EDUARDO CINTRA TORRES,
CRÍTICO DE TELEVISÃO
"Sou favorável
à extinção da RTP"

Eduardo Cintra Torres é um dos mais reputados críticos de televisão de Portugal. Em entrevista ao «Ensino Magazine», desdramatizou o domínio das «novelas da vida real» e afirmou que o público se vai cansar desses produtos, porque «cansa-se de tudo».
Criticou a Alta Autoridade para a Comunicação Social e propôs um novo quadro legal para o sector. De modo a acabar com o incumprimento de horários e programas interrompidos por outros.
Eduardo Cintra Torres só vê um futuro para a RTP: a extinção, para depois surgir outra empresa de TV estatal, mas mais reduzida, sem publicidade e a assumir-se, de facto, como de serviço público.
No meio das críticas, o elogio a alguns canais por cabo, como a SIC Notícias.
Como vê o actual panorama televisivo nacional?
É pautado por uma grande diversidade de propostas. É certo que está algo inquinado pelas discussões em torno dos “reality shows”, mas isso deve ser desdramatizado. A oferta televisiva é, hoje, mais ampla e variada. Há canais transmitidos por cabo que têm o seu interesse, mesmo portugueses como a SIC Notícias e a SIC Radical. Nas diversas estações, existem bons programas, adequados a gostos e preferências variados. Por outro lado, há que reconhecer que o fluxo televisivo prolonga-se pelas 24 horas do dia e, nesse tempo, o leque de produtos é bastante alargado e dirigido a múltiplos públicos.
Há mercado em Portugal para um canal exclusivamente informativo?
Creio que sim. Aliás, se não houvesse condições, a SIC Notícias não estaria “ no ar”. A televisão por cabo tem entre 800 e 900 mil clientes e pode suportar canais que se pode considerar baratos e outros, de custos mais elevados. O sucesso da SIC Notícias é uma realidade que se constata no facto de ser a estação com maior audiência da TV cabo. Este meio de difusão é, na minha perspectiva, uma das linhas de futuro da televisão portuguesa. A RTP vai, aliás, lançar novos canais por cabo, a SIC já o fez e é muito provável que a TVI entre também neste mercado específico. Em termos do conjunto do país, os 4 canais nacionais generalistas têm uma quota de audiência de 90 por cento, enquanto os transmitidos por cabo não ultrapassam os 10 por cento. No entanto, nas casas onde esta possibilidade existe, a audiência dos canais temáticos é já superior a 20 por cento. Isto significa que, se se verificar um acesso mais alargado dos portugueses ao cabo, é bastante provável que os canais aí disponibilizados alcancem uma “fatia” de mercado substancialmente maior. A televisão de tipo generalista está a perder audiências, mas não acredito, à partida, que possa descer abaixo dos 50 por cento, porque tem um espaço próprio muito considerável que deverá manter. A tendência evolutiva passará pela apresentação de programas que conquistem públicos amplos e diversificados. Note-se que uma emissão de tipo generalista é aquilo que cumpre mais cabalmente o papel primordial e essencial do meio Televisão. Até porque os canais temáticos difundem um ou outro tipo de produto – filmes, desporto ou música, por exemplo, que pode ser encontrado, embora em menor quantidade, numa estação generalista.
Os telespectadores vão-se cansar das «novelas da vida real» e outros produtos do género?
O público cansa-se de tudo. Aliás, se se farta da boa e da má Literatura, do bom e do mau cinema, como é que não se há-de cansar da televisão que tem? Vai fatalmente deixar de apreciar programas que têm uma péssima qualidade. No entanto, esses produtos vão se manter durante algum tempo enquanto possuírem um nível mínimo de veracidade e não forem fraudulentos. Se forem, como aconteceu no caso do “Bar da TV” da SIC, os telespectadores mais ou menos conscientemente compreendem que há qualquer coisa que foi encenada e não é real. Foi o que se passou com esse programa e os resultados das audiências – bastante inferiores às expectativas – demonstram do falhanço da aposta e do modo como a mesma foi
implementada.
