PARA RESOLVER O PROBLEMA
EM PORTUGAL
É preciso dificultar
a matemática
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A melhor forma de desenvolver o ensino da Matemática em Portugal será dificultando mais os exames, pois isso obrigará os estudantes a terem mais conhecimentos. E como as pessoas se interessam mais por aquilo que conhecem e quanto mais conhecem mais gostam, mais estudarão matemática. A afirmação, em tom de provocação é de Nuno Crato (à esquerda na foto) e recolhe o apoio de Guilherme Valente (à direita na foto), editor da Gradiva que se vem interessando por esta problemática há vários anos.
Mas esta solução implica outras mudanças, nomeadamente que a educação em Portugal exija uma maior interligação de conhecimentos e logo entre as diferentes disciplimas. O ensino deve ser mais experimental, para que os jovens manipulem os objectos do dia a dia e compreendam as explicações científicas dos diferentes fenómenos, como será o caso, por exemplo, da razão de haver ondas na praia, de existirem marés altas e marés baixas, como funciona um gravador ou como é que a televisão recebe imagem.
A título de exemplo, dizem que se uma pessoa não gosta de Química, isso deve-se ao facto de não perceber Química, porque se entender, acaba por gostar. Crato afirma que, em Portugal “a educação matemática é muito deficiente e exige pouco. Há coisas que poderiam ser melhoradas do ponto de vista pedagógico, mas também há pouca exigência. E como a exigência é pouca, as pessoas não aprendem e não gostam”.
No seguimento destas afirmações, Guilherme Valente afirma que os valores e atitudes que os cientistas têm de adoptar para desenvolver a sua actividade devem passar para toda a sociedade. “São os valores da auto-exigência, da avaliação permanente, da tolerância, da abertura às ideias novas, do debate de ideias. Nenhum cientistas chega a algum lado se não estiver aberto à novidade e até ao mistério”.
DEPLORÁVEL. Para Guilherme Valente, só generalizando os valores científicos poderá haver uma verdadeira relação das ciências com o dia a dia e resolver alguns problemas que agora surgem em termos de resultados do ensino-aprendizagem e que são mais visíveis na Matemática. “A situação nas matemáticas não é pior do que nas outras disciplinas. Fala-se mais das matemáticas e nas físicas porque a verificação do estado deplorável em que está o nosso ensino é mais facilmente objectivado, devido à existência de estudos comparativos internacionais”.
Segundo diz, não se compara internacionalmente com as escolas inglesas o ensino no português ou na história, mas sim na matemática e na física, porque é facilmente objectivável e comparável. O problema da falta de valores científicos será, por isso, comum a todas as disciplinas. “A realidade das nossas escolas, do básico ao superior, mostra que a situação é igual em todas as disciplinas. Vivemos uma crise educativa que não tem nada de idêntico com o passado. As pessoas dizem que se avançou muito e que se levou toda a gente à escola. Era o que faltava se não fosse assim”.
Mas o tom crítico de alguém que postula uma reformulação completa do sistema de ensino em Portugal não fica por aqui. “Há um indicador que mostra o estado deplorável a que chegou o nosso sistema de ensino. Castelo Branco é uma cidade com milhares de estudantes, mas veja-se junto das livrarias quantos livros se vendem. Isso é um indicador brutal, porque o livro e a leitura são a base do ensino. Nos Estados Unidos, as bibliotecas são os lugares sagrados e as maiores verbas são-lhe destinadas. Há alunos a lerem toda a noite. Isso não é comparável com Castelo Branco, onde as vendas de livros são insignificantes”.
O mesmo se passa com os jornais. Em New Jersey, um estado com sete milhões de habitantes, o jornal local vende 500 mil exemplares e o nacional chega aos dois milhões. Em Portugal, o Público, que é o grande jornal de referência, vende menos de 60 mil exemplares. Ora, apenas comparando com Espanha, o El País tira um milhão de jornais ao domingo.
O MONSTRO. Para mudar as coisas em Portugal, Guilherme Valente diz que, antes de tudo, “é preciso matar o monstro que ocupou o sistema educativo há algumas dezenas de anos, expulsando-o completamente do sistema, porque ele está enganar as crianças e os jovens. Hoje diz-se aos meninos que podem aprender a brincar ou quando quiserem. Porque a escola tem é de ensinar a aprender. Eu não sei o que será isso, porque só se aprende aprendendo. Veja-se assim a urgência da mudança porque, mesmo que se começasse hoje, só daqui a 20 anos é que o país começava a mudar”.
