Director: João Ruivo    Publicação Mensal    Ano IV    Nº37    Março 2001

Editorial


Liberdade condicionada

Quando nos referimos à liberdade e igualdade na escola, evidenciamos, claramente, uma escola que, desde os tempos mais remotos da sua criação, tem vivido e vive num sistema de liberdade condicional.

Falar de igualdade e de liberdade condicionadas, é ter em conta o contexto em que todos nós desempenhamos a nossa actividade profissional. Revela-se, pois, essencial ter em linha de conta que o que o professor e os alunos podem ou não fazer, depende em certa medida, do que acontece na escola no seu todo.

Por outro lado, a organização formal da escola, constrangida pelas exigências do poder político e da sociedade civil, determina também que, em certa medida, a autonomia e a liberdade se traduzam frequentemente numa “realidade virtual”, já que se considera como adquirido que o Estado e a sociedade têm o direito e o dever de saber o que se faz (e como se faz) na escola, elaborando para esse fim um indeterminado número de normativas apropriadas ao exercício desse controlo.

Com esta forma de pensar, os problemas sociais e os problemas políticos transformam-se imediatamente em problemas educativos. Cada vez que aparece um novo problema social, tal como a proliferação do uso de drogas, ou o aumento da violência entre os jovens, aparece sempre alguém bem intencionado que, de seguida, pretende solucioná-lo elaborando os correspondentes programas educativos, e considerando as escolas e os professores como responsáveis directos pela solução desse problema.

Por essa via, a sociedade altera a cor do seu discurso, esquece a origem social dos problemas e a análise das suas causas. E, ao alterar as razões e causas que originam estes fenómenos sociais, acrescenta-se mais uma nova utopia às imensas exigências utópicas que já recaem sobre a educação, e nela se projectam negativamente, aumentando o seu grau de liberdade condicional.

A responsabilidade de enfrentar estes problemas sociais desliza, imperceptivelmente, para a escola e para os professores; enquanto que o resto da sociedade considera que ao delegar na escola essas responsabilidades pode inibir-se das suas próprias responsabilidades face a estes dramas sociais. Como se ao declarar que, a partir desse momento, se trata de um problema educativo, ocorresse o milagre da escola se constituir, por si só, como o factor fundamental para a sua solução.

A questão é que cada vez crescem maiores expectativas sociais sobre a educação. Cada vez se exige aos nossos professores que assumam um maior número de responsabilidades. E, a reboque destas novas responsabilidades e exigências, sem qualquer esforço de formação acrescida, vamos transformando os nossos professores em condicionais incompetentes, condenando-os, por isso mesmo, a um regime de liberdade condicional no exercício da sua profissão.

Daí que considere necessário conceber e viabilizar a escola como comunidade educativa, pluridimensional, formativa e com características de autonomia nas dimensões curricular, pedagógica e administrativa, gerida com a participação da comunidade escolar e local e em interacção permanente com esta. Se a construção da igualdade e da liberdade na escola parecem objectivos de difícil alcance, se em grande parte das nossa escolas não passam de um discurso de intenções, torna-se urgente fazer coexistir na escola das desigualdades os mesmos princípios que presidem à sociedade democrática e de dinâmicas transformadoras em todos os espaços sociais.

Torna-se urgente a necessidade de levar à prática a evidência banal de que uma escola menos desigual é uma escola igual para todos, através de uma clara diferenciação das práticas escolares e do redimensionamento da construção do que deve ser uma escola de e com futuro.

Pais e educadores terão que perceber que a liberdade e a criatividade terão que abarcar o direito à livre escolha e uma progressiva passagem da omnipresença à observância, da dependência à autonomia. Autonomia que também terá que expressar o uso adequado dos tempos livres com uma objectiva selecção dos meios de os consagrar.

As escolas transformaram-se, ao longo dos anos, em campos murados e cercados onde imperam regras obsoletas que já ninguém cumpre e faz cumprir. Lá dentro todos nos sentimos como prisioneiros em liberdade condicional. Perdeu-se a relação com a vida, com o Homem, com o mundo. Arvorámo-nos em guardadores dos templos dos saberes cada vez mais caducos.

Por isso urge que se reinvente a escola. Mas atenção! Pobres de espírito os que julgarem que essa renovação se fará por decreto, ou por ordenação externa. A reinvenção da escola como centro educacional terá, forçosamente, que partir de dentro para fora. A começar por dentro de cada um de nós. É que não se faz um mundo novo com espíritos envelhecidos e empedernidos.

João Ruivo
ruivo@rvj.pt

 


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