Director: João Ruivo    Publicação Mensal    Ano IV    Nº37    Março 2001

Opinião

CRÓNICA

Disneyland violenta

Desculpem qualquer coisinha mas, na minha modesta opinião, o País está cada vez mais parecido com um almanaque de banda desenhada. Sim, daqueles que já foram, motivo de ansiosa e infantil procura, e hoje lemos sentados na sanita, para quem se senta. O meu psiquiatra disse-me que existe uma certa relação benéfica entre o ego, a erradicação dos parasitas e a contracção do abdómen. Explicou-me até, por palavras do seu mister, que todos temos por base um sistema bio-psico-social, capaz de interagir ou simplesmente manifestar-se com maior relevância numa das três vertentes. Seja.

Que fazem os irmãos Metralha? O que congeminou desta vez o João Bafo de Onça? Quem tramou o Pateta?

Os primeiros serão acusados de assalto a bombas de gasolina e presos preventivamente. Sobre Bafo recairão suspeitas de tráfico de droga e roubos violentos na via pública. O terceiro caso não está ainda resolvido. Consta que se trata de gente de fino porte mas que logo se puseram em fuga, prego a fundo, sem respeito por sinais ou outras regras de trânsito. Mas não será por este motivo que, mais cedo ou mais tarde, as autoridades deixarão de cumprir o seu dever, nem que para tal lhes prendam as mães, culpadas em primeiro grau por existirem. Além disso o Pateta estava visivelmente embriagado e foi conduzido a casa, salvaguardando-se assim a respectiva integridade física. Eis as soluções do almanaque. Faço a higiene adequada.

Mickey tem agora uma gabardina de gola levantada e um boné tipo detective. Vejo-o na televisão e não me passam as semelhanças com o Paulo Portas. Diz que o país não tem segurança. Advoga o aumento das polícias, das pistolas, dos estabelecimentos prisionais, das rusgas, dos piquetes de intervenção rápida, das fechaduras de alta segurança da fábrica do Tio Patinhas, dos alarmes de bolso idem. Da tolerância zero mais abrangente: nos limites de velocidade, no itinerário das meretrizes, no consumo de álcool dos condutores (causa também defendida pelo professor Pardal e por um médico legista do Porto), no absentismo e baixas fraudulentas.

Não sou homem de prisões de ventre. Isso significa que tornarei à mesma história. Voltarei amanhã a este tão íntimo local, e no dia seguinte, e assim por diante, de modo a que todo o enredo me pareça velho e relho.

Apesar da urgência, não correm outras notícias sobre os meliantes desta ficção. Não se sabe do seu aproveitamento escolar, o que pensa do assunto o médico de família, o número de assoalhadas que até hoje tiveram direito, nem oportunidades de emprego condignamente remunerado.

Tal como a Ginsberg, também o meu psiquiatra me dá razão.

Puxo o autoclismo e vou para a rua ver pessoas e ajudá-las loucamente de boa vontade. *

* América, de Allen Ginsberg

João de Sousa Teixeira

 


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