Fazendo um breve paralelo com os Estados Unidos, Nuno Crato diz que naquele país o sistema educativo é muito mais exigente. “Há uma preocupação maior para cativar as pessoas e existem mais meios. Os laboratórios e as bibliotecas são melhores, há mais computadores. É um sistema com o qual não poderemos competir, nem agora nem no século que vem. Ao mesmo tempo, há mais exigência e mais seriedade em relação ao curso”.
Segundo afirma, “a sociedade é muito transparente. Sabe-se quais são as melhores escolas, sabem-se as notas dos alunos. Num exemplo máximo, um aluno que entre em Harvard e fizer o curso com boa nota, tem um futuro brilhante à sua frente porque o empregador olha-o como sendo certamente excepcional, porque sabe como é que aquela universidade funciona. Há rankings nacionais das escolas, desde as primárias às secundárias e isso tem efeitos imediatos”.
Nuno Crato diz que na zona onde vivia existiam quatro escolas do 1º Ciclo. A certa altura uma delas começou a baixar a qualidade e os pais transferiram os alunos para outras, o que obrigou aquela escola a reformular-se, a contratar outros professores e a investir mais. O mesmo se passa às universidades. Quando uma mostra mais qualidade que outras, começa a ter mais alunos.
É que, as empresas americanas querem “pessoas com atitudes de trabalho, que saibam pensar, que saibam escrever inglês e que tenham um mínimo de espírito matemático”. E refere que a maioria dos empregados de Wall Street são físicos, não porque os seus conhecimentos interessem à gestão, mas porque sabem pensar, sabem fazer contas, respondem a situações de stress, sabem programar em computador e resolver os problemas que os empresários têm na bolsa”.
É por isso que defende que os cursos devam ter uma banda larga, porque os cursos específicos dão poucas possibilidades de adaptação ao mercado de trabalho que estão a evoluir. Por isso, nos EUA, mesmo nos cursos de matemática, existem cadeiras que dão as bases de história, geografia, de inglês. Numa das universidades onde leccionou, os cursos de engenharia tinham uma cadeira obrigatória de redacção no segundo e terceiro anos. E a verdade é que os empresários os preferiam porque sabiam escrever, sabiam fazer relatórios.
INTELIGÊNCIAS. A verdade é que os americanos não são melhores que os portugueses, “porque não há povos mais estúpidos que outros” e porque os portugueses que emigram também vingam lá fora. Os graus de exigência lá fora é que são outros. Por isso, para Guilherme Valente, tem de haver uma justificação para Portugal estar sempre no fundo dos rankings. “É um problema de sistema, um problema de cultura. Mas as culturas mudam e essa mudança tem de começar no sistema de ensino, no qual é preciso mexer”.
No fundo é preciso afastar o monstro, o que só se pode fazer “com um levantamento da sociedade que ainda é capaz de pensar e de se interessar pelo futuro do país. Hoje vivemos em Portugal como se o país acabasse à nossa morte. As pessoas vivem como se não houvesse futuro. Mas vêm aí outras gerações e é preciso pensar nelas. Ora, se o que resta de consciência provocar o levantamento, mais cedo ou mais tarde, há-de impor ao poder político o imperativo e a coragem de agir. Porque hoje não há coragem para agir, as pessoas aceitam o destino fatídico de sermos sempre os últimos”.
Mas por enquanto a sociedade não se mobiliza. O editor da Gradiva explica que a editora lançou um concurso, em conjunto com o jornal Público, destinado a jovens que terminassem o secundário com média de 18 ou superior, que teriam de fazer um trabalho no campo da Física ou da Matemática. Os vencedores teriam um prémio de 600 contos. “É significativo que as escolas do País não tenham dado a isso uma grande promoção, quando um aluno que ganhasse o prémio promoveria a escola”.
Apesar de tudo, apareceram 17 concorrentes a cada uma das vertentes e os prémios foram entregues na segunda semana de Maio, numa cerimónia em que esteve o presidente da República. “Nessa cerimónia esteve também o ministro Marçal Grilo, que foi um excelente ministro da Educação, que fez tudo para resistir ao monstro que está no sistema educativo, e fez algo para isso, mas não o conseguiu vencer. E a sua presença deu-me uma grande alegria. Mas das três escolas envolvidas, só uma esteve representada. Foram os alunos e faltaram as escolas. Apenas o Colégio Militar se fez representar e não terá sido por acaso”.
É esta atitude que é preciso mudar urgentemente. “Eu sou um pessimista, mas acho que a actual situação não pode piorar mais do que já está. E terão de ser os professores, os editores, os jornais a mudar o país, porque os políticos virão por arrasto quando sentirem que perdem se não o fizerem. Porque o rei vai completamente nu. Aliás, o rei já nem tem
pele”.
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