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Director: João Ruivo    Publicação Mensal    Ano V    Nº58   Dezembro 2002

Cultura

GENTE & LIVROS

José Jorge Letria

«Obrigado, Alcipe, por me teres feito sócio da tua Sociedade da Rosa, obrigado, Filinto Elísio, por nunca teres negado apoio e aplauso quando eu mais precisei deles, iludindo a vigilância dos «Moscas» de Pina Manique e a inveja de quem sempre se recusou a vislumbrar, por detrás do fulgor dos meus versos, a grande miséria que inundou a minha vida.

Todas aquelas que amei estiveram comigo e por mim até perceberam que preservar nesse amor era um bilhete de ida para o abismo. Partiram ou fizeram-me partir, enquanto eu diluía em anagramas fáceis o amor que lhes tinha e a saudade que em mim teimaram em deixar. Recuperei de uma longa enfermidade na casa hospitaleira de Bersone e de novo aí a paixão voltou a visitar-me, sempre acompanhada pelo ciúme que nunca quis ou soube dar-me tréguas. Porquê tanto ciúme? Por temer a dor de uma nova perda que me humilhasse e deixasse irremediavelmante só.»

In Já Bocage Não Sou

José Jorge Letria nasceu em Cascais em 1951.Tirou um curso de Direito e História em Lisboa com uma pós graduação em Jornalismo Internacional pela UAL. Exerceu o cargo de redactor e editor de alguns jornais portugueses tal como o Jornal de Letras. Entre Janeiro de 1994 e Janeiro de 2002 foi vereador da Cultura da Câmara de Cascais.
Actualmente é jornalista e escritor e integra a equipa de colaboradores regulares do programa Acontece.

José Jorge Letria é autor de mais de três dezenas de colectâneas poéticas e de mais de sessenta títulos para crianças e jovens. Já recebeu vários prémios nacionais e internacionais. O escritor recebeu dois grandes Prémios da Associação Portuguesa de Escritores, Prémio Internacional UNESCO e Prix Internacional des Arts et des Lettres, em França, Prémio Plural no México, Prémio Aula de Poesia em Barcelona, Prémio da Associação Paulista de Críticos de Arte no Brasil duas vezes Prémio Eça de Queirós-Município de Lisboa, Prémio Gulbenkian entre outros encontrando-se os seus livros traduzidos em várias línguas. 

José Jorge Letria foi um dos mais destacados autores-intérpretes do canto de intervenção no final dos anos 60 e na década seguinte, ao lado de nomes como Jóse Afonso, Adriano Correia de Oliveira ou Manuel Freire, gravou vários discos. 

Jornalista e Escritor recebeu em Junho de 1997 a Ordem da Liberdade pelo presidente Jorge Sampaio. 


Já Bocage Não Sou. Corre o ano de 1805 e o poeta Bocage jaz, moribundo, aí recorda toda a sua vida. “Ditado entre as agonias do seu trânsito final” o poema: Já Bocage não sou!... À cova escura / Meu estro vai parar desfeito em vento/ Eu aos céus ultrajei! O meu tormento leve me torne sempre a terra dura:

Conheço agora quão vã figura em prosa e verso fez meu louco intento; Musa!...Tivera algum merecimento Se um raio da razão seguisse pura!

Eu me arrependo; a língua quase fria Brade em alto pregão a mocidade Que atrás do som fantástico corria: Outro Aretino fui...A santidade Manchei!...Oh, se me cresce, gente ímpia, Rasga meus versos, crê na eternidade!

Eugénia Sousa
Florinda Baptista

 

 

 

Novidades

EUROPA-AMÉRICA. Tolkien O Homem e o Mito, Uma Vida Literária de Joseph Pearce. Uma bonita explicação do mundo criado por Tolkien e o significado da terra Média. Outros aspectos do Senhor dos Anéis são também abordados bem como a sua relação com a família, outros escritores e a importância de Deus como pano de fundo de toda a sua vida e carreira.

 

GRADIVA. O Milagre Europeu integra a colecção Trajectos e foi escrito por E.L. Jones. «Por que é que os Estados e Economias modernas se desenvolveram primeiro neste sub-continente semiperiférico que é a Europa? Numa nova e excelente tradução de Edgar Rocha, uma obra fundadora de leitura absolutamente incontornável». 

 

ASSÍRIO & ALVIM. Lágrimas e Suspiros, Persona e Dependência são obras do realizador sueco Ingmar Bergman esta Editora publica o argumento com tradução de Armando Silva Carvalho.

 

GRADIVA. Ensino Superior: Uma Visão para a Próxima Década é uma das novidades desta editora cuja autoria pertence a Veiga Simão, Machado dos Santos e Almeida Costa. Só os nomes dos autores deixam de imediato antever o carácter singular e importante da reflexão feita. Mas o livro vai mais longe e define um novo modelo de relacionamento entre o poder político, o governo académico e a sociedade civil. Propõe ainda novos mecanismos de relaxam e de financiamento além de apontar caminhos para uma dimensão europeia e internacional das instituições.

