CRÓNICA
Boa noite, senhoras e
senhores

Do ponto de vista cultural, vivemos hoje uma estranha obsessão pelo ridículo, pela mediocridade e pela promoção do mau gosto. Quase não há dia em que, qual catarse colectiva, não sejamos surpreendidos com a estultícia de um novo programa televisivo, o surgimento de um cromo pouco mais que atrasado mental ou uma nova estrela no top musical, capaz de fazer corar de vergonha qualquer aprendiz de solfejo.
Por agora não cuidamos destes fenómenos, antes lhe achamos graça; promovemo-los até com negligente encolher de ombros. Na verdade, eles proliferam e movem-se com à vontade num terreno que lhes é favorável, quando não se lhes estende a passadeira vermelha para que se exibam, brilhem e façam de todos nós basbaques alternativos ou, simplesmente, consumidores desta espécie de aspirina lúdica para outros males ainda sem remédio e prescrição adequada.
Tal como em tantas outras desgraças domésticas, passadas e recentes, que em matéria do infortúnio alheio também temos lá parte, a culpa morrerá sempre solteira. Ninguém assumirá a responsabilidade perante um povo que vê o futuro com pessimismo (cinquenta e seis por cento, segundo sondagem divulgada).
Provavelmente, como dizia Pessoa em O Guardador de Rebanhos, “há metafísica bastante em não pensar em nada”. Quando amanhã o sol espreitar pela fresta da janela do nosso quarto e acordarmos, talvez já não nos lembremos de nada para além de um copo de filosofia ao pequeno almoço.
Vêm aí as romarias com as senhoras e santos de todos os nomes. Com elas vem a cura temporária para muitos males e azias, sendo que os males se sentem na coluna, no peito e um pouco por todo o corpo e as azias na mercearia e noutros locais semelhantes da nossa diária peregrinação.
De momento a grande preocupação está centrada no arranjo dos andores, na escolha do animal sacrificado, no fato para a festa e, talvez, no acolhimento da família que está fora e por aí poderá aparecer, se as coisas correrem de feição.
Os prospectos anunciam já os festejos ou, como é costume dizer-se, o programa das festas circula de mão em mão, para não dizer de parede em parede, que não faria grande concordância como verbo. E sabem que mais? O programa cultural é de estalo. Vedetas como só se vê lá fora, gente que dá cartas no panorama artístico nacional.
Não tem dúvidas, são eles com os habituais trajes de lantejoulas, o sorriso de orelha a orelha e instrumentos acústicos conhecedores da música toda, que no dia tal às tantas horas,
pimba.

João de Sousa Teixeira
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