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Director: João Ruivo    Publicação Mensal    Ano IV    Nº37    Março 2001

Cultura

GENTE & LIVROS

Thomas Mann

(...) «Se for verdade o que assevera o provérbio alemão - a saber, que qualquer caminho que conduz à meta justa também é justo em cada qual das suas etapas -, dever-se-á igualmente confessar que o caminho que conduziu a tal desventura - e emprego esta palavra na sua acepção mais estrita, mais religiosa - tem sido mal-aventurado em todos os seus pontos e desvios, por mais amarga que possa afigurar-se ao amor esta conclusão lógica. O inevitável reconhecimento da perdição não equivale a renegar o amor. Eu, alemão simples, erudito, amei muito daquilo que é alemão; sim, a minha vida insignificante, porém acessível ao fascínio e capaz de abnegação, devotei-a ao amor, ao frequentemente aterrorizado, sempre angustiado, porém eternamente leal ao amor a um grande homem, um artista eminentemente alemão, cuja natureza misteriosamente pecaminosa e cuja terrificante despedida não conseguirão aniquilar esse amor, que talvez - quem sabe? - seja apenas fraco reflexo da Graça».

In Doutor Fausto

Thomas Mann, escritor alemão, Prémio Nobel da Literatura em 1929, nasceu a 6 de Junho de 1875, em Lübeck. Mann é filho do alemão Heinrich Mann e da brasileira Julia Silva Bruhns e irmão mais novo do escritor Heinrich Mann. Após a morte do pai em 1891, parte com a mãe, as duas irmãs e os dois irmãos para Munich. Frequentou durante algum tempo a Universidade de Munich e trabalhou numa companhia de Seguros entre 1894 e 95. Começa a escrever quando entra para o magazine Simplicissimus. O seu primeiro romance, Kleine Herr Friedmann é publicado em 1898. Thomas Mann é profundamente influenciado pelo trabalho dos filósofos Arthur Schopenhauer, Friedrich Nietzsche e do compositor Richard Wagner. Mais tarde contesta as ideias de Nietzche na sua obra Ensaios de Três Décadas. Em 1905 casa com Katja Pringsheim e têm 6 filhos, três rapazes e três raparigas. Erika Mann e Klaus Mann seguem a carreira do pai. Em 1933 com a subida de Hitler ao poder, o Nazismo move-lhe uma campanha de difamação levando Thomas Mann a exilar-se na Suiça. Muda-se depois para os Estados Unidos onde permanece 10 anos. Em 1947 volta para à Suiça. O seu filho Klaus Mann suicida-se em 1949. Volta à Alemanha onde morre a 12 de Agosto de 1955 em Zürich.

Da sua bibliografia destacamos: Tonio Kröger (1903) Sua Alteza Real (1909), Morte em Veneza (1912), A Montanha Mágica (1924), Mário e o Mágico (1936), Doutor Fausto (1950) e o O Eleito (1953).

O LIVRO. Doutor Fausto é a biografia imaginária do compositor alemão, Adrian Leverkühn. O amigo, Serenus Zeitblom, toma a cargo escrever a sua história. Adrian é um músico que vende a alma ao diabo em troca da genialidade. Aos 21 anos faz o pacto em que lhe são concedidos 24 anos de glória. O preço é a auto-destruição, a condenação terrena à impossibilidade de amar e a doença. Perde o amor de Marie Godeau, a amizade de Rudolf, o sobrinho Nepomuk, a lucidez. “Vender a Alma” é também a escolha da Alemanha, e da sua cultura, ao permitirem o Nazismo.

Eugénia Sousa
Florinda Baptista

 

 

 

Novidades

DOM QUIXOTE. As publicações Dom Quixote acabam de editar as aventuras de Manelinho Caixadóculos e Pobre Manelinho da escritora Elvira Lindo. Manelinho é um menino que vive em Carabanchel Alto, é tagarela e protagonista de extraordinárias aventuras não compreendidas pelos adultos.

PIAGET. O Instituto Piaget publicou, na sua colecção Horizontes Pedagógicos, Introdução a Jean Piaget, de Annie Chalon-Blanc. Como se fabricam os utensílios do pensamento? Qual é origem da nossa inteligência? A autora introduz o factor afectividade, não explorado por Piaget enquanto especialista em inteligência lógica. A obra está organizada em cinco cursos: Lógica e Inteligência; Os Factores Externos no Desenvolvimento da Inteligência; Os Factores Internos do Desenvolvimento da Inteligência ou o Construtivismo Piagetiano; Jean Piaget. Originalidades e Fraquezas e Notas Sobre a Juventude e a Obra. Com um estilo vivo e acessível este é o livro que faltava para uma melhor compreensão de Piaget. 

EUROPA-AMÉRICA. Tio Petros e a Conjectura de Goldbach do escritor australiano, Apostolos Doxiadis é a aposta das Publicações Europa-América. O livro conta a história de um homem que dedica a sua vida à resolução de um dos maiores problemas matemáticos, a Conjectura de Goldbach. Petros é um senhor idoso que vive sozinho num subúrbio de Atenas, joga xadrez e cuida do jardim. Incompreendido pela família mas amado pelo seu sobrinho que descobre no tio Petros um matemático brilhante capaz de trocar tudo pela resolução de problema sem solução desde 1742.

EDIÇÕES ASA. As Edições ASA publicaram, do escritor português José Riço Direitinho, Histórias com Cidades. Sete histórias com cidades é o quarto livro do escritor a quem José Saramago se referio da seguinte forma “... Da gente jovem gosto muito do José Riço Direitinho, não há muitos mais. Peço desculpa.” in Diário de Notícias.

