ANA LEAL E AS GRANDES
REPOSTAGENS
Ser jornalista
Distinguida com prémios de Jornalismo, Ana Leal é uma das “pontas de lança” da TVI nas reportagens de investigação. Pôr as pessoas a pensar nas realidades ocultas do dia-a-dia, a olharem para o “vizinho do lado” é um dos seus objectivos.
Depois do trabalho realizado, Ana Leal sente-se gratificada porque ajudou alguém a concretizar pequenos sonhos. Mais, muito mais do que as audiências. As grandes reportagens são o género onde o jornalista é mais jornalista, reconhece, prometendo continuar a desvendar o outro lado das coisas e a revelar as almas das pessoas, tal como revelou em entrevista ao «Ensino Magazine».
Foi distinguida com vários prémios de Jornalismo. Qual a importância que atribui aos galardões?
Recebi um prémio por uma reportagem intitulada “Eu Não Quero Ficar Assim”, que se debruçava sobre a situação de jovens vítimas de acidentes rodoviários. Explicaram-nos o que se passou, o que sentiram, a esperança que, no entanto, nunca abandonaram e a forma como “deram a volta” às suas vidas. São exemplos de coragem para outros apontados neste trabalho que procurou adoptar uma vertente pedagógica, de sensibilização para a problemática dos acidentes nas estradas que, infelizmente, causam tantas mortes e feridos em Portugal.
Quanto à outra reportagem premiada…?
Chamava-se “Infância Perdida” e abordava a questão das crianças mal tratadas. Foi um trabalho difícil de fazer, do ponto de vista humano. É uma realidade oculta e desconhecida que a TVI revelou. O que se passa em Portugal, a este nível, é assustador e nós conseguimos confrontar o país com esta realidade nua e crua. Em relação à importância que atribuo aos prémios, significam o reconhecimento do meu trabalho, mas serve também para se ter a consciência plena do papel que o jornalista pode desempenhar na sociedade e que não é só o de informar por informar, mas é, igualmente, de tipo pedagógico em termos de sensibilizar a sociedade para determinadas temáticas. Esta dupla vertente profissional não pode ser nunca descurada e tem de ser permanentemente considerada pelo jornalista. Só assim conseguirá realizar um trabalho completo e com o qual se sinta satisfeito. É assim que eu entendo a minha actividade e é isso que tenho procurado concretizar na TVI.
As televisões devem apostar mais nas grandes reportagens de investigação?
É, sem dúvida, uma via a explorar cada vez mais. Era impensável, há uns anos, que as grandes reportagens ocupassem uma parte importante dos telejornais como sucede actualmente, levando, por exemplo, o Jornal Nacional da TVI a ter quase uma hora e meia de duração.
As audiências demonstram que este tipo de produto jornalístico contribui para aumentar o número de telespectadores que assiste aos telejornais da noite. Já todas as estações de TV estão a dar especial atenção às grandes reportagens e a disponibilizarem meios financeiros e humanos para a sua realização. Note que este género de “peças” implica meios de vulto e que, no passado, não podiam ser disponibilizados. A evolução foi notável e isso é bastante benéfica em termos da capacidade e oportunidade que agora existem para aprofundar determinados temas e, desta forma, informar melhor o público.
Os trabalhos de investigação jornalística representam uma forma dos canais privados realizarem serviço público de televisão?
Sem dúvida que sim. O mais importante é que o tratamento noticioso conferido a certas questões leve õ público a pensar nas mesmas; a reflectir nos temas abordados e sobre as pessoas e acontecimentos que normalmente nos passam ao lado. Nos trabalhos que fiz, posso dizer que fiquei um pouco melhor como pessoa; aprendi aspectos novos da temática em análise e ajudei a tornar realidades pequenos sonhos. Coisas que para nós talvez não sejam, à partida, muito significativas, mas, para elas, eram isso mesmo…sonhos! É o mais gratificante para o jornalista, muito para além dos níveis de audiências e dos “shares” televisivos.
O género da grande reportagem marca a diferença entre os telejornais dos diversos canais?
Os telejornais têm de apresentar os acontecimentos mais relevantes durante o dia para que sejam conhecidos do público. Isso é inevitável e é natural que os alinhamentos reflictam as prioridades noticiosas do momento concreto. Daí que não seja de estranhar que os vários telejornais incidam sobre muitos temas que são os mesmos dos canais concorrentes. No entanto, nas grandes reportagens é possível cada estação apresentar uma forma – a sua forma – de tratar determinada questão, em termos jornalísticos. É uma mais-valia de cada canal. Este é o género onde o jornalista é mais jornalista. Daí que me agrade particularmente.
Pretende continuar a apostar nas reportagens de investigação ou vai “entrar” noutros produtos informativos?
Sinto-me bem a realizar este género de trabalho. Gosto de revelar o que vai na alma dos meus entrevistados, de explicar bem os acontecimentos que ocorreram e os afectaram, de procurar, encontrar e apresentar as suas causas e consequências. Por isso, quero prosseguir na realização de grandes reportagens de investigação.
Como avalia a informação televisiva que é hoje produzida em Portugal?
Como consequência do surgimento de canais privados, a qualidade da informação aumentou de forma muito significativa. As questões são abordadas com maior profundidade e isso é bastante positivo. Os telespectadores passaram a poder dispor de uma variedade muito maior de opções e de produtos televisivos. Repare que, há anos, só havia grandes reportagens – normalmente apenas uma por semana – na RTP. Hoje, todas as estações reconheceram já a importância deste género de trabalho. Aperceberam-se que os telespectadores gostam de grandes reportagens e procuram-nas para conhecerem melhor certas questões que são, muitas vezes, tratadas de modo abreviado nos telejornais.
Quais as áreas temáticas que os trabalhos de investigação das várias televisões ainda não trataram com a profundidade devida?
Naturalmente que é algo difícil responder a isso, se não, estaria a revelar os trabalhos que estou a preparar . Mas, penso que o domínio da Saúde está, ainda, por explorar. É certo que já se tem abordado a área. No caso da TVI, tem apresentado trabalhos sobre os medicamentos, novas descobertas científicas e outro tipo de aspectos relacionados com a Saúde. Mas, fazem falta mais reportagens de fundo sobre uma área como esta tão sensível para a vida dos cidadãos.
Jorge Azevedo
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