PEDRO LOURTIE GARANTE
PARA 2002
Cortes não afectarão
funcionamento

A contenção de despesas não afectará o funcionamento de universidades e politécnicos no próximo ano. A garantia é dada por Pedro Lourtie em entrevista exclusiva ao «Ensino Magazine». O secretário de Estado revela também que o Governo não prevê a abertura de novas universidades públicas em Viseu, Bragança e outras cidades que o reivindicam. A justificação está nas perspectivas demográficas de estabilização ou mesmo diminuição do número de alunos no Superior nos próximos anos. Lourtie pensa que as instituições existentes respondem às necessidades. Defendendo rigor na gestão orçamental dos estabelecimentos de ensino, o governante enaltece o papel exercido pela Universidade da Beira Interior, politécnicos de Viseu, Guarda, Castelo Branco e Portalegre, bem como os de outras zonas do interior. Depois da criação dessas instituições a melhoria dos indicadores
sócio-económicos das respectivas regiões foi abissal, salienta o secretário de Estado do Ensino Superior. Sobre a qualidade da formação ministrada nas escolas, Pedro Lourtie diz ser «boa» e que os problemas subsistem sobretudo em termos de resposta às mutações da sociedade e do mercado de trabalho.
A aposta forte na formação de mestres e doutores no Superior é também destacada pelo secretário de Estado nesta entrevista ao nosso jornal, num momento em que as preocupações orçamentais das instituições ganham relevo.
Como pensa compatibilizar a política geral do Governo de proceder a “cortes” orçamentais com as necessidades das instituições de Ensino Superior?
A necessidade de contenção da despesa pública levou a que as verbas cativadas no início do ano não fossem este ano descativadas. Este facto trouxe algumas perturbações no funcionamento institucional, sobretudo se tivermos presente o grande peso das rubricas destinadas a encargos com o pessoal. De todo o modo, o problema está em vias de resolução em resultado do diálogo estabelecido com todas as instituições de ensino superior. O reforço destinado às instituições com maiores problemas neste domínio está em curso. Relativamente ao próximo ano (2002), há já a garantia de que não existirá nenhum corte no orçamento de funcionamento das Universidades e Politécnicos e, comparativamente a 2001, o orçamento cresce e apresenta montantes capazes de viabilizar o funcionamento normal do sistema, desde que exista uma gestão rigorosa por parte das instituições, como não duvido que irá acontecer.
Os reitores têm alertado para os riscos de inclusivamente virem a não dispor de verbas para pagarem a professores e funcionários. É um risco real?
Os reforços acordados visam precisamente resolver este problema.
Que apoios poderão ser canalizados para as instituições de Ensino Superior do interior do país, no sentido de reforçarem o seu papel enquanto fomentadoras do desenvolvimento de tais zonas, tradicionalmente deprimidas?
Esse papel de dinamização e de alavanca de desenvolvimento e de combate à depressão regional terá forçosamente de partir das próprias instituições de ensino superior. São elas, de forma responsável e autónoma, que em concreto devem definir qual o seu papel quanto a esta questão e quais as melhores estratégias para o levar a cabo. Ao Governo caberá apreciar e discutir com as instituições e trabalhar com elas no sentido de disporem de instrumentos de governação necessários ao desenvolvimento dessas estratégias.
Que avaliação faz da acção desempenhada por essas instituições, casos da Universidade da Beira Interior e politécnicos de Castelo Branco, Viseu, Guarda e Portalegre?
Evidentemente que tal acção é extraordinariamente positiva. Basta analisar os vários indicadores económico-sociais e a sua evolução, comparando o período actual com o período em que essas instituições ainda não existiam. A diferença encontrada é abissal.
A Qualidade é uma aposta do actual Governo. Aumentam as “vozes” preocupadas com a qualidade do Ensino Superior. De que forma pretende contribuir para a melhoria da situação?