É favorável à privatização da RTP como forma de resolver os problemas da empresa? Que modelo advoga?
A privatização não ira solucionar nada. Levaria era a uma situação impossível e insustentável de concorrência no panorama televisivo. Daí que não compartilhe da posição que tem vindo a ser assumida pelo PSD que aponta para a privatização de, pelo menos, um dos canais da empresa. Na minha perspectiva, é uma medida que não conduzirá às mudanças positivas e radicais que os autores da proposta esperam. Sou a favor simplesmente da extinção da RTP, que seria substituída por uma outra estação, estatal, financiada unicamente pelo Orçamento de Estado, sem publicidade, mais reduzida em termos de dimensão, flexível e que, de facto, cumprisse uma missão de verdadeiro serviço público. Não considero que seja, nesta fase, essencial discutir a questão de se a RTP no novo modelo a criar, deveria ter um ou dois canais. Seria uma matéria a debater posteriormente e que não é crucial para a discussão actual, ao contrário daquilo que, por vezes, emerge em certas perspectivas apresentadas publicamente.
A RTP está pior do que nunca?
Eu diria que o que se passa com a estação estatal de televisão vai para além de “bater no fundo”. Mais grave ainda: já está para aí na Nova Zelândia…
Penso que este meu comentário é suficientemente sintomático do estado a que, na minha óptica, a RTP chegou, por efeitos de erros sistemáticos e prolongados no tempo. A deterioração foi aumentando à medida que novos responsáveis passaram pela Direcção e Administração da estação, sem que esta conseguisse solucionar os seus graves problemas e ter uma linha de rumo coerente e que pudessemos aplaudir.
Estamos subjugados às estratégias de audiências das estações?
Colocar a questão em termos de subjugação parece-me bastante redutor, em termos de análise. Mas, reconheço que está a dominar uma luta de audiências e de públicos, com regras que todas as estações jogam, buscando os mesmos objectivos de conquista de mercado. O grande problema é que deveria existir um certo conjunto de normas de funcionamento do mercado televisivo que fossem capazes de o estabilizar, o que, manifestamente, não acontece. Cabe ao Estado português criar as condições indispensáveis para que este objectivo seja alcançado. Antes de mais, compete à Assembleia da República proceder às modificações legislativas que se revelarem adequadas. É uma tarefa que está por cumprir e que só agora se começa a perceber ser indispensável de realizar para ordenar o meio televisivo. Gostaria de salientar que o quadro legal vigente no sector não teve em consideração algumas evoluções do sector, nomeadamente o aparecimento das estações privadas e as novas condições concorrenciais e de mercado que a a partir daí se verificaram, em ritmo acelerado.
Que medidas principais defende que deveriam ser definidas para enquadrarem melhor a actividade televisiva?
Há um conjunto pequeno de pontos que deveriam, do meu ponto de vista, ser consignados na legislação e que reformulariam bastante algumas irregularidades negativas. Assim, defendo a
obrigatoriedade de cumprimento dos horários anunciados para os programas, a definição do número máximo de minutos em que decorrem os intervalos e a interdição de interromper uns programas com outros. Tudo isto, estabelecendo-se multas pesadas em caso de desrespeito pelas normas legais.
Nesse quadro legal, qual o papel reservado à Alta Autoridade para a Comunicação Social?
Deveria ou ser substituída por outro organismo ou, mantendo-se, possuir novas competências e meios. Tem de ter menos funções de tipo subjectivo e mais objectivo. Isto significa que a sua intervenção deve ser pautada por uma eficácia superior e estabelecimento de medidas concretas e consequentes. É absurdo que uma instituição como a Alta Autoridade tenha a falta de meios que revela. O problema não é tanto, pois, das pessoas que a constituem, mas sobretudo da capacidade de acção do organismo. No entanto, a sua composição também não me parece adequada. Devem integrá-la personalidades efectivamente representativas da sociedade civil, porque algumas que supostamente o fazem, actualmente, não são lá muito
indicadas.
Jorge Azevedo
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