EDIÇÕES ASA. As Edições ASA celebram este ano o seu 50º aniversário e promovem o Prémio Acontece de Romance. O Prémio, no valor de três milhões de escudos, destina-se ao autor de um romance inédito escrito em português. O objectivo desta iniciativa é o incentivo à literatura e ao surgimento de novos autores. O regulamento deste concurso pode ser consultado no seguinte endereço: www.asa.pt.

 


 

BOCAS DO GALINHEIRO

Cassavettes, o independente

A obra de John Cassavettes é a obra de um cineasta livre, independente, que soube, a cada filme, retractar uma certa América, através de um realismo não estereotipado, mas sarcástico, ao mesmo tempo banal, pela forma como consegue agarrar o quotidiano.

Realizador/actor, foi com os actores que criou uma empatia/cumplicidade que fizeram dos seus filmes excelentes veículos de exercícios de bem representar e onde a distância realidade/ficção foi encurtada ao máximo, tais as cumplicidades forjadas: Peter Falk, Ben Gazzara, Gena Rowlands ou Richard Dreyfuss são disso exemplo. Sabemos que Cassavettes queria sempre dos actores a sua reacção em estado puro, forçando-os a reagirem através duma “perseguição” impiedosa com a câmara, fazendo-os brotar tudo o que tinham, como se houvesse uma total coincidência do papel com a vida, fazendo do actor uma pessoa, ou seja, o actor não é um fim, é um meio.

Cinema que não tem qualquer intuito comercial, o que conseguiu graças ao tal núcleo de actores e técnicos que com ele sempre embarcaram nessa aventura de independência que é o cinema de Cassavettes.

Também no meio envolvente, no ambiente, soube ser diferente. Os lugares dos seus filmes são lugares íntimos, chegando ao ponto de a casa de “Os Amantes” ser a sua, ou seja, um cinema intimo, em que tudo nos parece familiar: as ruas, os bares, as pessoas, afiguram-se-nos sempre possíveis de encontrar em qualquer percurso das nossas vidas. E como é que ele consegue isso ? Simples: com a câmara, como já se disse, sempre colada aos actores, planos sequência fluidos e uma liberdade de criação sem limites. “Rostos”, “Sombras”, “Uma Mulher sob Influência” são disso exemplo.

Nascido em Nova Iorque em Dezembro de 1929, formado na American Academy of Dramatic Arts of New York, destacou-se como actor. Nos primeiros tempos da sua carreira em papéis de delinquente juvenil, como em “Crime in the Streets”(1956), de Donald Siegel, o retomar de uma série de êxito na televisão, ou em papéis de personagens densos e complexos, os maus das fitas, que vão do desertor de “Edge of the City” (1957), de Martin Ritt, ao actor que vende a alma ao diabo em troca do êxito na sua carreira de “Semente do Diabo”, realizado em 1968 por Roman Polanski, passando pelo psicopata de “Doze Indomáveis Patifes” (1967), de Robert Aldrich, que lhe valeu a nomeação para o Oscar de melhor actor secundário, nesse ano ganho por George Kennedy, depois de pregar uns valentes murros a Paul Newman em “Cool Hand Luke”, de Stuart Rosenberg.

Não desvalorizando a importância da sua carreira de actor, a de realizador é de facto impar.

Em 1959, depois de uma subscrição pública feita pelo próprio através de uma campanha na rádio, realiza “Sombras”, com interpretes desconhecidos, mas em que o estilo de Cassavettes já está bem marcado: no trabalho de câmara, na montagem e nos diálogos, de um humor incongruente, como lhe chama Tavernier. Um filme que é um marco no nascimento do cinema independente americano, tão em voga hoje. Mas, é também um filme sobre a vida de comuns mortais, como volta a agarrar em “Rostos” ou em “Maridos”, em que a ironia é levada ao extremo, pois os personagens, definidos pelo seu estado civil, é dele que querem fugir durante todo o filme.

“A Woman Under Influence”, “Opening Night” e “Love Sreams” têm em comum o facto de o mundo aqui abordado ser o da mulher. Sob influência. Do álcool, ou da idade, geradores de incapacidade de interpretar a sua própria vida, como a actriz de “Opening Night” aqui Gena Rowlands, a mulher de Cassavettes, que tinha que representar o papel da peça, tão igual ao seu na vida. E, aqui residia muito do cinema do realizador: a sua semelhança com a vida. As nossas vidas.

Mesmo o seu único trabalho aparentemente comercial, “Gloria”, ainda e sempre com Gena, além de ter sido um grande êxito de bilheteira, Sidney Lumet arriscou um remake com uma esforçada Sharon Stone, acaba por ser o retrato de uma heroina solitária, mais uma mulher lutadora e que tem que assumir vários papéis, como na vida.

Outra faceta que me agrada em Cassavettes é o seu gosto pelo jazz e a forma como o soube introduzir nos seus filmes. Em “Sombras” a banda sonora assenta em improvisações do contrabaixista Charles Mingus e do saxofonista Shafi Hardi. Na televisão realizou vários episódios de “Johnny Staccato”, incursões do realizador no mundo do jazz, gesto que repete em “Too Late Blues” (Prisioneiros da Noite), em que o protagonista é Ghost, um pianista de jazz, em que a música é tocada por nomes grandes do género, como Benny Carter, Red Mitchell e Shelley Manne.

Concluindo, Cassavettes é um autor sabiamente original, mordaz quanto baste, em ruptura permanente, mas conciliado com o ser humano. Deixou-nos a 3 de Fevereiro de 1989. Com trinta anos de carreira e a memória dos doze filmes que realizou.
Tenho-o para mim como um cineasta impar. Ponto.

Luís Dinis da Rosa

 


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