Director: João Ruivo    Publicação Mensal    Ano IV    Nº39    Maio 2001

Destaque

MARGARIDA GIL, REALIZADORA PREMIADA

Um cinema "graniticamente português"

O Grande Prémio do Festival de Roma catapultou-a para a “ribalta” do cinema internacional.

O júri classificou «Anjo-da-Guarda» como uma «obra-prima» distinguindo Margarida Gil, uma realizadora beirã já com créditos firmados.

Natural da Covilhã, veio para Lisboa com a família, porque «na altura, a cidade não possuía uma universidade, como aquela que hoje tem».

Estudou germânicas na capital, mas o curso não correspondia aos seus sonhos. Os interesses maiores «situavam-se nas Belas Artes, sobretudo na Pintura», conforme confessou em entrevista exclusiva ao «Ensino Magazine».

A paixão pelo cinema chega quando trabalha no Palácio Foz, onde havia ciclos de filmes a que assistia o seu irmão. A ligação familiar “puxou-a” para o Cinema. Conheceu João César Monteiro e reconhece hoje que «as relações pessoais que manti com ambos incentivaram-me para entrar no mundo cinéfilo».

Margarida Gil continua a sua caminhada nesta área, depois de ter marcado presença em diversos festivais internacionais . Logo o seu primeiro filme , «Relação Fiel e Verdadeira», passou em Veneza e «Rosa Negra» foi seleccionado para o Festival de Locarno.

O prémio obtido com «Anjo-da-Guarda» foi importante, admite. Até porque «não adianta negarmos que ficamos sempre satisfeitos quando o nosso trabalho é reconhecido». «Foi uma lança em África que o cinema português conseguiu, na altura, porque nos festivais internacionais geralmente os países mais poderosos na Indústria Cinematográfica arrecadam sempre prémios», afirma com orgulho. A realizadora elogia Manoel de Oliveira por ter «aberto portas aos nossos filmes além fronteiras».

Em Portugal, o cinema nacional «já é muito melhor acolhido pelo público do que há anos atrás; registou-se uma evolução, sem dúvida, extremamente positiva». Mas, avisa, há muitas salas de cinema a fechar, porque «escasseiam os apoios ao sector, por um lado, e, por outro, os espectadores desinteressaram-se, preferindo, talvez, ver o “Big Brother” e outros programas do género».

Para inverter a situação actual é necessário, entre outras medidas, criar novos públicos sensibilizados para a Sétima Arte. Margarida Gil participa, neste momento, num projecto de definição das matérias curriculares do ensino artístico para os 10º, 11º e 12º anos de escolaridade. «Espero que se possa, assim, dar um contributo relevante para educar os jovens para o cinema, não quer dizer que os alunos vão todos ser cineastas, o que se pretende é ensiná-los a ver cinema», explica. Para Margarida Gil, esta é «uma tarefa muito importante, porque esses alunos vão ajudar a defender o cinema português, no futuro». 

Margarida Gil defende a aposta da Cinematografia nacional em obras de qualidade intrínseca, de não subordinação a lógicas comerciais. É por aí que se poderá afirmar não apenas a nível interno, como além fronteiras, preconiza, destacando a singularidade do cinema que por cá se vai fazendo. «Os nossos filmes devem ser devidamente valorizados e estimulados, uma vez que possuem elevada qualidade, afirmando-se progressivamente mas de forma sólida, no panorama internacional», esclarece a nossa entrevistada.

Para a realizadora, longe vão já os tempos em que a Literatura Romântica a atraia, tanto que as primeiras incursões pelo cinema se fizeram exactamente pelos filmes românticos.

Margarida Gil não concorda com a ideia segundo a qual os telefilmes televisivos terão contribuído para chamar mais gente às salas de cinema. Pelo contrário, diz, «não se distinguem das telenovelas e não possuem temas de qualidade; os telespectadores, em resultado de uma intensa campanha, foram levados a vê-los e depois acabam por afirmar que já assistiram a filmes que, no fundo, até nem gostaram».«Sucede, porém, que aquilo que viram não é cinema», alerta. Sem “papas na língua”, diz mesmo que «os telespectadores estão a assistir a gato por lebre».