Na generalidade, a qualidade do ensino superior português é boa, sobretudo se tivermos em conta os conteúdos ministrados. O problema aqui será talvez o da sua adequação às necessidades da própria sociedade e do mercado de trabalho, as quais estão em constante mutação, cada vez mais acelerada. Quer isto dizer que teremos de prestar cada vez mais atenção ao desenvolvimento de competências e capacidades dos diplomados, de modo a que estes se consigam inserir mais facilmente no tecido social e aí possam ter um papel mais actuante. Mas este será também um trabalho que não poderá ser feito ao arrepio das instituições de ensino superior, pelo contrário, será uma tarefa onde estas terão de desempenhar um papel nuclear e decisivo. Também neste domínio a questão chave prende-se com a autonomia e a responsabilização por parte das instituições. Ao Governo compete facilitar a emergência e o desenvolvimento destes processos. É nesse sentido que tem acarinhado a implementação e o trabalho do Sistema de Observação dos Percursos de Inserção dos Diplomados do Ensino Superior, que ficou conhecido pela abreviatura de ODES. A informação produzida pelo observatório a respeito, por exemplo, da empregabilidade dos diplomados nas varias áreas e as respectivas tendências daquela, será um instrumento muito útil às instituições para reequacionarem a sua oferta de formação.
Que medidas estão planeadas em termos de formação dos docentes do Ensino Superior?
Ultimamente têm-se formado inúmeros mestres e doutores nas instituições de ensino superior portuguesas, o que correspondeu a um esforço enorme de qualificação científica do seu corpo docente. Poderemos mesmo dizer que neste domínio observámos um progresso gigantesco que nos põe ao nível dos indicadores existentes em sistemas europeus. A partir daqui, e sem descurar a formação científica, o grande investimento terá de ser feito na formação pedagógica. Este aspecto merece toda a nossa atenção, até porque sem qualquer dúvida, será uma das vertentes promotoras do sucesso. É um terreno em que muito ainda está por fazer e que carece de um conjunto de medidas concretas que necessitam de maior amadurecimento. Será ainda prematuro anunciar, em concreto, o que se irá fazer neste domínio.
Há regiões (como Viseu e Bragança) a reclamarem universidades, apesar de terem politécnicos. O Governo equaciona a possibilidade de criação de novas instituições públicas nessas ou noutras regiões?
Num momento em que pela primeira vez o número de vagas postas a concurso para acesso ao ensino superior foi superior ao número de candidatos e em que se sabe que irá existir uma estabilização ou até mesmo uma retracção da procura, devido a constrangimentos demográficos, não me parece razoável continuar a expandir o sistema. Qualquer desajuste entre a oferta existente e as necessidades reais que eventualmente venha a existir (numa ou noutra área do conhecimento ou de especialização) deverá ser equacionado e resolvido em primeira instância no quadro das instituições já existentes.
Portugal vai mesmo ter cursos superiores mais reduzidos em termos temporais? Quando tal poderá suceder?
É uma discussão que neste momento se está a iniciar e se pretende tão ampla e profunda quanto possível. Mas, mais importante do que determinar a questão da duração dos cursos, será definir o número de graus que o sistema irá conferir. Esta questão é decorrente da chamada “Declaração de Bolonha”, a qual tem por objectivo aproximar os diferentes sistemas nacionais, de modo a facilitar a mobilidade interna e a promover uma maior competitividade destes sistemas quando inseridos no contexto mundial. São aspectos fundamentais que, pela sua importância, creio que hoje ninguém coloca em causa.
Como está a ser efectuada a avaliação de escolas e cursos? Já há resultados concretos?
O processo de avaliação está a decorrer conforme o previsto. Encerrou o seu primeiro ciclo e entrou na segunda fase. Os relatórios elaborados estão já disponíveis para consulta pública. Seguir-se-á, posteriormente, a fase da avaliação institucional, na qual não serão já avaliados os cursos mas as instituições propriamente ditas. Todo este processo decorre sob a coordenação do Conselho Nacional de Avaliação do Ensino
Superior.
Jorge Azevedo
EX-DIRIGENTE
SINDICAL
Com a
"marca" do Superior
Aos 55 anos, Pedro Lourtie chega a secretário de Estado do Ensino Superior, depois de uma prestigiada carreira académica e sindical.
Natural de Lisboa, licenciou-se em Engenharia Mecânica em 1971, um ano antes de concluir um Master em “Science” na Universidade Victoria de Manchester. Foi neste estabelecimento que obteve o grau de Doutor em Engenharia Mecânica.
