Director: João Ruivo    Publicação Mensal    Ano IV    Nº39    Maio 2001

Entrevista

RUI VIEIRA NERY FALA DO MUNDO MUSICAL PORTUGUÊS

Portugal está atrasado um século

Como estava combinado, Rui Vieira Nery, director artístico da Fundação Calouste Gulbenkian, apareceu no Museu Tavares Proença Júnior para uma conversa com os editores do Ensino Magazine. Passavam poucos minutos das 16 horas, quando o antigo secretário de Estado começou a abrir o livro da cultura em Portugal. O livro do ensino da música, área que lhe é particularmente familiar. E foi de música que falámos durante cerca de 40 minutos para uma cassete que guardou, religiosamente, a opinião do elemento do Conselho Científico da Escola Superior de Artes Aplicadas de Castelo Branco.

Do outro lado da enorme janela as estátuas, do Jardim do Paço, de cara renovada, pareciam querer ouvir a conversa. Rui Vieira Nery abordou o estado da música em Portugal, a política cultural do nosso País, os projectos que podem fazer inverter o presente, onde na sua opinião, “estamos com mais de um século de atraso no ensino da música”. Por isso considera importantes os projectos como o crescer com a música, do Conservatório Regional de Castelo Branco, e os diferentes ciclos de música que se vão promovendo no País real. A entrevista aqui fica.

O professor é director artístico da Fundação Calouste Gulbenkian, um organismo que tem promovido a cultura no nosso País. Considera que a Fundação tem vindo a substituir o Estado na promoção do ensino da música?

Não, o papel da fundação, neste momento, não é tanto na formação musical. Foi nos anos 60, pois lançou novas pedagogias que eram desconhecidas em Portugal. Hoje em dia, o papel da fundação tem sido, sobretudo, a promoção de uma vida musical intensa, com a manutenção de agrupamentos de grupos de alta qualidade, como a Orquestra e o Coro Gulbenkian. Além disso, tem realizado a sua temporada musical, que coloca Portugal no grande circuito de concertos europeus. A intervenção da Fundação no ensino da música resume-se à atribuição de bolsas de estudos, sobretudo para aperfeiçoamento no estrangeiro.

A temporada da Fundação este ano foi muito preenchida, com a vinda de alguns dos melhores intérpretes do mundo. Como é que se consegue realizar em Portugal um ciclo com essa qualidade? E o público responde às vossas expectativas?

O público responde muito bem. Houve, nos anos 80, uma quebra de assistência, mas nos últimos 15 anos registou-se uma grande recuperação a esse nível. Aquilo que verificamos é que hoje os concertos têm quase sempre as salas cheias, mesmo em géneros que podem ser um pouco assustadores para o público menos conhecedor, como é o caso da música de câmara.

Até que ponto é complicado organizar esse ciclo?

Obriga-nos a fazer a programação da temporada com dois e três anos de antecedência. Os grandes artistas e a boas orquestras têm o calendário quase sempre preenchidos. Daí que sejamos obrigados a ter uma grande capacidade de antecipação e de programação. Depois é necessário termos uma equipa que trate de todos os problemas de produção do dia a dia, que são muito completos. E é todo este processo que permite que o público tenha um intérprete a tocar piano no palco, por exemplo. Além disso é preciso promover a informação dos espectáculos, pois aquilo que não se conhece não existe.

E é com este tipo de iniciativas que se cativam mais jovens para a área da música?

Penso que sim... No entanto, o problema passa sempre pelo ensino. E enquanto não houver um ensino da música integrado no ensino geral, fazendo parte da formação normal de qualquer jovem português, a ligação e o interesse pela música erudita é sempre condicionada. E como isso ainda não acontece, muitas vezes é preciso que em casa dos jovens já exista alguma formação nessa área. Aquilo que temos tentado fazer é com a promoção de concertos de grande qualidade, de forma a estimular o público.

O Politécnico de Castelo Branco criou a Escola Superior de Artes Aplicadas, com um curso superior de música. É com instituições como essa que o ensino da música em Portugal pode recuperar o tempo perdido?