Margarida Gil não tem dúvidas de que «não é preciso um filme ter um orçamento muito elevado para poder ter hipóteses de ganhar festivais internacionais, não existe essa relação directa». No caso da Cinematografia portuguesa, as distinções já alcançadas «testemunham que é encarada como de qualidade e com características singulares e muito próprias que marcam uma identidade». A realizadora reconhece, aliás, que os seus filmes «estão muito relacionados com a cultura do nosso país; com aquilo que Portugal possui de mais específico». É também essa marca que estará fortemente presente no próximo trabalho. O filme terá o título curioso «Não cortes o Cabelo que o Meu Pai me Penteou». Serão contos para adolescentes, contando com a participação do padre Fontes (conhecido por apadrinhar um congresso anual de medicinas alternativas) e de habitantes de Trás-os-Montes. Estes «estão muito entusiasmados com a ideia», salienta Margarida Gil, que pretende que o filme retrate «os diversos falares com sotaques do país, desde o Douro e o Minho ao Alentejo e Açores». Garantido está o recurso a uma câmara digital para as filmagens. A realizadora lembra as suas origens beirãs para considerar que esse trabalho será «graniticamente português, revelando a variedade que está por detrás da unidade do país».

Outro projecto consiste num filme que será «um “My Fair Lady“ à portuguesa, uma comédia musical que espero seja do agrado do público», afirma. Será mais um novo tipo de trabalho que fará e que constituirá outro desafio à sua criatividade e capacidade técnica.

TELEVISÃO. Margarida Gil sublinha que «em Portugal, apesar das imensas dificuldades e falta de apoios ao cinema, existem muito bons actores». O problema é que «como se pode estar 3, 4 ou mais anos sem gravar, actores de qualidade acabam por perder qualidades ou mesmo mudar de profissão nesse intervalo longo de tempo». A exiguidade do mercado nacional é fortemente responsável por isso.

Viver exclusivamente é, no mínimo, muito difícil de conseguir. Daí que Margarida Gil continue a trabalhar como realizadora da RTP. Sobre a sua experiência na estação pública de televisão diz que fez«de tudo um pouco desde escrever até à elaboração de documentários e actividade de realização». Tal como sublinha, «tem sido um trabalho muito interessante, marcado pela participação na elaboração de programas de grande qualidade e com verdadeiro conteúdo, susceptíveis de serem do agrado do público».

«Aquilo que tenho feito na televisão ajudou-me muito na actividade que exerço na cinematografia, mas não confundo as áreas: quando estou a realizar um programa não procuro fazer nenhum filme a fingir, a separação de trabalhos é absoluta», sublinha.

Crítica para com programas de «manifesta má qualidade mas que obtêm elevadas audiências», distribui acusações à «lógica comercial que estimula essa situação» e aos telespectadores que «se deixam anestesiar pelo que é transmitido e recusam ver programas que os poderiam enriquecer em termos culturais e formativos».

Na RTP, a realizadora espera vir a trabalhar num projecto sobre «Sagas da Islândia» que se encontra em fase de preparação.

Margarida Gil é também professora na Licenciatura de Ciências da Comunicação da Universidade Nova de Lisboa. Uma função em que se sente «bastante insegura, talvez porque mantenha aquela imagem de que o docente tem de saber muito, é altamente responsável, não é por não saber o que tenho para ensinar».Apesar disso, reconhece que «tem sido um trabalho positivo, a avaliar pelas reacções dos alunos e pelo desempenho que obtêm nas empresas para onde vão exercer funções após a conclusão do curso».

Refere, a propósito, a afirmação recente de dois alunos que se preparam para realizarem duas curtas-metragens, numa iniciativa «séria e credível; nada diletante».

Dividida entre o cinema, a televisão e as aulas, Margarida Gil prossegue no caminho que escolheu e que gosta. Admite que o trilho «não dá certamente a segurança de um emprego de secretaria ou escritório». Mas, frisa que não se sentiria bem fora deste seu mundo. Um mundo onde «o Cinema faz parte da minha própria vida, não se desliga dela», confessa.

Para a realizadora, o importante mesmo é …a realização pessoal, mesmo se «não se pode ter porches e bens de grande valor».

Jorge Azevedo
Foto: Jorge Jacinto/TV Guia

 


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