Em Portugal, realizou uma carreira académica sobretudo no Instituto Superior Técnico, onde foi Assistente entre Novembro de 1970 e 1975. Passou, então, a Professor Auxiliar até 1979.
Entre Maio de 1977 e Fevereiro de 1981, foi destacado na Direcção-Geral do Ensino Superior para colaborar no lançamento do Ensino Politécnico.
Director-Geral do Ensino Superior entre Novembro de 1996 e Janeiro de 2000, possui diversos mestrados em áreas como a Engenharia Electrotécnica e de Computadores, Modelação e Robótica.
Pedro Lourtie exerceu as funções de Subcoordenador-Geral do Grupo dos Projectos de Cooperação com o Banco Mundial, responsável pela área de programas do Ensino Superior, entre novembro de 1979 e Fevereiro de 1981.
Possui uma vasta experiência no domínio da cooperação com os Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa. Assim, liderou projectos de colaboração com Angola e Cabo Verde, no âmbito do Instituto Superior Técnico e entre Abril de 1997 e Janeiro do ano passado foi coordenador da parte portuguesa na Comissão Paritária para o Ensino Superior entre o nosso país e Cabo Verde.
Efectuou numerosas missões internacionais, de que são exemplos as realizadas na Guiné-Bissau, em 1983, no âmbito da Direcção-Geral de Cooperação e em Angola, São Tomé e Príncipe e Gabão, no quadro da actividade da UNESCO.
Pedro Lourtie presidiu ao Comité de Educação do Conselho da União Europeia, entre Janeiro e Junho de 2000. A partir daí e até Maio deste ano coordenou o relatório apresentado aos ministros da Educação em Praga, no âmbito do processo da Declaração de Bolonha.
No domínio sindical, o actual secretário de Estado destacou-se como Presidente da Direcção do Sindicato Nacional do Ensino Superior, entre Maio de 1990 e Março de 1996. Antes, tinha sido coordenador da Comissão Instaladora desta estrutura sindical.
JA
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UNIVERSIDADES
POLITÉCNICAS, UMA POSSIBILIDADE
Discutir educação

O presidente da República referiu que as próprias instituições de ensino superior deveriam começar a pensar em funcionar, também, com receitas próprias. Concorda com a ideia?
As instituições já desenvolvem esforços para encontrar receitas próprias. Esse é um debate que nós temos que fazer com todas elas. Aliás, vamos reunir com os conselhos de Reitores e Coordenador dos Politécnicos para discutir as regras do financiamento, onde teremos que falar das receitas próprias. No fundo, as receitas próprias são obtidas, em muitos casos, pelo esforço dos docentes e das instituições mas também porque existem investimentos feitos pelo próprio Estado. Ou seja, temos que pensar que isso é contributo para a melhoria da qualidade das instituições.
Quando entrou para o Ministério da Educação não estava à espera de encontrar um cavalo de batalha tão grande?
Bem eu já estava à espera de dificuldades, mas não tantas como as que encontrei.
Mudando um pouco de assunto, neste momento o Ministério da Educação está a trabalhar com os seus parceiros no sentido de caminhar para a uniformidade dos graus de ensino, no sistema português. Isso vai contribuir para o aparecimento de um sistema de ensino superior único?
Vamos caminhar para o sistema de ensino superior mais integrado. Neste momento é complicado dizer se ele vai ser único ou não. O mais importante é analisarmos e discutirmos essas questões e deixar que haja uma aproximação maior entre os dois sub-sistemas, deixar que isto corra naturalmente, sem tentar forçar o passo.
Caminhamos, então, para o aparecimento de cursos pós graduação com títulos académicos nos Politécnicos?
O sistema dos graus nacional está a ser discutido. Penso que é inevitável que, tendo um primeiro grau de graduação de três ou quatro anos, de formação inicial, surja o primeiro grau de pós-graduação comum a todas as instituições de ensino superior, como o mestrado. Embora esses mestrados possam ter características diferentes, que é uma tendência que se verifica a nível Europeu, originado os mestrados científicos e os profissionais.
Muitos cursos estão manifestamente esgotados, mas entre as instituições a possibilidade de encerrar ou suspender esses cursos nem sempre é encarada da melhor forma. O Ministério vai ser obrigado a tomar medidas?