 

 

 

BOCAS DO GALINHEIRO

Uma questão de honra

“As Quatro Penas Brancas” (The Four Feathers), romance popular que A. E. W. Mason deu à estampa nos princípios do século XX, desde cedo que foi alvo da cobiça de produtores e realizadores. Retracto do exército imperial inglês, conta-nos a história de três amigo de infância, filhos de militares, que, seguindo o exemplo dos pais, abraçam a vida militar. Um deles, o tenente Harry, demite-se do seu posto por não se rever na instituição militar, no momento em que o seu regimento recebe ordens para ir reforçar as tropas de Lord Kitchener em operações no Sudão. Os seus camaradas e a própria noiva enviam-lhe, em sinal de desprezo, penas brancas. Harry resolve então mostrar que não se demitira por cobardia e, enfrentando perigos vários, salva, não só os amigos que lhe enviaram aqueles simbolos de cobardia, como o próprio exército de Kitchener.

Vem isto a propósito de uma nova adaptação deste clássico da 7ª Arte, que estreou entre nós no passado mês de Novembro dirigida por Shekhar Kapur, cineasta de origem hindu, que se celebrizou internacionalmente pelo incómodo e pela ira que provocou ao governo indiano quando realizou em 1994 “A Rainha dos Bandidos”, biografia de uma conhecida fora da lei indiana, Phoolan Devi, mas, acima de tudo, uma crítica feroz ao papel da mulher na India e ao absurdo sistema de castas, e mais tarde com “Elizabeth”(1998), um soberbo filme sobre a subida ao trono de Elizabeth Tudor que viria a reinar por mais de quarenta anos na conturbada Inglaterra do século XVI.

George Sadoul, dá-nos conta da primeira versão da novela, filmada, em 1920, pelo cineasta francês René Plaisetty. Por seu lado, no outro lado do Atlântico, a Paramount produz, em 1928, uma nova versão com um elenco, à época, excelente: Richard Arlen (Harry), Clive Brook e William Powell que viria a ser um dos astros favoritos da Metro. A pretendida era Fay Wray que, quatro anos depois seria o alvo da paixão de King Kong de Ernest B. Schoedsack. A direcção foi entregue ao cineasta de origem alemã, Lothar Mendes, na parte dramática e Merian Cooper e E.B. Schoedsack ocuparam-se do lado documental, logrando cenas de grande beleza e espectacularidade, de que salientamos o dantesco incêndio da floresta, a homérica batalha e a inolvidável parada final, aproximando-se por vezes da sua já célebre obra, “Chang”.

Mas, a melhor adaptação da história deste jovem militar que em 1898 se recusou a ir combater para o Sudão, foi a produzida por Alexander Korda, um húngaro de nascimento, cineasta, produtor e criador de vedetas, uma das figuras mais controversas do cinema inglês, pleno de charme e ambição, hábil administrador, com um sentido nato de espectáculo, que em 1939 encarregou o irmão mais novo, Zalton Korda, para dirigir “As Quatro Penas Brancas”, acolitado nos figurinos pelo outro irmão, Vincente Korda. O resultado foi uma fita de grande espectáculo, movimentando massas de figurantes, num tecnicolor de belas imagens e com apurada técnica. Do elenco constavam John Clements, vivendo o heróico Harry, Raalph Richardson, o sempre “velho” C. Aubney Smith, ponderado e perfeito, e June Duprez, a noiva. Em Portugal foi um êxito. Estreou no S. Luíz em Janeiro de 1940.

Um ano antes da sua morte, em 1955, Alexander Korda produz o seu penúltimo filme: uma nova versão do livro de Mason, “Storm Over the Nile” (As quatro penas – Nenhum foi tão bravo, assim foi baptizado entre nós), novamente com realização de Zalton, desta vez de parceria com o cineasta inglês Terence Young, que viria a dirigir alguns anos depois o primeiro Bond, “Dr. No”.

Esta versão tente, com os modernos processos técnicos à época, imprimir mais força e espectáculo à narrativa. Filmado em cinemascope-tecnicolor, o que valoriza as cenas filmadas no deserto e nas margens do Nilo, acrescidas da maior expressão que lhes é imprimida pela música de Benjamim Frankel. Todavia pouco acrescenta à anterior versão de Zalton, pois segue mais ou menos passo a passo aquela adaptação.

Este remake de Kapur, que conta nos principais papéis com Heath Ledger, Wes Bentley e Kate Hudson, introduz vários aspectos psicológicos de foro intimo ao personagem de Harry, como o medo que sente e que o leva a pedir a sua saída do exército, não fugindo porém do essencial à história original, enfoque especial nos fortes laços de amizade que o levam a seguir o rasto dos camaradas. Onde o filme fica a perder com as versões anteriores, principalmente a primeira de Zalton Korda, é na tentativa de expurgar o filme de qualquer referência colonialista, obviamente transversal na obra de Mason, tornando-o exactamente no contrário o que, arriscamos, foi contraproducente. Naturalmente nos finais do século XIX glorificava-se o Império, incitava-se ao patriotismo e o orgulho de nele viver. Hoje, não deveria ser diferente. “Quatro Penas Brancas”, de Shekar Kapur, à sua escala, acaba por ser um filme honesto, que capta com brilhantismo as cenas de batalha, ao fim e ao cabo o que esperamos num filme de aventuras.

Luís Dinis da Rosa
com Joaquim Cabeças

 


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