Acredito muito na Escola de Artes, até porque faço parte do seu Conselho Científico. Trata-se de um projecto com pernas para andar. Estas escolas terão um papel importante no ensino da música a nível superior. Mas a essas escolas falta o edifício mais baixo, e aquilo que se espera é que os níveis de ensino mais baixo também evoluam. Daí que estamos esperançados que estes jovens que tiram os seus cursos em instituições como a Esart possam vir a ensinar os mais novos, de forma a normalizar a situação e garantir uma grande sementeira geral de música para as crianças.

E o programa Crescer com a Música do Conservatório de Castelo Branco, também pode contribuir para isso?

Tudo o que possa transformar a música numa presença normal na vida das crianças e dos jovens é um investimento muito grande. O problema é que a música erudita é um gosto adquirido, não se gosta antes de se conhecer. E muitas vezes não se gosta a primeira vez. E quanto mais contacto regular os jovens tiverem com a música, a sua ligação à música vai crescer significativamente.

Isto significa que Portugal tem um grande atraso em relação aos mais importantes países europeus e mundiais?

É difícil quantificar o que é que é o atraso. Mas em muitos aspectos, poderemos dizer que é de um século. Muitos dos problemas que nós estamos a tentar resolver, são os mesmos que a geração de Vieira da Mota tentou resolver no início do século XX. Ou seja educação musical para todos, escolas de música verdadeiramente profissionais, orquestras estáveis e permanentes espalhadas pelo País, circuitos de concertos regulares. Todos estes problemas foram sendo colocados em toda Europa, e que em Portugal foram objecto de muita luta dessa geração de pioneiros.

Quando foi secretário de Estado da Cultura tentou inverter essa situação, mas acabou por abandonar o Governo. Saiu defraudado com o poder político?

Saí com alguma frustração. É evidente que um investimento a sério nesta área não se faz apenas com boas vontades, faz-se com dinheiro. Portanto, tal como um carro, que pode ser excelente, não anda se não tiver gasolina, também os projectos políticos, pedagógicos e de promoção cultural podem ser muito bons, mas se não houver dinheiro depois não funcionam. A sensação que tenho é que a classe política, e não me refiro a este Governo em particular, é que não continua a dar à cultura e às artes o peso suficiente. E isso acontece não por maldade intrínseca dos políticos, mas sim porque a sociedade portuguesa não valoriza este sector. Portanto, existe um ciclo vicioso, já que os políticos reflectem a opinião da sociedade.

Neste momento estão a ser dados alguns passos que possam modificar essa situação?

Ao nível das autarquias é uma situação que está a mudar. Hoje o número de cidades de pequena e média dimensões que estão a querer realizar festivais de musica, é o sinal de que os cidadãos desses locais querem ter acesso à oferta musical. O passo a seguir é perceber que as coisas não se solucionam só com ciclos de concertos, mas com estruturas estáveis de vida musical que têm que ser criadas. E essa onda de fundo das autarquias vai acabar por chegar ao poder central.

Das suas palavras depreende-se que os meios do Ministério da Cultura são insuficientes...

Considero que não devemos pessoalizar a acção do ministério, neste ou noutro ministro, mas sim nos meios que têm à sua disposição. E aquilo que se verifica é que os meios são insuficientes, como venho dizendo desde que saí do Governo em 1997. E independentemente do facto de eu ter uma empatia por este ou por aquele ministro, o que importa é que nenhum ministro consegue ter uma acção estruturante da cultura, porque não tem meios para levar a cabo a sua acção.

Se lhe dessem esses meios aceitava regressar à política?

Essa é uma questão que não se coloca. Tenho uma carreira profissional e académica que quero prosseguir.

Voltando à Fundação. Muitos são os bolseiros que beneficiam dos seus incentivos, mas muitos acabam por não regressar a Portugal...

O número dos que voltam é significativo. E isso é o que nos vai salvando, pois os portugueses têm a ligação umbilical a Portugal, e voltam para trabalhar em piores condições.

A sua tese de doutoramento é sobre a biblioteca de música de D. João IV e vida musical luso-brasileira. Que influências recebeu a música portuguesa?

