estrutural e funcional da escola, pois há
problemas de estruturas físicas, problemas sociais e de formação de
professores, de apoio da comunidade”. Caso assim não aconteça, continua-se
a “tentar implementar a integração e depois a inclusão num contexto de
escola tradicional”.
FLEXIBILIDADE. A mudança que postula atinge também os
conteúdos, currículos, horários e espaços, os quais terão de ser mais
flexíveis para poder rumar à escola inclusiva. “Nas actuais condições,
como é que é possível uma turma ter 25 alunos e mais duas crianças
acamadas, dependentes, dentro da sala de aula, sem que haja apoio de
auxiliares, de um professor de apoio? É que a escola inclusiva prevê que
tal aconteça, pois postula que as escolas de ensino especial acabem, que
deixem de ter crianças”.
Não se pense porém que se pretende encerrar as escolas tout court. É
verdade que as crianças terão de ir para a escola regular, mas deverá
depois existir uma interligação entre a escola e as denominadas
instituições de ensino especial. “Estas instituições serão óptimos centros
de recursos porque têm pessoas especializadas, terapeutas, psicólogos...
têm materiais e equipamentos que podem ajudar e muito na integração das
crianças. Então, em vez de cada uma destas faces da solução trabalhar para
um fim, deveríamos todos trabalhar para um mesmo fim”.
Mas se o percurso está traçado, cumpri-lo parece ser uma meta difícil.
“Prepararam-se os alunos para irem para a escola, mas não se preparou a
escola para receber os alunos. No fundo, começou-se a casa pelo telhado e
agora faltam os alicerces”. Daí que, apesar de existirem bons resultados,
eles são dispersos e apenas ocorrem em crianças com determinadas
necessidades educativas especiais e não de uma forma transversal, ao nível
de todos os tipos de casos.
E os bons resultados têm uma explicação: “Consoante as escolas, têm-se
tentado fazer implementações da inclusão. Nalgumas é completamente
impraticável. Outras têm condições para isso, ou porque os professores
estão mais despertos para essas situações, ou porque há uma grande vontade
e voluntariado das pessoas, dos professores, que oferecem horas a esta
causa. Mas varia muito de escola para escola”.
Sendo esta variação do conhecimento geral, e não tentando a sorte, muitos
pais optam por evitar que os filhos com deficiência entrem no ensino
regular. “Na cidade até se vão conseguindo ao menos os equipamentos. Mas
há casos em que se esperam meses e anos pelos equipamentos necessários à
integração dos alunos na escola regular. E assim as crianças, em lugar de
terem mais sucesso, têm cada vez mais insucesso”. 
DO ESTADO AOS PROFESSORES
Culpas repartidas
Em Portugal há boas
experiências na área da educação especial, mas a inclusão ainda continua a
ser feita a espaços, com experiências mais ou menos bem sucedidas, em
resultado do muito trabalho dedicado de alguns professores que, depois,
acaba por não ser reconhecido por quem privilegia a ditadura dos programas
e o ensino para o aluno médio, o qual, afinal, não existe. Esta será outra
conclusão da tese de Helena Mesquita, na qual aborda um período lato da
história de uma educação que fica conhecida por três marcos fundamentais
em termos legislativos.
“O primeiro foi a reforma Veiga Simão, a Lei de Bases do Sistema Educativo
e o Decreto-Lei 319/91. A reforma Veiga Simão trouxe algumas novidades,
com reflexos do que se fazia no estrangeiro, mas não chegou a ser
implementada. A Lei de Bases já é um reflexo do que se passa lá fora,
resultante do Public Law e do Warnock Report. O 319, já em 91, leva a que
a escola seja cada vez mais integrativa, mais inclusiva”.
Só que, se a legislação avança, nem sempre acompanha aquilo que já se faz
no terreno. “Nesta matéria, a própria legislação, muitas vezes vem
legitimar aquilo que já se está a fazer. Muitas das acções que o 319
regulamenta já estavam a ser feitas. O plano educativo individual e o
programa educativo são então uma novidade importada dos Estados Unidos.
Mas o restante já estava a ser feito”.
ÚLTIMOS. O problema é que, se já havia uma prática no terreno
com alguns bons resultados, nem por isso se generalizou. Por outro lado,
as novidades que os diplomas legais trouxeram consigo não foram aplicadas.
“Em termos integrativos, ainda estamos na cauda da Europa. Penso que há
uma falta de vontade política para fazer cumprir a legislação na sua
totalidade”.
Um dos casos que não analisou em profundidade, até porque acontece já em
pleno trabalho de campo, passa pelo Decreto 105/97, que regulamenta a
colocação dos professores de apoio educativo. No fundo, acabou por ser uma
vantagem importante em matéria de educação especial. Mas durou pouco.
“Este ano já houve regressão na colocação destes professores. Parece que
damos dois passos para a frente e um para trás”, diz.
Está assim em risco o princípio da escola inclusiva, o qual defende que
possam existir dois professores dentro da sala, o professor dito do ensino
regular e o professor de apoio. Foi isso que começou a ser feito, mas que
agora regrediu. “As queixas em relação à redução de professores de apoio
são generalizadas. Ora, o apoio que eles prestam é fundamental. A inclusão
da criança, só com o professor do ensino regular, é extremamente difícil”,
conclui.
Mas as resistências nem sempre resultam de problemas económicos de quem
gere o sistema ou das próprias políticas educativas. “Na minha opinião, os
maiores opositores à integração são os próprios professores do ensino
regular. Há professores que preferem estar na sala de aula, entre quatro
paredes, sem a observação de ninguém. Vale porém que há também imensos
professores que gostam de trabalhar com o professor de apoio a seu lado.
Aliás, poderia ser feito um estudo aprofundado acerca destas questões”.
FORMAÇÃO. Em causa estará a formação dos próprios professores.
“Quanto maior for o número de contactos do futuro professor com crianças
portadoras de deficiência, mais positiva será a sua atitude relativamente
a elas. A formação inicial é fundamental”. Este foi mesmo o ponto chave
que investigou na tese de mestrado, tendo concluído que todos os
professores pensavam que deveria haver uma disciplina de educação
especial, ou mais, ao nível da formação inicial. Mas a verdade é que tal
acontece ainda em poucas escolas.
Ainda na área das necessidades educativas especiais, coloca-se o problema
da formação contínua e da formação especializada de professores. “É
importante continuar essa formação. Porém, acontece que alguns dos
professores que estão no mercado de trabalho não tiveram qualquer formação
na área de necessidades educativas especiais. Logo, torna-se mais difícil
encontrarem respostas aos seus problemas”. 
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