Tenho esperanças que o bom senso reine, embora nem sempre seja bem sucedido nesse raciocínio. Tenho esperança que as instituições sejam capazes de fazer alguma articulação, sobretudo ao nível regional, onde os organismos que verifiquem que há cursos que não têm procura, se consigam entender e racionalizá-los entre si. Caso contrário poderemos dar algumas incentivos para que isso aconteça.
Uma última questão, a Universidade Politécnica de Castelo Branco vai mesmo avançar?
É uma questão que vamos ter discutir seriamente. A minha opinião é conhecida, não tenho qualquer dúvida que as instituições de ensino superior podem ter o mesmo nome. O fundamental é a formação que é feita, e os Politécnicos fazem hoje formações para o mercado de trabalho que muitas instituições universitárias não fazem, e que têm uma colocação no mercado de trabalho que cursos universitários não têm, e isso é muito
importante.
BÁRTOLO PAIVA CAMPOS,
PRESIDENTE DO INAFOP
É preciso definir as
Eses
Pela primeira vez no ensino superior o número de vagas disponíveis nas instituições ultrapassou o número de candidatos. Além disso, há cursos cujas saídas profissionais são quase nulas, como acontece com o de Português-Francês. Em entrevista ao Ensino Magazine, Bártolo Paiva Campos, presidente do Instituto Nacional de Acreditação de Formação de Professores (Inafop) considera que é necessário haver uma regulação de determinados cursos. Ao mesmo tempo defende a diversificação da oferta, até porque há cursos que não tiveram muita procura e que são de áreas importantes para o desenvolvimento do País. “É importante que os candidatos estejam muito bem informados sobre os cursos a que se vão candidatar. Em minha opinião é importante conciliar os interesses sociais com a liberdade dos candidatos, mas desde que eles saibam aquilo que os espera”.
Quanto ao problema das Escolas Superiores de Educação apenas ministrarem cursos de formação inicial que habilita os seus formandos à docência até ao 2º ciclo, Bártolo Paiva Campos é claro. Em seu entender é necessário que se faça uma definição sobre essa matéria. “Todos os Governos têm previsto regulamentar essa situação. É importante clarificá-la brevemente, pois o atraso nessa regulamentação está a ser prejudicial às Escolas Superiores de Educação, na medida em que causa alguma instabilidade junto das Eses. O importante é que haja clareza nesse assunto, ou para um lado ou para o outro”.
ACREDITAÇÃO. O Instituto Nacional de Acreditação de Formação de Professores (Inafop), organismo que vai funcionar como uma espécie de ordem de professores, já tem as candidaturas para os cursos de educadores de infância e professores do 1º ciclo abertas, no sentido de depois se proceder à sua avaliação. De acordo com Bártolo Paiva Campos, no total deverão ser avaliados cerca de 62 cursos em todo o país, quer de Institutos Politécnicos, Universidades ou entidades privadas. “Neste momento considero que as instituições estão preparadas para se candidatar, já que este é um processo que já se prolonga há alguns anos”. Durante os próximos seis meses todas as entidades poderão apresentar as suas candidaturas, sendo certo que depois o Inafop terá 12 meses para concluir a avaliação das propostas. No entanto, e segundo Bártolo Paiva Campos, “o processo de apreciação é demorado, pois obriga a alguns requisitos, já que além de examinarmos toda a documentação terão que ser feitas visitas às instituições e várias audições aos organismos candidatos, em determinados momentos. Mas esperamos ter este processo concluído em Maio de 2003”.
Deste modo, o Inafop prepara-se para receber as primeiras candidaturas dos cursos que depois de avaliados e aprovados serão acreditados. Por outras palavras, só os cursos que forem acreditados possibilitarão aos seus formandos exercerem, no final dos estudos, as funções de professores e educadores no ensino público. Tal como já acontece com os cursos de engenharia, direito ou medicina, onde essa função reguladora pertence às Ordens, nesta matéria quem manda é o
Inafop.
Outro dos objectivos do Inafop passa por avançar com regulamentação do reconhecimento dos cursos que habilitam para a docência não profissional, o que afecta sobretudo os professores eventuais, sujeitos a determinados concursos. No entanto, e segundo Paiva Campos, “esse processo está dependente de uma regularização que venha a ser feita pelo Ministério da Educação”.
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