A música portuguesa é interessante, pois acompanha a história da música europeia. Mas tem a característica de ter feito diálogos com outras civilizações e com outras formas de fazer arte, devido à abertura que tivemos com o mundo. Ou seja criaram-se formas de mestiçagem cultural, que são muito típicas desse elo. E esse é um dos aspectos mais interessantes da música portuguesa, e não aquilo que Portugal imitou de dos grandes centros.

O mundo virtual já faz parte da vida dos nossos dias, em que medida a Internet permite aprofundar os conhecimentos de música?

Hoje em dia tenho alunos que fazem trabalhos com informação que retiram da Internet. Eu próprio, no meu trabalho de investigador, consulto com frequência os ficheiros das bibliotecas de Paris, Britânica e do Congresso, a partir do meu computador. Mas não nos podemos esquecer que é um instrumento e que é preciso saber tocá-lo, pois não substitui a massa cinzenta.

 

 

 

CARISA MARCELINO E RUI BARATA

Campeões do acordeão

Carisa Marcelino, 16 anos, e Rui Barata, 18 anos, são os novos campeões nacionais de acordeão. Estudantes no Conservatório Regional de Castelo Branco, estão ligados ao mundo da música desde crianças e querem prosseguir os estudos naquela que é a sua área. Recentemente, em Alcobaça, venceram as respectivas categorias naquele que é o único troféu nacional do género realizado em Portugal. Os jovens do Conservatório Regional não só tocaram, como encantaram. Agora dizem querer continuar a estudar música, se possível a nível superior, na Escola Superior de Artes Aplicadas de Castelo Branco. Quanto a campeonatos, Carisa Marcelino vai representar Portugal no Mundial, que se realiza, em finais de Outubro, em Londres, Inglaterra. A história dos mais jovens campeões de acordeão do País, aqui fica.

Os primeiros passos no mundo da música foram dados ainda em crianças. Carisa Marcelino tinha 10 anos quando entrou para o Conservatório. “Na altura comecei logo com o acordeão”, recorda. Rui Barata, já tem 7 anos de Conservatório, mas primeiro “aprendi a tocar órgão na Arca, em Alcains. Ainda toquei saxofone, mas depois optei pelo acordeão, quando entrei para a Orquestra Típica Alcainense”. O trabalho de Rui Barata foi também distinguido pelo Grupo Lena, já que recebeu uma bolsa de mérito que lhe permitiu continuar a estudar, mais um ano, no Conservatório. “Como conclui o 12º ano candidatei-me para o ensino superior. Entrei em Lisboa, mas como ganhei a bolsa optei por ficar a estudar mais um ano no Conservatório”. Rui Barata prefere continuar pela região e para o ano diz que vai “candidatar-se ao curso de música da Escola Superior de Artes Aplicadas de Castelo Branco. Enquanto isso não sucede, vou dando umas aulas particulares de acordeão, e ensaiando a sua banda «Roupa Velha»”, explica.

Carisa Marcelino também faz parte de uma Orquestra Típica, mas da Albicastrense. Além disso integra o quarteto de acordeão do Conservatório. Antes de se sagrar campeã nacional, já tinha tentado a sua sorte. “Já tinha participado três vezes no campeonato. No primeiro ano consegui o 2º lugar, depois obtive uma quinta posição, e na terceira vez não houve concorrentes para competirem comigo”, esclarece. A frequentar o 10º ano de escolaridade, Carisa Marcelino mostra-se satisfeita com a opção tomada e considera que o seu futuro passa pelo estudo da música, tendo tal como Rui Barata, a intenção de se candidatar à Esart.

Para participarem no campeonato, os dois jovens tiveram que ensaiar bastante, sobretudo a peça obrigatória. Carisa interpretou a peça Sherzovolpi, de Jonh Gant, enquanto que o Rui apresentou a sinfoneta de Adamo. “Nos meses que antecederam a prova estudámos mais aprofundadamente, depois três semanas antes do campeonato fizemos um estudo intensivo em casa do nosso professor, Paulo Jorge Ferreira”, recordam. Depois do prémio vieram os parabéns e o apoio dos colegas do Conservatório Regional de Castelo Branco, onde a música continua a iluminar o antigo edifício situado ao lado da Sé Catedral.

 


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